Épicos : 

APU INTI - o sol de maio

 
Tags:  TREZENTAS  
 
APU INTI - o sol de maio

introito
I
Por uma Terra sem males;
Sem fronteiras verdadeiras!
A Terra das mil palmeiras
Onde os mais extensos vales
Têm irmanadas bandeiras!...

II
A Terra das cordilheiras
Onde os Andes sem igual
Tocam o céu tropical!
D'onde as mais alvas geleiras
São dos rios manancial!

III
A Terra do sol austral,
Que Pacha Mama fecunda.
Dos altiplanos oriunda,
Ao baixio litoral
De grandes águas inunda!

IV
A Terra que d'ouro abunda
E d'onde emergem, noviços,
Aqueles cujos serviços
Mais Uiracocha aprofunda
Pelos mundos fronteiriços!

V
A Terra d'homens mestiços!...
De misturar sangue e pele
Uma fé maior se revele
Por maravilha e feitiços
Se mais além nos impele!

VI
A Terra a quem se rebele
Seja dos povos farol!!!
Livres do jugo espanhol
Contra a Coroa 'inda vele,
De tais reinos ao arrebol!

VII
Liberdade!!! Brilha ao sol!
Brilha no mais belo maio!
D'oura a Terra cada raio
Enquanto bravos d'escol
Pelo Pampa verde gaio!...

VIII
A coruja, de soslaio,
A ver os Libertadores
Augura dias melhores
Ao passo que um papagaio
Se lhes imita os ardores.

IX
Eis fidalgos e senhores
Cá descalsos e desnudos;
São homens tristes e mudos,
Cujos morenos humores
Repete a ave em ditos rudos:

X
"Si! Buenas! Que tal! Saludos!"
Arremeda na algazarra...
Enquanto longe a cigarra
Àqueles homens sanhudos
Invita a chorar guitarra.

XI
Sem embargo, à sorte agarra
Tão-só quem for escolhido!
Tantos quedaram no olvido
Sem ver esse sol que narra
Dos heróis o fado havido.

XII
Tantos julgaram perdido
Esse dia ensolarado...
Esse maio iluminado
Quando o tirano vencido
Fosse enfim desbaratado.

XIII
Tantos pensaram errado
Sobre o realismo dos factos
E condenaram os actos
Dos que rompendo o mal fado
Mantêm os ideais intactos.

XIV
Tantos tão estupefactos
Ao verem chegar essa Hora
Vítimas mandam embora.
Quem com temor firma pactos,
Quando a Justiça apavora.

XV
Tantos temeram a aurora
Desse sol que em tudo brilha...
E, cegos à maravilha,
Fogem pelo mar afora,
Buscando insabida ilha...

XVI
Porém, por milha após milha,
O Sol de Maio ilumina!
Agradável na neblina
Por meridional coxilha
É tê-lo a arder a retina!

XVII
Livres da fúria assassina:
Após tão insana guerra,
Por dividir toda a terra
Com Sete Povos termina
E tantos outros desterra...

XVIII
Rio em rio; serra em serra,
Raia o Sol da Liberdade!
Inti por solar invade
Os rincões da Nova Terra,
Trazendo a nós Igualdade!

XIX
Ide aonde houver cidade,
Vila, aldeia, forte, fazenda...
Brilhai à nossa oferenda
De pela Fraternidade
Evitar toda contenda!...

no caminho de Peabiru

XX
Indo aonde dá a senda
Que vem da Serra do Mar.
Para bem atravessar
Quando de Sumé a lenda
Fui de Uiracocha lembrar.

XXI
Contam que viera do mar
E tinha pele e olhos claros.
Aos tupis, antes ignaros,
De tudo soube ensinar
O velho de gestos raros.

XXII
Sumé lhes mostrou quão caros
São os frutos do cultivo.
E como o povo é mais vivo
Quando livres dos avaros
Cuida do torrão nativo.

XXIII
Pois, tão sábio quanto ativo,
Sumé cuidava de todos.
Enquanto de muitos modos
Buscava dar lenitivo
Com seus emplastros e lodos.

XXIV
Fugia, contudo, a engodos
Que os chefes, por invejosos,
Lhe preparavam aos gozos
Para mor temor de todos
Em caminhos perigosos.

XXV
Cercado por numerosos
Guerreiros de flecha em riste,
Sumé os olha bem triste,
Lembrando a tais ardilosos
O fim de tudo que existe:

o discurso de Sumé

XXVI
-- "Chefe ingrato! Não ouviste
Quanto te fiz descobrir?
A trilha que fiz abrir
Leva aonde jamais viste;
Por onde irão no porvir..."

XXVII
"Caminho de ir-e-vir,
Leva para alta montanha
Onde riqueza tamanha
Espera a quem lhe sorrir
Porquanto primeiro a apanha."

XXVIII
"Sorte co'a morte barganha,
-- Advirto-vos, todavia... --
Aquele que por tal via
For seguir com fúria e sanha
Morrerá na travessia!"

XXIX
"Certo como a luz do dia,
Outros virão pela fama
D'essa riqueza, que inflama
Quem d'ela falar ouvia
E mais porfim a reclama."

XXX
"Consumidos por tal chama,
Serão como gafanhotos:
Famintos por sobre os brotos!
Vorazes em cada rama!
Os impiedosos devotos..."

XXXI
"Esfarrapados e rotos
Carregarão ouro e prata!
E, quem atravessa a mata,
Apresa ainda os garotos
Das tribos que desbarata."

XXXII
"Vós-outros vereis que a ingrata
Partida que me dais hoje,
Fará que outrem vos enoje
Ou mais rirá da bravata
Antes que mais vos despoje..."

XXXIII
"Este, que agora vos foge,
Vos teve zelo paterno.
Mas tal é o modo hodierno
Que, embora me desaloje,
A vós trará outro inferno!"

o rio da Prata

XXXIV
Pelo solstício de inverno...
Clamai todos por Inti!
Que não se vá; fique aqui,
O Sol que no sul eterno
E nos Andes conheci.

XXXV
Eldorado... Potosí!...
São lágrimas do sol o ouro.
Prata as da lua... Tesouro
Que, inopinado, perdi
Com incurável desdouro.

XXXVI
Se ao século porvindouro,
Deixarem por fim malditos
Os filhos d'estes conflitos
Captivos do mau agouro
De Sumé expulso a gritos.

XXXVII
Quem por sertões infinitos
Andara até dar em Cusco...
Hoje, no Peabiru busco
Os rastros dos que contritos
Tiveram um fim tão brusco.

XXXVIII
As almas do lusco-fusco
Habitam ainda a estrada...
Volvei, oh Sol! Não há nada
Nas chamas vãs com que ofusco
A minha triste mirada.

XXXIV
D'essa pena amaldiçoada
Quem, pois, nos redimirá?
Sempre oprimida será
Tal descendência fadada?
Por crimes pagando está?

XXXV
Acima de tudo o que há
Volvei, oh Sol que liberta!
Cessai essa noite incerta
Que eterna perdurará
Não fosse estardes alerta...

XXXVI
Amanhace. 'Inda deserta
A estrada com seus cansaços
Vou me expandir por espaços
Enquanto à passada aperta
Na ânsia de fortes abraços.

XXXVII
Vou esticar os meus braços
Ao sol, qual voo de urubu...
Se, do Brasil ao Peru,
Alcatifam os meus passos
As flores do mulungu.

XXXVIII
Enfim a foz do Iguaçu,
Que ao Paraná agiganta!
E a sua beleza é tanta
Que mesmo meu olhar nu
De maravilha se encanta.

XXXIX
Ali, soltar da garganta
Três canções d’esperança
Que fale da eterna aliança
Dos povos na fúria santa
De manter mútua confiança.

a canção do Iguaçu

XL
Tens com o mar semelhança
No centro do continente!
Água grande onde a Serpente,
Em quedas como lembrança
Há-de estar eternamente.

XLI
Tens com o mar, certamente,
O mesmo modo que estronda
A queda, como que alta onda,
A neblinar permanente
Onde a ousada harpia ronda.

XLII
Tens com o mar a redonda
Forma de cortar a terra
Ao contornar cada serra.
Ainda que em si esconda
As razões pelas quais erra.

XLIII
Tens com o mar sua guerra,
Em pleno oceano a avançar.
E o força até conquistar
O amplo estuário onde encerra
Correndo dentro do mar!

XLIV
Tens com o mar seu lugar,
Pelo Prata, as águas grandes,
Que descem desde os Andes
E desde a Serra do Mar...
Tu, Iguaçu, as expandes!

o lunar de Sepé

XLV
Junto às ruínas, só landes,
Cercando a antiga Missão.
Da lua cheia o clarão.
Ilumina ainda que andes
Só em meio à escuridão.

XLVI

Silencia a redução
Ao agouro da juriti...
A cruz recorda que ali
Sete povos d’uma nação
Morreram porque vivi...

XLVII
Se choro do facto em si,
Alegra-me descender
De valentes que ao morrer
Deixaram vivas aqui
Suas razões, a saber,

XLVIII
A terra, o filho, a mulher,
O certo, o justo e o trabalho.
Jamais perder quanto valho
Para entregar a qualquer
Com plano estúpido e falho!

XLIX
Isto é fazer d’espantalho
Seu ídolo d’ouro e prata.
Mas quem de Deus faz barata
Imagem, mais nada atalho,
Tampouco lhe acuso a errata.

L
Recordo de longa data
A memória de Sepé.
O que lutando de pé
Prefere a morte que ingrata
Vida vivida sem fé.

LI
Pois mais vero martírio é
Deixar o que se constrói,
Enquanto o tempo destrói
Vilas, lavouras e até
As esperanças do herói...

LII
Quem do justo se condói,
Julgue como agem tiranos:
Tomam com perdas e danos,
Enquanto a angústia corrói
De libertários os planos.

LIII
Tratam de vinhos e panos...
E levam-nos pratas e ouros!
Por se colher alheios louros
Governam só com enganos
E rapinados tesouros!

LIV
Pelos séculos vindouros
São brumas da longa noite...
Os que validos de açoite,
A ferros em seus pelouros
Punem a quem mais se afoite.

LV
Assim, nos Pampas pernoite
A alma do herói pelos breus
Correndo os caminhos meus,
Enquanto o tirano açoite
Como não houvesse Deus...

LVI
Salve Sepé mais os seus!
Todos valentes d’escol.
Tremam o luso e o espanhol,
Que na ilusão de apogeus
Não veem o próprio arrebol...

o solar de Tupac

LVII
Cantai o filho do sol!
Saúdo, à luz d’alvorada,
Àquele que fez morada
No dourado girassol
Seguindo o sol co’a mirada.

LVIII
Face sempre iluminada,
Resplende a força do novo,
Que libertaria o povo
Ao se negar à ordem dada
Contra o rebento; o renovo.

LIX
Este valente a quem trovo,
Para os homens das alturas
Revela de Inti figuras:
O disco solar de novo
Tem a face das criaturas!

LX
Dos incas, as desventuras...
Dos espanhóis, a contenda!
Logo o passado desvenda
Por devolver as culturas
A toda a gente que entenda.

LXI
Para Cusco, em velha senda,
Segue com grande alarido.
O povo crioulo reunido
Aos nativos da fazenda
Retomam Inti d’olvido!

LXII
E um brasão desconhecido
Elevam por estandarte:
Eis o solar que reparte
Seus raios sobre o destemido
E brilha por toda a parte!

LXIII
Eis o solar que enfim farte
Pacha Mama ao olhar fecundo
E traga do chão profundo
Os frutos que se comparte
Entre os filhos d’este mundo.

LXIV
Tupac se arvora o segundo,
Pois de Amaru descendente,
P’ra liderar sua gente
Contra um opressor imundo
Que não o ataca de frente.

LXV
Assassinado friamente
Por sequazes, às escuras.
Deixa, porém, as figuras
De Apu Inti resplendente
Para as gerações futuras.

vinte e cinco de maio

LXVI
Descendo ao Prata procuras
O pendão alviceleste
Onde Apu Inti reveste
O centro de áureas ternuras:
Alto sol a raiar n’Oeste!

LXVII
Descendo ao Prata soubeste
D’um dia de sol de maio.
Quando Inti fez de seu raio
A luz que sempre quiseste
Sobre o Pampa verde gaio.

LXVIII
Descendo ao Prata, gandaio,
Viste com teus próprios olhos
O sol que mostra os abrolhos.
Povos do Sul, proclamai-o
Erguendo-lhe capitólios!

LXIX
Das leis escritas nos fólios
Em letras d'ouro escrevei:
"Sob o Sol, a Magna Lei:
O povo livre de espólios,
De si, soberano e rei!"

LXX
Povos do Sul, bendizei
Nossa tardia Igualdade!
Dos livres, sede a verdade
E no mundo a defendei:
-- "Liberdade, Liberdade!"

epílogo

LXXI
Vem d'alguma antiga idade
O nome que luz nos Andes
Que tu, libertário, expandes.
Vem d'aquela alta cidade
Onde os incas foram grandes.

LXXII
Enquanto o Peabiru andes,
Rumo a Cusco, sob o sol,
Lembra do jugo espanhol;
De Sete Povos, as landes;
Do Peru, o girassol...

LXXIII
Livre serás sempre em prol
De ver o mundo, gandaio,
Desde o Pampa verde gaio,
Contemplando outro arrebol,
À luz d'este sol de maio.

Betim – 01 05 2016


Ubi caritas est vera
Deus ibi est.


 
Autor
RicardoC
Autor
 
Texto
Data
Leituras
871
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.