Contos : 

Paula

 
<br />







Já passava da meia-noite. Lá fora o vento batia forte e chovia torrencialmente. Paula tinha acabado de chegar a casa e estava completamente ensopada. As suas calças de cabedal eram a única peça de roupa que não se colava ao corpo. A viagem de avião tinha corrido bem. Trazia ainda o perfume forte do Luís. Meu Deus, como sentia a sua falta! Tinham passado alguns minutos, apenas, desde que ele a deixara à porta de casa...
Estava exausta. Dirigiu-se ao quarto de banho para se entregar ao conforto de uma imersão de espuma perfumada e quente. Atirou com as peças de roupa para o cesto metálico da enorme e bem decorada sala de relaxamento. Acendeu as velas, uma a uma, ligou a sua música preferida, encheu uma taça de champanhe e mergulhou nas águas quentes e sedutoras da banheira em tons de azul.
Sentia o calor percorrer todo o seu corpo. Numa preguiça sensual deslizou a sua mão por entre as coxas e envolveu-se numa excitação suave... Precisava de voltar a sentir o corpo a estremecer de desejo como naquele minúsculo cubículo – a que chamavam de casa de banho, no avião - onde ela e o Luís, horas atrás, fizeram amor de uma forma selvagem, deliciosamente única.
No auge da excitação sobressaltou-se com o toque insistente e irritante do telefone. Não lhe apetecia sair daquele conforto quente e tranquilo. Enrolou o corpo, saciado, na toalha macia e branca com toques de azul-turquesa e foi atender o telefone.
- Estou?
- Olá querida, como estás?
Era o Carlos, o seu namorado.
- Olá, acabei de chegar do aeroporto, Está como sabes, um temporal e cheguei a casa toda encharcada, fui tomar banho para me aquecer.
- Posso passar por aí agora? Preciso ver-te.
- Oh Carlos, hoje não, estou cansada e vou já deitar-me. Vemo-nos amanhã pode ser?
- Não pode mesmo ser hoje?
- Não, querido.
- Então, está bem, vou ter contigo ao Hospital por volta das dez. Ok?
- Às dez não, ainda estou nas consultas. Vai ter comigo ao bar e almoçamos qualquer coisa por volta da uma e meia, pode ser?
- Está combinado. Sonhos lindos Paula.
- Beijinhos.
Incomodou-a o telefonema do Carlos. Ainda húmida, deitou-se e tentou dormir. As recordações daquele dia passado em Nova York com o Luís não a deixavam adormecer. Queimava-lhe o desejo do seu corpo. Como fora possível? O irmão do seu namorado?
Rebolou vezes sem conta nos lençóis brancos de cetim. Roía-lhe o desassossego da traição. – Amanhã esclarecia tudo com o Carlos e logo se via como ele reagia.
O despertador acordou-a às sete horas. Espreguiçou-se lânguida e ficou os seus cinco minutos sagrados enrolada em si. A rotina da manhã era igual à de todos os dias. Um duche rápido, vestir uma roupa confortável com um toque de provocação, a maquilhagem leve e discreta, o café forte bebido golo a golo, para um despertar sereno, encontrar as chaves, os cigarros, o batom e mais uma meia dúzia de coisas inúteis para colocar na carteira. Entrar no carro a caminho do Hospital. Era sempre assim…
A manhã decorreu normal, os doentes com as suas queixas infinitas, o sorriso cúmplice que, invariavelmente, melhorava a disposição das pessoas e a correria habitual.
Perto da uma, o Carlos enviou-lhe uma mensagem dizendo que já estava no bar à sua espera. Aquela meia hora foi longa e angustiante. Ela desceu no elevador e quando chegou ao bar lá estava ele. Beijou-o na face e com um “Olá” constrangedor sentou-se à mesa.
- Estás linda Paula!
- Obrigada, mas ainda estou com os horários trocados.
- É normal, o pior destas viagens é mesmo o jet lag.
- Pois é… - disse desconfortada.
A tensão e os esporádicos silêncios instalaram-se, entre eles. Não conseguiam olhar nos olhos um do outro. A conversa parecia sem nexo e sem rumo. De qualquer forma, sentiu o Carlos tão inquieto quanto ela, o seu sorriso era nervoso e aquele seu tique de alisar o cabelo, tornava-se evidente de mais. Ganhou coragem e perguntou:
-Que tens Carlos? Pareces-me preocupado, passa-se alguma coisa?
-Pois, nem sei por onde começar… Preciso muito de ter uma conversa franca e aberta contigo, Paula.
-Que se passa Carlos? – Indagou já sem sorriso e meia atrapalhada…
-Querida, já andamos juntos há dois anos, não é?
-Sim…
-Pois…. Tem sido uma relação aberta, de cumplicidade, tu és uma miúda fantástica, inteligente, linda! Tudo o que um homem deseja encontrar numa mulher para ser sua companheira. Mas, na verdade, não temos sido muito honestos um com o outro.
O seu coração disparou. O que estava a acontecer? Será que o Luís tinha contado ao irmão o que acontecera? E agora? Olhava para o Carlos, queria dizer alguma coisa mas não conseguia articular uma única palavra.
- Paula estou apaixonado.
- Sei Carlos, mas preciso de conversar contigo…
- Não digas nada por favor: Não sei como dizer isto. Bem… sei e é melhor que seja sem rodeios. Não te amo como julgava amar-te, Paula. Encontrei realmente o amor que sempre procurei e de uma forma desonesta fiz-te acreditar que eras tu.
- Espera lá Carlos, deixa ver se eu estou a perceber, estás a dizer-me que estás apaixonado por outra mulher? É isso? Há quanto tempo?
- Esta relação começou há três meses e é realmente paixão que eu sinto, não posso mais esconder…

Paula ficou furiosa! Tinha sido enganada durante três meses e ali estava ela, cheia de remorsos pelo que tinha acontecido no dia anterior, no avião. Reconhecia que também não tinha tido um comportamento correcto, pelo contrário, mas estava disposta a pedir-lhe perdão pelo seu acto de loucura. Porém, ele não. Tinha-a enganado durante três longos meses com outra…
- Paula, estás a ouvir-me?
- Estou sim, Carlos! - Respondeu em tom agressivo. Posso saber quem é ela?
- Sim Paula, finalmente vou ser honesto contigo e comigo. Chama-se Joel, tu sabes quem é….
- Joel?! O nosso amigo Joel?... Não, só podes estar a brincar comigo. Lá estás tu com as tuas gracinhas de sempre.
- É verdade Paula. Não imaginas o quanto foi doloroso para mim não me assumir como homossexual durante tanto tempo… Eu fingia que nada se passava. Mas a verdade é esta, eu sou homossexual. Desejo muito que tu me perdoes e consigas continuar a ser minha amiga, porque eu gosto muito de ti querida, mas não da forma que tu queres ou da que te fiz acreditar.
Homossexual? O Carlos? Nunca lhe teria passado semelhante ideia pela cabeça… E agora?
- Fala Paula, diz qualquer coisa, por favor! – Implorou.
O telemóvel dela tocou. Atendeu sem ver o nome no visor. Era o Luís.

- Sim, Luís. Olá como estás, desde ontem?
- A morrer de saudades tuas, Paula. A que horas sais? Vou buscar-te preciso de te ver, de te ter de novo!
- Espera um pouco por favor, ligo-te já.
- Não demores muito, não consigo esperar mais, estou louco de saudades.
- Até já…- Gaguejou.
- Era o meu irmão? Antes de ele ir para Nova York contigo, falei com ele e contei-lhe tudo. Era importante para mim que ele soubesse e esperava o seu apoio, claro. Foi extraordinário. Disse-me que seria sempre o mesmo irmão e confidenciou-me que estava, perdidamente, apaixonado por ti e que assim seria mais fácil tentar conquistar-te.
- Ai Carlos, já nem consigo pensar direito. Uma, duas notícias destas deixam qualquer um desorientado. Dá-me tempo por favor, preciso de me recompor.
- Claro que sim Paula, o tempo que precisares. Deixa-me dizer-te só mais uma coisa e depois vai. Não tens que me explicar nada do que aconteceu entre ti e o Luís. Estou muito feliz por vós. Vou adorar ter-te como cunhada.
- O quê? Tu já sabias?
- Sim, o Luís contou-me tudo ontem à noite. Por isso telefonei-te porque era mesmo muito importante, para mim, ter falado ontem contigo. Não queria que passasses uma noite angustiada, como sei, conhecendo-te, que passaste.

Olhou-o, como nunca o tinha olhado! Uma mistura de emoções parecia explodir no seu peito. Abraçou-o ali mesmo e só foi capaz de dizer:
- Desculpa, Carlos. Obrigada….
Saiu dali a correr, com um belo sorriso nos lábios, sem se importar com quem estava a ver. Necessitava, urgentemente, de estar com o Luís, de sentir de novo o calor daquele corpo que a tinha enlouquecido, que a tinha feito sentir fêmea por inteiro.



Rosa Maria Anselmo




.... Este é o meu primeiro conto.... aceitam-se todo o tipo de criticas! obrigada antecipadamente pelos vossos comentários... só assim saberei se posso continuar a escrever neste género, dado que tenho escrito apenas poesia....
 
Autor
rosamaria
Autor
 
Texto
Data
Leituras
3221
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
15 pontos
15
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 10/02/2008 23:54  Atualizado: 10/02/2008 23:54
 Re: Paula
Li o texto uma só vez, mas asseguro-lhe que com atenção. Está aberta a críticas portanto...
A história parece-me perfeitamente trivial, mas o conto é bem escrito, sem precipitações, sem rodeios e com alguns momentos em que poucas palavras atingem grande expressividade, como o "Desculpa, Carlos. Obrigada...".
Apenas um reparo. Dada a importância do primeiro parágrafo num conto, creio que o seu ficou um pouco desconexo, pois faz um longo parágrafo composto de uma descrição de movimentos em frases curtas.
Como apreciação geral, continue.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 10/02/2008 23:58  Atualizado: 10/02/2008 23:58
 Re: Paula
Para primeiro conto está muito bom. Tem uma história bem urdida, prende o leitor de princípio a fim, embora o tema seja, ou vá sendo, banal. O estilo é corrente, descritivo, em português escorreito. Trata-se de um conto lúdico, que não aprofunda, naturalmente, os perfis psicológicos nem os ambientes sociais.O brilho literário, o tque da diferença, virá com o tempo. parabéns.
h@p


Enviado por Tópico
Tália
Publicado: 11/02/2008 09:55  Atualizado: 11/02/2008 09:55
Colaborador
Usuário desde: 18/09/2006
Localidade: Lisboa
Mensagens: 2489
 Re: Paula
Sinceramente gostei.

Um pequeno conto com tantos sentimentos misturados... desculpa dizer-te mas só uma boa poetisa consegue dar harmonia a um enredo como este...

Muito bom

beijos


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 11/02/2008 14:05  Atualizado: 11/02/2008 14:05
 Re: Paula
Antes de mais o sorriso do dia para a rosa!



Quanto ao Conto, prendeu-me do principio ao fim!
Quanto à frase "Só assim saberei se posso continuar a escrever neste género" a minha resposta é:

Pode não, DEVE!!!


Beijinho


Enviado por Tópico
Pedra Filosofal
Publicado: 11/02/2008 14:17  Atualizado: 11/02/2008 14:17
Colaborador
Usuário desde: 17/09/2007
Localidade: Barreiro
Mensagens: 1273
 Re: Paula
se deves continuar?

eu não tenho qualquer dúvida acerca da resposta.

A situação está bem retratada. Flui com facilidade.

Sim, como diz a Fly, não só podes como deves.
Beijo


Enviado por Tópico
Luis F
Publicado: 11/02/2008 14:47  Atualizado: 11/02/2008 14:47
Colaborador
Usuário desde: 15/08/2007
Localidade: Alcochete
Mensagens: 1184
 Re: Paula
Rosinha para primeiro conto... Muitos Parabens.

Naturalmente que aqui e ali nota-se que é o primeiro, mas nada como começar... e pelo que li, só posso dizer...

CONTINUA


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 11/02/2008 14:53  Atualizado: 11/02/2008 14:53
 Re: Paula
É no exercício pleno da escrita em todas as suas vertentes que você certamente vai desabrochar seu potencial criativo.
Em frente, Rosa!
Gostei muito.
Bjs.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 12/02/2008 17:24  Atualizado: 12/02/2008 17:24
 comentário 990 - Análise do conto de Rosa Maria, "Paula"
Comentário 990 (contagem regressiva ao milésimo...)

Rosa, estou aqui como um leitor crítico, assim como tu pedes para ser e assim como também procurei fazer nos 989 comentários anteriores. Eu sou um leitor principalmente de lírica, sendo assim o conto de fato não é minha especialidade.
*Sobre os perfis psicológicos, não vejo no conto nada que precisa se aprofundar, sendo assim, algo característico do autor. Tem autores que se aprofundam mais, outros não, tendo assim, uma natural discordância ao comente de Henrique Pedro.
* Um núcleo dramático, assim como o conto precisa ser e o seu é.
*O enredo de facto corre bem, tem linearidade e o início do conto é coerente, sendo assim necessária a explanação como foi feita, correta não partindo logo aos diálogos (apesar de que alguns são exclusivamente feitos de diálogos).
* Os temas de amor em vinda e ida na são os meus preferidos, pois tendem cair em lugares-comuns, porém mesmo acontecendo em alguns pontos do conto, não perdeu a unidade nem se divagou em excesso.
*Possui a sensualidade, herdada naturalmente de sua lírica, sendo assim algo normal.
*Senti a falta das animações nos diálogos em determinados pontos, o que se pode fazer em outras vezes, sem prejuízo de expressão.
No computo geral, seu conto ficou de boa qualidade, bastando apenas (se mantiver a continuação nesse gênero) apenas a sequenciação como vem fazendo.

Leia muitos contos, e os de sua preferência. ELES TE AJUDARÃO A COMPREENDER-TE em vez de tu a eles.

Saudações Literárias, Godi.