Poemas : 

Pureza

 
Tens o meu olhar. Tens o rebento de todo o meu desfecho nessa tua mão.
Pergunto às vozes da minha cabeça se buscam companhia. Pergunto a partes de mim se não se podem calar, que me ensurdecem os ouvidos, ou se podem falar mais alto porque também o vazio nos enche os tímpanos.
Questiono todo o momento em que ressuscito as cinzas de uma chama mal ardida, pelo pavio de uma cera de má qualidade.
Sou a cera de toda a mediocridade.

Ardo, derreto e endureço.
Ardo, desfaço-me em formas estranhas de ser.

Viajo nas ruas com uma personagem a cada lado.
Amanhã voltas a esta avenida que conheces como não querias conhecer.
Viveste aqui toda o infinito que te corrompe as mãos como lepra.

Se queres morrer, não te chega a falta de oxigénio.
Foi mais um dia e tu nada tiveste.
Foi mais um dia e tornaste-te imortal. É tarde de mais para matares a tua própria essência.

Mentiste a ti mesmo o teu tempo impensável aos céus que hoje acreditas tu na mentira que não tem ponta, como uma bola de corrupção violenta.

Não tens braços que não sejam feitos de nuvens.
O tempo foge-te das ruas e do resto das estradas do teu rosto.
Sabes que cá amanhã ficas, se eu te deixar.
Se te fores hoje, bem sabes que não fugi de ti, fui corrompida pela imundice de todo este conceito do que se é ser.

Achas que não te amo, mas como não te posso amar se não te posso anular e tudo o que me resta é a tua impressão inalienável, que consome toda a verdade em mentiras alimentadas por ilusões.

A chama só se eleva mais ao céu e derrete-me em formas ainda mais demónicas.

Dispo a roupa, que a mim não me convém a conjugação.
Se a alma me está despida de carne, se alma me foi vendida como veio ao mundo a ele mesmo tiro também a roupa. Mais me vale a coerência, se a insanidade for para prevalecer.

Coerência de louco é admirável.

Tens medo da coerência, de toda a verdade feita, se ela te embeber todo e não te deixar um único resto ao mundo a que deverias pertencer.

Mas que mundo, mas a quarto, mas que a que cova pertences tu e todos os teus?
Que cova, que mundo será suficientemente grande para que acartes a dentadura, a mentira, o sonho sem asas, as mil almas se habitação.

Despes a roupa. Despes a morte.

Ficas tu agora nua.
Ficas com uma personagem em cada lado do teu corpo, que te fazem sombra.
Ficas com a mentira como manchas de tabaco entre os dentes e caspa entre o coro, para te a sujidade te vista.
A pureza já não é tua. A pureza pertence aos mortos.
Já se foi o tempo, já se foi a verdade e a cortina que tapava todo o meu teatro.

Esperam-me as vozes a um canto, com bastões de dúvidas e ideias de criança para me espancarem.
Esperam-me os nomes na esquina da adultidade para me arrancarem os cabelos e me despirem da sujidade.
Esperam-me todos aqueles braços feitos de nuvens que sangram chuva, que apelam a verdade, que apelam a pureza de uns olhos que viam tudo em fundo de luzes.

Acabou-se a juventude.
Acabou-se a inocência.
A vila torna-se hipócrita. Morres levitada pelos fantasmas das tuas crenças, que hoje absorveste em sarcasmo e sorrisos baratos para que te consumam os pensamentos e te façam adulta.

Despe-te.
Põe-te pura, põe nua, sem pinturas nem farrapos.
Despe-te e espera que as vozes te tatoem os braços, se não te conseguiram tatoar a mente.
Mas não morrerás sem deitar um último suspiro.
Mas não morrerás senão em paralisia, bufando os nomes dos braços feitos de nuvens.

A pureza é dos mortos.
Serás nobre, serás pura uma vez mais.
Serás uma cova cheia.

Serás pura e sozinha, morta.
Voltarás às raízes da tua essência.
Serás pura e sozinha, como eras quando vieste ao mundo.

Acabou-se o tecido vermelho da cortina.
Acabou-se o tecido da roupa bem tricotada.
Acabou-se a pintura de um rosto filtrado pela sujidade.

Serás pura.
Serás cheia.
Serás nuvem.
Serás morte.
Será o meu olhar.
Será o meu desfeito desenhada numa mão deserta.

Choverei sobre ti.
Verás por mim.
Morrerei na tua mão, ressuscitarei se os loucos deixarem.

Seremos puros.

Lau'Ra
 
Autor
Lau'Ra
Autor
 
Texto
Data
Leituras
963
Favoritos
2
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
24 pontos
2
3
2
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 29/01/2016 08:45  Atualizado: 29/01/2016 08:45
 Re: Pureza
Palavras que se planta nesse encanto onde e emoção nos leva ao ler do começo ao fim.

lindo...........martisns

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 01/04/2016 18:55  Atualizado: 01/04/2016 18:55
 Re: Pureza
Open in new window