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Rei Mamadú

 
Mamadú vivia no sul da Guiné, rodeado do seu gado, proprietário de uma mansão, onde o cheiro do pomar confundia abelhas atarefadas na recolha de pólen, pois, praticava um pouco de apicultura, cujo mel prateado se mesclava com o colorido pôr-do-sol no longínquo horizonte de Bubaque.
Vivia como rei e tinha como músicos: pássaros, que com seus melódicos cânticos adoçam o coração e dão sentido a vida, para além do fervor, digno dos reis mukuápe, que vinha das copas de árvores, produzido pelos macacos que de galho em galho saltitavam, ora espreitavam furtivamente para o rei Mamadú, deitado à sombra de um frondoso cajueiro, ora emitiam graciosos sons de chamada aos filhotes, descurados a saborear o suculento sumo de cajú.
Um dia, Mamadú decidiu ir à Bissau que nunca conhecera. Chegou a capital, dirigiu-se a um restaurante e sentou-se na esplanada à sombra de uma goiabeira, como fazia no seu reino, pediu um sumo e se pôs a escutar a conversa entre dois amigos imigrados na Europa:
- Como vão as coisas lá em Espanha?- Pergunta o lisboeta
- Vão maravilhosamente bem, a Europa é vida.- Responde o madrileno
- Não era supostamente de admirar, o teu impecável caro o indica.
Riram em uníssono, as seis moças que os acompanhavam, todas elas trajadas a rigor.
Mamadú ajustou seu camisote puído pelo tempo e aguçou os ouvidos:
-Como é a vida em Portugal?-Pergunta o madrileno
-Nem tanto como em Espanha, mas consegue-se resolver algo.
-Que algo é esse, meu caro amigo?- Insiste o madrileno
-Tenho seis carros, sete barcos de pesca e três armazéns de revenda.
O rei Mamadú ao ouvir aquilo, encaminhou-se à mesa repleta de bebidas e no seu português mal falado, pergunta:
-Iarmons, como que fazer para vai ir Europa?
-É só ter dinheiro para arranjar visto, lá tudo é fácil. -Responde o lisboeta
Mamadú, fascinado com o que ouvira e pelo convívio ganancioso das raparigas, apressou-se a regressar à bubaque. Vendeu tudo o que tinha, sem o consentimento das seis esposas e vinte filhos. Obteve um visto que lhe custou fortuna e embarcou para Portugal. Uma vez nas terras lusas, não tinha para onde ir, foi à Rossio que muito ouvira falar na sua terra natal e pernoitou na rua em pleno inverno. No dia seguinte, pôs-se a deambular pelas ruas de Lisboa, receava não ser entendido por desconhecimento da língua, pelo que não contatou a ninguém para arranjar trabalho. Assim, foram passando os meses e caducou o seu visto. Com desassossego de vir a ser repatriado, dirigiu-se aos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para pedir a prorrogação do visto e fora negado, para o efeito tinha que trabalhar e ter contrato de trabalho. Regressou às ruas de uma Europa que tanto cobiçara, tentou arranjar trabalho, mas ninguém quis arriscar dar-lho, porque era um indocumentado.
Os anos foram passando e Mamadú deixou de contatar a família, não tinha meios econômicos para o fazer, dormia ao relento e comia dos restos que apanhava no lixo dos hipermercados. Um dia, foi desencantado no submundo em que viva, por um suposto familiar de uma das suas seis esposas, que lhe informara do casamento delas com outros homens e da situação dos filhos, que se tornaram nos meninos de rua em Bissau. Por instinto, empurrou para um lado o monte de papelões que lhe serviam de agasalho, arregalou os olhos e entrou num pranto convulsivo. Acudido pela polícia metropolitana de Lisboa, foi encaminhado para o hospital, porém, o coração não aguentou e acabou por falecer.

Adelino Gomes-nhaca


Adelino Gomes

 
Autor
Upanhaca
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