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O grande caderno azul - XLVIII

 
XLVIII

Numa manhã de sexta feira, vigesimo-primeiro dia de fevereiro - todos escangalhado, a boca uma desgraça só, os dentes amarelando cheios de tártaros, o catarro na garganta, dores no corpo. Uma vida sem nexo, só coisa ruim - a minha saúde arruinada, tudo por causa do álcool. Dormindo no relento.

Dans l'atelier de la vie! / En la taller de la vida
a primeira moleza; esqueci as chaves dos cadeados, quando estava aqui na porta depois de me arrastar sofridamente pela avenida.
11:47 - Mais uma decepção. A patroa não trouxe o dinheiro e eu também não vou lá. Vamos passar fome, se for da vontade de Deus.É muito complicado essa minha, me viro de um lado e de outro e nada. Essa tosse renitente. Aleluia!Aleluia!

Tarde
13:10 - Comprei os ferros, sobrou um bom troco, mas infelizmente não pude comprar nenhum livro sequer, em vez do livro comprei uma banda de frango assado, almocei e guardei o resto para o jantarmos.É a vida e agora essa pseuda-doença.

Começo da noite
18:00 - O reage vem das Casa dos Correias.Os olhos marejam. Minha cunhada na beira do fogão, engendrando o jantar. Comprei os pães na mesma padaria de sempre. O meu conhecido, o cabeludo doidão do rabo do cavalo não estava, a porta estava fechada. Cochilei um pouco. O corpo dolorido. Se não fosse a caixa d'agua, seria mais tranquilo. Ontem deitado escrevia o meu livro mentalmente como Henry Miller fazia enquanto caminhava a esmo pelas ruas da Broadway ou de seu Brooklyn querido. Gostei do que mentalizara, lembro-me vagamente:
"Vivo isolado de tudo e de todos. Não tenho amigos e nunca mais tive ou terei uma namorada. Mas me conformo com a situação que talvez eu mesmo criei involuntariamente para mim mesmo. Foram tantas situações que deixei-me levar sem que desse a mínima importância para os fatos, quando vim a me conscientizar era tarde demais e irreversível. Mas não estou tão mal assim, não tenho casa,não tenho bens materiais, as vezes sinto-me um ermitão e para completar o quadro deixo a barba e o cabelo crescerem, transformando-me numa aparência de um verdadeiro mendigo.As pessoas não cansam de lançar olhares furtivos e suspeitam temendo que eu seja um ladrão ou até mesmo um estuprador. O meu momento feliz é quando estou aqui no quarto que dividi por muito tempo com a minha finada mãezinha, desde quando me separei de Dona Van. Uma cômoda simples herança da velha casa grande da Rua Afonso Pena, onde estão as minhas roupas velhas e surradas espalhadas nas duas gavetas grandes.Um velho guarda -roupa sem fundo com as portas amarradas com barbantes. Dois colchões de casal sobrepostos um sobre o outro."
É assim que vou começar o livro, contando a minha verdadeira historia, assim como Miller - o negocio é que esqueço o texto que mentalizei - estava tão bem..
"As vezes acho que lamento de barriga cheia, comparado com infelicidade de outras pessoas - não tenho nada, mas tenho os meus sagrados livros, companheiros das minhas tristes horas e o mais importante tenho a minha liberdade, que para mim é um grande luxo. Sou dono do meu tempo graças a a Deus.

 
Autor
r.n.rodrigues
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/04/2016 02:05  Atualizado: 20/04/2016 02:05
 Re: O grande caderno azul - XLVIII
Belíssimo texto. Amén por sua Mãe. Que belo início dum livro.
Inspirador como sempre.
Abraço