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A patrulha do chulo

 
De camisola de gola alta bem justa, casaco de xadrez branco e preto, calças de boca de sino, patilhas à meia cara e cabelo generosamente farto, lá descia a rua principal do bairro. Encolhia a barriga com esforço e enchia o peito para se endireitar. Aquele ar de gigolo dos setentas seria razão de chacota em qualquer lado, mas ali não. Era o rei.
Apesar dos cinquenta no cartão da carteira, os vinte ficaram-lhe para sempre e o estilo fazia parte. O seu aspecto tinha importância... havia poucas coisas que o ralassem mas a imagem, essa era muito importante! Enfim, o seu ar era sempre lavado e rematava-o com um sorriso de conveniência... aquele levantar do canto esquerdo da boca já lhe rendera muitos e bons proveitos.
Todos os dias o seu nome dançava nas bocas das mulheres frequentes da boite. E como não, se era assíduo e geria o sustento de cada uma delas?
Já lá ia muito tempo desde que tinha acolhido sob a sua asa a última nova. A vida já não estava para isso e um homem não vive só do espírito. O vigor já não lhe completava o corpo e os males vindos de cavalgadas passadas, há muito que o roíam por dentro.
Não estava morto ainda.
Continuava a descer a rua, no seu estilo único de patrulheiro do seu reino... não quisesse algum rapazola, na flor da pujança tirar-lhe o espaço. Que vida danada aquela, que até já lhe tinha tentado dar umas facadas à traicção! Não havia descanço para um indivíduo com a sua posição e carisma.
De uma coisa fazia gala! Nunca tinha batido nas suas mulheres. Sabia que outros o faziam mas... caramba!... eram o seu ganha-pão e esse, um homem tem que tratar bem... proteger. Claro que sem aquelas coisas de amores e mariquices... tinha uma reputação a defender! Tudo com os seus limites.
Descida a rua, entrou na taberna, bebeu o habitual entre dois dedos de conversa e gabarolices. Pagou, saiu e disse voltando-se para trás:
“Ah! Que árdua esta coisa de trabalhar em ramo dedicado à satisfação da sociedade!” e lapidarmente, frisou “Mas um homem tem que fazer os sacrifícios que tem que fazer.”
Encolheu a barriga, inchou o peito e lá foi, desta vez para cima.

Valdevinoxis


A boa convivência não é uma questão de tolerância.


 
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Valdevinoxis
 
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Enviado por Tópico
RSérgio
Publicado: 03/02/2007 04:17  Atualizado: 03/02/2007 04:18
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 Re: A patrulha do chulo
Caro Amigo,
Seu estilo de prosa me fez lembrar de Guy de Maupassante escritor francês. Depois de Voltaire meu contista preferido. Mas o que eu quero ressaltar é a sua clareza na construção lingüística, principalmente, com o substantivo «anos setentas», que alguns teóricos sustentam o uso no singular. Mas anos setentas são muitos: 71, 72,... 79. Logo abaixo você faz a distinção do substantivo com o numeral cinqüenta, agora sim no singular.
Forte Abraço Sul-Mato-Grossence.

Enviado por Tópico
ângelaLugo
Publicado: 03/02/2007 05:46  Atualizado: 03/02/2007 06:27
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 Re: A patrulha do chulo p/ Valdevinoxis
Adorei sua prosa, muito boa mesmo!!!Quanta inspiração amigo poeta, parabéns muito bem escrita....Deveria ter mais que dez !!!! Beijinhos na alma

Enviado por Tópico
Tália
Publicado: 04/02/2007 15:54  Atualizado: 04/02/2007 15:54
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 Re: A patrulha do chulo
Gostei bastante da tua prosa... acho que deves continuar a trabalhar neste sentido...
Tália