Poemas : 

a outra balada da casa, agora com alguns objetos

 

estas paredes vazias
guardam no breu memória
as cores de tantos quadros
que um dia arrematados
num leilão foram embora

este sofá remendado
ainda acolhe o cansaço
do homem que aqui havia
e uma tarde pôs-se a achar
que sentia sono e dormiu
para nunca mais acordar

esta virgem em madeira
no oratório esquecida
parou de fazer milagre
parou de escutar promessa
e agora quebra o silêncio
e com a voz suplicante
quer que do peito lhe arranquem
a espada que o faz sangrar
e a deixem partir em paz
pra um antiquário qualquer

esta cama de casal
que foi testemunha ocular
de três ou quatro herdeiros
sobre seu colchão fabricados
está toda dilacerada
pela fome dos cupins
e terá por destino o lixo
quem viu começar tanta vida
bem merecia outro fim

este piano de cauda
está aposentado dos concertos
está livre dos saraus
três teclas foram quebradas
eram do mais puro marfim
não fabricam outras iguais
ainda lhe falta um pedal
e mesmo sem ter conserto
dá seu último recital
sem qualquer toque de dedos
toca triste em silêncio
o prelúdio do nunca mais

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júlio


Júlio Saraiva

 
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Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/04/2008 15:14  Atualizado: 02/04/2008 15:14
 Re: a outra balada da casa, agora com alguns objetos - p/Julio Saraiva
Teu poema foi esculpido sob um olhar soturno, e das lembranças emanadas de um coração de Poeta, deixando aflorar sem limites toda uma vida vivida, hoje desgastada, com marcas na poeira e com tênues vestígios deixado nas paredes envelhecidas pelo silencioso abandono. Me deu gosto ler-te novamente.
Um beijo em ti, amiguirmão.