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De quando a lama vermelha balbuciava palavras de ordem repercutidas nas florestas venezuelanas

 
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De quando a lama vermelha balbuciava palavras de ordem repercutidas nas florestas venezuelanas




“ Água verde pode ser mais compacta e aconchegante que tribunal instalado em iates, já que estrelas do apóstolo em férias brilham num mar do paraíso, deixando o auriga alarmado com a sensibilidade das velas coloridas do Mucuripe, ajustadas a barlavento. Digo sempre ao carregador que não se preocupe com a mala de couro de antílope. É imitação.”

Filampos Kanoziro, in "A Palavra Desconstruída"







Tão avassalador quanto tímido poderia ser, aquele meigo olhar atravessou o céu movido por hélices, assim como fusos das rocas de tecelagem. Haveria de romper os selos da escuridão, de modo mais ousado, sempre crescente, algo penetrante. Em contraste com o rosto tranquilo, o olhar brilhante desbasta a rocha, enfraquece o granito, estabelecendo a ordem inicial, restando apenas partes de quartzo, mica e feldspato depositados suavemente no quarto escuro. Mas bem arrumados, como a cama king size. Antes porém, é necessário e urgente olhar para trás, tentar observar no limite das distâncias o início de mais uma noite sob o olhar triste do dia que finda. Ali mesmo, onde apenas à luz semi difusa, sempre em ondas rolando, é dado o direito de brilhar, um frio pensamento faz sentir impiedosos calafrios verticais.

É que estamos agora nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Numa porção média no meio da clepsidra, incluindo o teto das montanhas ricamente ociosas debaixo das fibras das nuvens dependuradas no teto do céu . Não haveria outros motivos para o childrear alegre de rouxinóis no topo das ramas verdes do inicio de verão quando o vento, soprando de leste, pode se tornar picante e incômodo, de algum modo ornando a alcatifa dos pensamentos. Falando em rouxinóis, bandos de maritacas barulhentas e invejosas cortam o céu fazendo eco do farfalhar de asas contra o morro de pedra burlesca onde corre riacho manso e transparente, indiferente à pestilência do céu de encontro à montanhas, refletindo em ondas o aprendizado do equilíbrio medido em cadinhos de fogo e pedra.

Pois bem. Dito isso como introito, sabemos que depois de viver a vida que não lhe era destinada e tendo sido apenas uma vez hóspede em algum paraíso tecnológico de ponta durante duas ou três horas, vai acabar batendo à porta de uma pessoa qualquer, seja homem ou mulher. De dinastia autóctone ou estrangeira, oriundos de um palácio onde os ramos menos nobres persistem em esforço corajoso, alternando trajetos entre um cassino em Punta Del Leste e a casa da mãe Joana, com escalas numa estação ferroviária do planalto central. Ou de um aeroporto fechado à chave. Todos continuam espalhando descendentes aos Deus dará. E se não der, o que se vai fazer? Há de haver paraíso aleatório para regozijo da noiva. Afinal, manter-se casta e vestida de branco não é tarefa corriqueira. A dissonância amedrontada e triste consistia em ver a luz celeste espalhada sobre a espuma do mar, ali mesmo depois da arrebentação, na continuação da rua, nesse vale entre corredores de montanhas, verdadeira fronteira turva entre céu e água.

E digo isso com propriedade. Calmamente assentado à sombra generosa de mangueiras ancestrais margeando o campo de golfe do country clube. Nesse ponto, arrumo os lençóis usando como travesseiro uma nuvem do céu. Tudo branco, como convém a esta ocasião. Simon Bolivar bem que tentou a guerra em desfavor das paredes de pedra. Seu balanço de calor e a lama vermelha caída dos pinheiros balbuciam palavras de ordem repercutidas nas florestas venezuelanas, fechadas a chaves de tal sorte que acabaram pairando timidamente de modo assaz estranho entre as arcadas de renda da Lapa. Ai mesmo, na ponte dos arcos, que não é ponte. Sim um aqueduto que modernamente desapareceu dos arredores da Carioca. Pode ter sido suavemente deslocado até o Recreio dos Bandeirantes. Tudo por que está na moda transportar coisa aparentemente impossíveis, transformando antes suaves monumentos de pedra branca em peregrinos de basalto. Nada contra metamórficas ou ígneas, já que tantos devotos curvam joelhos e cotovelos jogando para trás cabeças e moedas de menor valor. Tudo maravilhosamente iluminado pela réstia do sol que entrava em auréola, bimbalhando gradualmente sinos de ouro incrustados no mármore. E mais não vi que fosse digno de alguma nota.
11112014

 
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FilamposKanoziro
 
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