Crónicas : 

el micador de las playas

 
“Eu gosto é do verão”, esquecer que o meu patrão é um forreta do mais alto nível, um grandessíssimo filho de um afinador de gaitas, e lá vou eu, à conquista da fama do momento na praia da Apúlia.

O verão é uma catapulta para o pensamento, ó se não é!, principalmente entre a uma e as cinco da tarde, que é quando o calor aperta mais no corpo e, é preciso fazer de tudo para aliviar a rosca.

Muito bronze produzido, muitas loquinhas na areia, muita nâdega ao dependuro (já sei, estarão vocês a pensar olha ele feito machão cabo verdiano), muita musa aquática exibindo silicone made in China, etc.

Chegam as camones com utensílios pendurados nos umbigos, a tilintar - que me lembra a época em que lá na quinta havia vaquinhas mimosas -, com os seus fios dentais que o meu amigo josetorres não se importaria de ir lá afiar o dente, etc.

É entre Julho e Setembro que nós, meros veraneantes, vemos uma nova versão humana a surgir lá no fundo, uma espécie de poeta fingidor a transportar o seu guarda-sol camuflante, o seu jornal de Janeiro de 2007 com um buraco no meio da folha, os seus raibantes de marraquexe, o seu bronze a desenhar os seus sports.

Apresento-vos o mirone, pessoa dotada de um zoom óptico quase sobrenatural, capaz de captar ângulos e desângulos que nem Spielberg no seu melhor captaria.
É uma pessoa humilde, que não gosta nada nada de dar nas vistas, pelo contrário, até se esconde e evita exposições perante os outros.

O mirone é o único que recebe os praticantes de nudismo de braços abertos, principalmente as praticantes, e nos dias que correm, dadas as condições adversas, ser-se mirone é no mínimo necessário um doutoramento para exercer os seus actos de investigação minuciosa.

Passar horas a fio com o sol a bater-lhes nas trombas, tirar apontamentos mentais, não é talento que se adquira em qualquer escola de novas oportunidades ou cunho numa relojoaria da rua direita.

Que julgam?, aquela do espreita-canos já era! Isto numa época em que, desde que Salazar caiu da cadeira, o mirone enfrenta várias adversividades, nomeadamente o nadador-salvador: inimigo público declarado do micador em que, o rapaz dos salvamentos, possui a vantagem de ser fisicamente mais bem elaborado, desambarcando um número considerável de garinas para a sua roda e aumentando o risco do marmanjo ser caço no momento das suas funções.
Já que o salvador, o que tem licença para apalpar, também usa binóculos.

Por isto e por aquilo é que o “poeta fingidor” teve necessidades paranormais de evoluir enquanto batedor de dunas, feito Indiana Jones, deixando para o passado o seu ar de ruralidade profunda, aquela cicatriz no peito como insígnia dos seus arriscados feitos, e investir na sua categoria de olheiro.

Agora, usa bermudas em vez das calças de tirilene viradas até ao joelho, usa chinelinho de dedo em vez do pé descalço e galochas na mão, e usa níveas para os tempos mortos. Já que o Sudoku retira-lhe a concentração de tirar as medidas a olho.

Enfim, tudo despesas que eu, zelador dos direitos humanos, acharia por bem o Estado comparticipar.

Vá lá Estado, já que olhas pelos maricas também podes olhar por estes homens! Vê como eles se ginasticam por uma visão, repara como eles obtêm melhores resultados do que a policia à paisana!

Claro que são uns incompreendidos, mas, uma praia sem mirones é o mesmo que um pinheirinho de natal sem as ditas estrelinhas. É tudo uma questão de encaixe.

É necessário preservar esta sub-espécie que começa a rarear pela costa portuguesa, dando lugar a pescadores sem isco, surfistas sem equilíbrio, que andam pelas praias tal indiano sobre as brasas quentes, em pontas de pés, que parecem sei lá o quê. Claro que sei mas não digo.

Micadores, associai-vos, se as dunas existem foi para vos proteger, nada mais! Esqueçam o que dizem os argumentistas e façam vocês os vossos enredos. Mas atenção! Cuidado com as distracções!, é que há malta enciumada que não perdoa e nem admite que alguém lhes capte as legendas dos gestos aquando os corpos quentes perdem suas burocracias. Não é justo, pois se há Vales e Azevedos ePintos a dar à Costa, por que raio não pode haver mirones?!

A sociedade é injusta e não compreende a carga emotiva destes palmilhadores de praias, sempre na procura de melhor peixe (ou bife) que dê à costa, sempre com os hi-fives (desligados) nos ouvidos, sempre dispostos a contribuir para a macho-latinidade.

Vamos dar uma forcinha a estes rapazes das miragens.
Mas não muita, porque senão...serão recrutados para espiarem casos mais dourados. Entendeu, ou quer que lhe envie um apito pelo correio?, para alertar que na duna nº 37 há um homem à espreita e outro a ser espreitado.

- Qualquer dia temos de mudar de praia, porque nesta não há areia, só há calhaus! – Disse a minha Maria, com a marmita, o tapa-vento, a bola, o disco-voador, numa braçada, ao fim de percorrermos Apúlia de lés a lés na tentativa de acharmos um ninho seguro para as nossas trocas de mimos e danças.

(meia-hora depois, após boa cobrança de beijos, (eu) sem conseguir dar despacho ao “assunto”, pego uma desculpa e digo-lhe:
- Viste, ouviste, Maria? Anda por aí um micador, vamos pegar nas trouxas e vamos-nos embora! Oupa vamo-nos, vamo-nos!

 
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flavio silver
 
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Enviado por Tópico
Carolina
Publicado: 18/07/2008 21:57  Atualizado: 18/07/2008 21:58
Membro de honra
Usuário desde: 04/07/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3422
 Re: el micador de las playas/Flávio
Mirones há muitos...
Pensei que era uma espécie em vias de extinção, mas pelo que me contas e é muito, com provas provadas e tudo, ainda existem esses mafarricos. Lembro-me dos meus tempos de namoro de ouvir os passos, as sombras, sim porque eu tb já estive na mira desses
ditos cujos...
Agora a sério, gostei muito de ler, continuas a escrever primorosamente, parabéns!
beijo, mas cuidado com os mirones



Enviado por Tópico
Tânia Mara Camargo
Publicado: 18/07/2008 22:05  Atualizado: 18/07/2008 22:05
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Usuário desde: 11/09/2007
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Mensagens: 4246
 Re: el micador de las playas
Flávio tu és um detalhista, só lendo teus escritos
para perceber tantas minúcias que acontecem á nossa
volta. Narras bem um domingão de praia, farofa,
e outras coisitas, rsrsrsrsrs.Adorei!
Mas por favor não me envie um apito daí deste lado
do oceano, aqui já está abarrotado deles. Beijos!