Poemas : 

sou um louco que sabe tocar acordeão (1)

 
PRECISO DE UMA MULHER para estar comigo entre as nove e as onze
Alguém com pronúncia pouco pronunciada
Uma espécie de Greta Garbo com Frida Kahlo
Ou Alice Vieira com Natália
A nossa Natália Correia que um dia me levou ao período Futurista!

Tem alguma ideia?
Pode ser uma mulher meia calada que eu pôr-lhe-ei palavras na boca
Uma com cheiro a pinho
Com longas tranças de escamas de peixes
Se tiver tronco de árvore não faz mal
Eu próprio lhe darei forma
As minhas mãos sempre foram invejadas
Basta entender de anéis solares

Preciso de uma mulher para coser meus pensamentos
De preferência da cor do meu telhado
Que é branco em cima de um fundo negro
Aviso já que não é fácil
Só autodidacta consegue!

Achará que eu quero violar essa mulher
Danados!
Malditos!
Tenho poemas por acabar
Tenho o sangue prestes a esgotar
A muralha da China vê-se lá do alto
Outro dia confirmei isso
Sem me levantar da cadeira
Quero essa mulher para guiar minha mão que (in)segura a caneta

Quero essa mulher em trajes que me façam entender uma bandeira!
Quero o sol e a lua na mesma embalagem!
O terror e a lucidez parados numa esquina!
Ou em banhos de espuma!

Entre as nove e as onze ardo em fosfóricas saudades
Um agrafador pisca-me o olho com naturalidade
Uma cópia de Dali denuncia que está vivo
A água da torneira a ir pela bacia abaixo
As luzes das minhas ideias com as mãos na cintura
O som
Os sons
As magníficas correntes do ar
O cesto de papéis achando a vida uma ova
A ferida que eu não curei abrigando répteis
Penso num A e sai-me um O
Ó que terras mal acamadas! Não vedes que eu desabo!

Dirão agora que mereço essa mulher
Coitado deve participar em antologias
Escolher poemas da fase da parvalheira
Jogar flippers e mostrar à garina o quanto vale

Odeio a simplicidade!
Odeio as complicações!
Entre eu o nada não existe intervalo
Sempre escutei Vinícius de Moraes antes de adormecer
É bem melhor que uma velinha acesa num copo de azeite

Os homens morrem
A arte fica
Eu hei-de morrer sem saber o que me resta!
Quem está doente
Doente morrerá
Quem está de saúde
Terá boas amantes

Quero agora essa mulher
Entre as nove e as onze
De preferência entre as nove e as onze da noite
Assim sabe melhor o salmão
Posso traduzir Dostoievski
Embora não percebendo nada de russo
Vou-me embora antes que a tabacaria encerre
São quase nove
Vêm aí nove meninas
Cada uma com nove meninas em cada mão
Qual delas saberá mudar a água aos peixes?
 
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flavio silver
 
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Enviado por Tópico
Carlos Ricardo
Publicado: 18/02/2009 12:14  Atualizado: 18/02/2009 12:14
Colaborador
Usuário desde: 28/12/2007
Localidade: Penafiel
Mensagens: 1801
 Re: sou um louco que sabe tocar acordeão (1)
Escrever assim não é brincadeira.
A impressão de que se pode soltar as palavras e deixá-las dizer coisas inesperadamente sérias, divertidas ou abrir espaços, ambiências, ideias...Faz esquecer que as palavras têm um autor que não as deixou seguir um rumo qualquer.
Muito bom.
Abraço.

Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 18/02/2009 12:21  Atualizado: 18/02/2009 12:22
Membro de honra
Usuário desde: 31/03/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 8102
 Re: sou um louco que sabe tocar acordeão (1)
Olá Flávio, o Carlos Ricardo disse exactamente o que eu queria dizer; só acrescento: mas quem vai ter mão em ti? e tu vais deixar ela coser os pensamentos? melhor descosê-los para que fluam melhor ainda...rsrsrs. Abraço

Enviado por Tópico
Antónia Ruivo
Publicado: 18/02/2009 12:42  Atualizado: 18/02/2009 12:42
Membro de honra
Usuário desde: 08/12/2008
Localidade: Vila Viçosa
Mensagens: 3855
 Re: sou um louco que sabe tocar acordeão (1)
Quem escreve assim precisa de uma tecedeira que lhe vá tecendo com destreza as ideias contidas na mente,excelente poema

Enviado por Tópico
João Marino Delize
Publicado: 18/02/2009 14:24  Atualizado: 18/02/2009 14:24
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Localidade: Maringá-
Mensagens: 1910
 Re: sou um louco que sabe tocar acordeão (1)
Eu gostaria de saber tocar acordeon, piano e órgão, mas acho que me falta esta loucura.
Parabéns pelo poema.

abraços