Luso-Poemas
 
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Duas ou três palavras

 
Quando eu era criança, coisa de duas ou três horas atrás, ocupava-me vivamente em tragar o vazio na intenção de preencher-me e ficava imaginando meus pulmões e seus alvéolos, cápsulas pequeninas encharcadas de sonhos... Mas é passado isso, cansei-me desses perfumes, eu sou muito “enjoável”. Na semana que vem vou trocar as cortinas do meu quarto, tenho essa necessidade de olhar o novo, sempre, e desprezo o ouro justamente por saber seu valor. Sou assim. Estou freqüentando agora o analista, mas não para saber quem eu sou, que isso eu não quero. Tenho medo de um dia acordar e não ter o que questionar, seria como estar para sempre desonrada. Eu quero mesmo é ter com quem conversar, com quem falar sobre as minhas dúvidas, não exatamente para exterminá-las. Por exemplo: até hoje eu não sei se o alaranjado existe mesmo ou se não é senão um salmão entusiasmado que se pavoneia. Deve ser muito cansativo saber de todas as coisas, penso que até deve doer um pouco, a pessoa deve ficar sem ninguém dentro dela, cheia de coisas assimiladas, frustrada em seus desejos secretos irrealizáveis, como o de escrever paraíso com z. Eu já escrevi uma vez (minto, duas vezes), agora não o faço mais e não é por isso que sou mais feliz mas concordo que é muito mais fácil escrever inferno, não tem sequer acento, coisa que muita gente abomina. Eu gosto. Prefiro os agudos, claro, mas gosto de todos, disso não posso me queixar: eu sei acentuar as palavras. Sofro mesmo com outros defeitos mais relevantes, porém a cada defeito que tento eliminar perco duas ou três qualidades. Decido-me então por amar-me, nada menos; estender-me num abraço para ser muito mais que eu para mim; concordar comigo quando me magoam; dar-me de presente um espelho gigantesco em lugar das cortinas para que eu possa sorrir para mim quando estiver sozinha e nua no meu quarto às duas ou três da madrugada, para quando minhas palavras forem se deitar, cansadas de mim, assim de duas em duas, ou de três em três, todas muito bem acentuadinhas.


 
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Enviado por Tópico
Paulo Afonso Ramos
Publicado: 05/04/2008 10:45  Atualizado: 05/04/2008 10:45
Colaborador
Usuário desde: 14/06/2007
Localidade: Lisboa
Mensagens: 2080
 Re: Duas ou três palavras
Li. Confesso que fiquei com vontade de ler outra vez, mais duas ou três… mas em duas ou três palavras, como o título do texto o digo:

critica
erro
mor

deveria de seguida explicar cada palavra escolhida em cada detalhe… mas prefiro deixar assim como que se fosse o mesmo texto…

Abraço

PS: claro que gostei

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/04/2008 14:16  Atualizado: 05/04/2008 14:16
 Re: Duas ou três palavras
Leitura fecunda, pensamentos bem lavados na colónia dos dias formiga.
Gostei imenso de me sentir neste texto.
Gostei imenso de te sentir.
grato

Enviado por Tópico
Pedra Filosofal
Publicado: 05/04/2008 22:37  Atualizado: 05/04/2008 22:37
Colaborador
Usuário desde: 17/09/2007
Localidade: Barreiro
Mensagens: 1273
 Re: Duas ou três palavras
Em duas ou três palavras só te consigo dizer que amei este texto.

Enviado por Tópico
CarlosCarpinteiro
Publicado: 06/04/2008 14:43  Atualizado: 06/04/2008 14:43
Super Participativo
Usuário desde: 22/02/2007
Localidade: Mondeville
Mensagens: 196
 Re: Duas ou três palavras
Excelente. Adoro em particular o teu humor.
Quero ler mais...
beijo hihihihi

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