Poemas : 

Epístola quase lírica à poeta Mel de Carvalho

 

Poderia, amiga, falar-te das manhãs que não cheguei a ver. Porque o ar me faltava e o suicídio seria imediato. Um pouco de formicida. Mas tento falar da revolução cubana, enquanto o comandante ainda respira. Queria cantar-te os poetas do meu país. Mas as viagens por eles me sumiram do mapa. Tenho um olhar de quem não tem nada. E desde muito cedo os olhos muito tristes. Um dia, ainda no ginásio ouvi de um professor: "Deu pra ser poeta, não pode ser boa coisa." Aos 12 anos, gazeteando aula, vi meu avô morrer debaixo de um caminhão. Foi o meu primeiro contato com a morte. Viriam outras depois. O jornalismo, a literatura, prêmios que nunca sonhei receber. Veio um beijo na boca. E aprendi que a poesia é bem maior que qualquer metralhadora. Vem de longe, de muito longe, o meu gosto pelo álcool. E pelas pombas que agora vejo passar em frente onde moro. Todo fato é um fado, escrevi certa vez. A barba deixa meu rosto mais velho. Tenho a mulher que amo. E a poesia para escrever.Gostaria de aprender violino. Não tenho jeito pra música. Eu queria imenso ser como uma dessas pombas que voam na praça perto de onde moro.

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júlio, itinerário, inédito


Júlio Saraiva

 
Autor
Julio Saraiva
 
Texto
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1952
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/04/2008 12:32  Atualizado: 28/04/2008 12:32
 Re: Epístola quase lírica à poeta Mel de Carvalho
Julio, também já dediquei á Mel de Carvalho alguns textos e poemas. É uma amiga, que infelizmente, ainda não foi neste encontro que pude conhecer pessoalmente.
Estou certo que quando isso acontecer, as minhas expectativas serão largamente superadas.
Também este teu texto me fez ganhar o dia. Está carregado de uma liberdade e de um sentir que é apanágio dos homens que se libertaram a si próprios das grilhetas do políticamente corrrecto, daquilo que os outros querem ouvir.
Falas verdade, em linhas direitas ao coração de quem sente.
Eu fui seguramente um deles.
Abraço Julio


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/04/2008 12:45  Atualizado: 28/04/2008 12:45
 Re: Epístola quase lírica à poeta Mel de Carvalho
Para quê, Julio, aprender violino? Porquê corrermos o risco de perder um prosador de alto gabarito? Melhor será, se me é permitido o conselho, que continues a estimularmos com o teu talento, e a deixares estimular-te por quem no Luso, como Mel de Carvalho, nos induzem pelos caminhos da escrita mais bela e sadia.

Abraço.


Enviado por Tópico
Mel de Carvalho
Publicado: 28/04/2008 14:09  Atualizado: 28/04/2008 14:09
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 Re: Epístola quase lírica à poeta Mel de Carvalho
Júlio, inúmeras têm sido, ao longo deste mais de um ano aqui no Luso, as expressões de afecto e de atenção que tenho recebido.
Não deixo nunca de me sensibilizar, de me tocar, de agradecer a Deus a ventura de me ter colocado neste caminho (em certos momentos tão espinhoso, tão dúbio, tão difícil de trilhar).
Não se escolhe ser "poeta". Não sou poeta, serei aprendiz de poeta (a vida inteira). Mas a poesia foi a minha logoterapia, foi a forma de me encontrar comigo mesmo. Mendiga vertical! Como digo tantas vezes (e já escrevi).

Bem-haja Júlio. Tem uma alma nobre e merece, aliás como sempre lhe disse em "n" locais, o apreço de todos nós!

Um fraterno abraço de imensa gratidão. O seu texto é magnífico.
Mel


Enviado por Tópico
Ledalge
Publicado: 28/04/2008 17:29  Atualizado: 28/04/2008 17:29
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Localidade: BRASIL
Mensagens: 6868
 Re: Epístola quase lírica à poeta Mel de Carvalho
Eu sou suspeita pra falar, pois adoro a Mel e a você também. A poesia é uma espécie de amiga que nos acomoda aos braços e nos dá umas lambadas de vez em quando. Mas, sem ela nosso mundo vira um caos, com gosto insosso. Mel é uma poeta de muitas virtudes, entre as quais a humildade, que sem esse ingrediente nada somos, não acha? Um beijo em vocês, que são gigantes em força e talento. Núria