Poemas : 

OVIEDO

 
OVIEDO



recordo-me era março e a noite tinha
pousado a sua manta sobre o corpo
da cidade deitando sobre a mesma
gambiarras de sonhos e silêncios
de caminhos traçados sobre a ardósia
por onde se registram os meus passos
de aprendiz de poeta moldador
de palavras a noite abre-se à música
das sombras dos reclamos luminosos
do coro que ancestrais pedras encantam

dentro do coração do olhar desperto
para o mundo e tal como no poema
do piquero somente frio a rua (1)
prometia mas como não sair
e não habitar rostos que se perdem
em cada bar em cada esquina rostos
que connosco partilham o fracasso
como norma da casa aqui ou noutro
lugar qualquer porque o homem desconhece
tudo o que há para além do seu umbigo

e assim vamos por onde a companhia
a que se senta sempre à nossa mesa
é sempre a nossa própria solidão
como se os nossos passos fossem guiados
pela mão do abandono e perguntamos
pela sorte das cinzas destes dias
que vento as leva ou traz para a memória
que alimenta o poema que se escreve
o poema que serve de catarse
unguento que se aplica nas feridas

da alma mesmo sabendo que não sara
mas talvez este absinto sare aqueça
esqueça a noite a mesa onde se senta
a nossa companhia a solidão
e já não sendo março em oviedo
e o poema adormeça entre as palavras
essas que são a essência do seu ser
permanece a promessa do abandono
de nos levar de volta para a ausência

Xavier Zarco

Notas:
(1) PIQUERO, José Luis – Noche de Marzo. In “Escrito en el agua – Revista de Literatura”, n.º 2, Oviedo, Espanha, 1989, p. 20.

 
Autor
Xavier_Zarco
 
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