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THE BLACK SWAN

 
























THE BLACK SWAN

Vens à cidade
E ela escapa-se-te
Por entre os dedos do último metro
Uma vez mais
O acaso que fere que queres
À deriva por fora da cartilha maternal
Apeado por um metro por um minuto
Por uma fita amarela
Nos braços da Aurora

Vens à cidade
E ninguém te espera
Nem sequer as mamas
Da gaja do lado
Cujas mãos folheiam um livro
Talvez até de Cesariny
Olha, afinal não,
É o “Discurso do Método” de Descartes
A razão a descartar o instinto e a loucura
Mas tu continuas a ser tu próprio
A aguentar o “Barco Bêbado”
As cheias do Douro
Com o ouro nos bolsos, para variar
À deriva por uma diva
À deriva a ferir a dama
Mas, apesar de tudo,
Permaneces íntegro integral
Até pediste um café
Enquanto que as gajas do lado
Se emborracham
Para contrariar o habitual

Vieste com Cesariny, com a liberdade, com o surreal
Mas o bar da poesia ficou alagado
Pelo rio da àgua
Pelo Rio da Câmara
E perdeste a vontade de rir

Sempre odiaste os grupos, os grupelhos organizados,
Os grupecos fechados
Embora até prefiras juntar-te às matilhas de fêmeas
Em detrimento dos machos
Porque são mais selvagens, mais livres,
Mais próximas, mais naturais
E riem loucamente
E acariciam os cabelos loucamente
E fazem-te beber até ao fim
Como o teu amigo Jim
Até ao tasco fechar
Até ao barco se afundar
Na cidade onde nasceste
Onde já foste tudo e nada
“O nada que é tudo”
Rei e mendigo
Actor e espectador
Vítima e carrasco
Vens da noite e amas a noite
Vens do fracasso em busca da luz
Vens do cansaço em busca do Homem
Bebes porque só assim consegues viver
Vives porque só assim consegues beber
Entre mulheres e fantasmas
Entre delírios e gargalhadas
Entre a Pamela Anderson, a Mimi,
A Minka e a baba dos cães
Entre as gajas das revistas
E as putas da rua
Ama-las a todas
Quere-las a todas
Excepto se forem feias
Excepto se forem frias
Excepto se forem vazias
Excepto se forem santas

Mas amas sobretudo a rainha de copas
E as tuas irmãs
Não sabes é, ao certo, quantas são
Algumas nunca as viste
Nem sabes quem são
Vives em Roma, em Atenas
E és completamente doido
Completamente fora
Por isso é que os guardiões do templo e os moralistas
Te querem manter cativo, em hospícios,
Longe da cidade
Porque sabem que tens o dom da palavra
E podes tornar-te perigoso
Sobretudo nos dias e noites em que tens visões
E procuras a tribo

Na infância e na adolescência controlavas-te
E fechavas-te numa espécie de redoma
E tinhas medo de Deus, da moral e de partir os vidros
Mas a tola é a mesma:
Genial? Mágica? Maníaca? Demoníaca? Dionisíaca? Apolínea?-talvez, também.

Vens à cidade- ela pertence-te
Nada tens a temer
É a tua mulher- a dama de espadas
É tua como a lua como a cona
Como a rua do poema
E já perdeste o preconceito a vergonha
E já te apetece perderes-te com as gajas com as bacantes
No meio delas no meio do mar
Mas o amigo chama-te
O velho camarada de outras eras
Do outro que eras
E ainda és

E o camarada arranca a página da “Ilíada”
No meio das patas, dos marinheiros, dos travestis
E a rainha faz anos
O rei está doente
E até parece pecado
Quando te fazem perguntas
Acerca de Timor e da Indonésia
Do Suharto, do Alatas
Do Ximenes, o Belo, e do Horta diplomata
Todos uns bons filhos da puta
Da puta não, que até a amas
Como à Madalena
É aqui que te tomam por culto, por santo,
Porque lês Sade, Nietzsche, Miller
E compras jornais
E todos eles estão em ti
O Cesariny, o Oom e o Lisboa

Putas travestidas de mamas à mostra
Poema contínuo (como Herberto)
Em coma, na cona, em Roma
Vais chegar a casa às 7 da manhã
Como Satã na canção (na tua canção)
E o teu nome é mesmo Liberdade
És o anarquista do Vale
A caminho do Hades será que hás-de
Cair na Graça
Ou em desgraça?

Puto de poema que nunca mais acaba
Puta do poema que me desperta
De qualquer forma, cavaleiro negro,
Não olhes para mim
Não me estendas a mão
Contigo não vou
Não sou teu
Nem por milhões
Nem por euromilhões
Vai, morte,
Que me persegues,
Vai, sorte,
Que me feres

Olha, voltaram a meter conversa
Com os meus versos
Falam-te de Fidel, de Chávez, da América Latina
Tornaste-te um intelectual respeitado
Por estas bandas
Esquerdista convicto
Bombista nas horas vagas
Afinal, os livros até te servem de alguma coisa
E o filme regressa
Sobes, de novo, ao palco,
Armado em estrela
Não consegues fugir à fama, à ilusão maldita
Só no palco te sentes em cima
Amado odiado
Com fantasmas nos cornos, é certo,
Com moinhos e Dulcineias
Narciso incendeias
Mas permaneces em comunhão
Com aqueles que segues com aqueles que amas
Com a estrela que segues sempre
Rubra negra imensa maldita
Que te faz “intensamente livre”
Imensamente livre
Como o cisne, como o poeta
O último dos românticos- como dizem na entrevista
Que nada tem a ver com o caramelo lá de cima
Ou talvez até tenha- já nem sei
Não quero saber

És o poeta, o cisne negro, the black swan,
The end.


Porto, piolho-big ben, nov. 2006

 
Autor
pedroribeiro
 
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