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Histórias de Camacupa e outras paragens da vida (6º Episódio)

 
Adolfo. Adolfo é o nome do meu afilhado. Baptizado na Igreja de Camacupa (General Machado). Terá agora uns 35 ou 36 anos. Ou perdeu-se nas guerras e guerrilhas da sua terra natal. Fatinho branco, camisa e calção com meia de renda. Hummmm… Se fosse hoje! A minha mãe insistiu que fosse eu o padrinho. Onde estarás Adolfo? Teus filhos colhem mangas e goiabas? Correm o capim que eu corri? O pai do Adolfo era alfaiate na casa ao lado da minha. Ser alfaiate era bom negócio porque se compravam peças a metro e se encomendavam as roupas à medida. Bom negócio parecia ser também o da Dª Sara, mãe da Gena, namorada do Beto Maneco, dono do carro donde caiu o meu irmão após a missa de Domingo. Uma loja tipo mestre Armando, em Benavila (para quem conheceu)…se não há é porque a fábrica ardeu ou o viajante morreu. Havia de tudo, até clientes de sobra. Era assim tipo o Maxmat ou o Bricomarché da época, anos 70, mas mais sofisticada. Camacupa já era uma vila como deve ser. Cinema, clubes, quartel do Exército. Um ano até lá foi o Circo Mariano. Muitas vezes quem ficava à noite em casa a tomar conta de mim e do meu irmão, quando os meus pais saiam, era o Zé Luís. O Zé estava a fazer a tropa em Angola. Era da família. Primo. Não que fosse um valentão mas sempre foi um amigo. Da minha casa à escola era um pulinho, e nem precisava de entrar pelo portão, saltava o muro dos fundos, logo acima da minha casa. Às vezes tinha oportunidade de sair com o meu pai. O meu pai trabalhava na extensão rural e saía muito. Lá como cá sempre foi uma das coisas que mais gostei foi sair com o meu pai, ver os campos, ouvi-lo falar com os agricultores. Quilómetros de picadas e pó que me deixavam satisfeito e crescido.O carro de eleição para isso: um Land-Rover cor verde seco, com pó por dentro e por fora, sempre a andar.Tenho umas fotos com o meu irmão à porta de casa num desses jeeps do serviço do meu pai. Não sei bem mas acho que foi num desses jeeps que a minha mão foi uma vez arrancar um dente a uma missão religiosa – Missão do Chilesso, comuna de Chivaulo, município do Andulo, 154 quilómetros a norte da cidade do Kuito, província do Bié. Eu só ia a acompanhar mas acho fiquei doente só de ver sangue. Quem diria! Teria que aprender uns anitos mais tarde. Isso e muito mais. Aprendi também que não posso ver filmes de África, ou filmes de guerra, ou até um simples Rei Leão que vem por aí uma pequena lavagem de saco lacrimal ou até um nó na garganta. Coisas de homem…(continua)

 
Autor
Raul Cordeiro
 
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