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Uma crónica a desoras...

 
Por me saberem amante das poesias e entusiasta nestas lides da escrita de trazer por casa, há dias perguntaram-me se ainda não tinha escrito nada a propósito das mudanças ocorridas recentemente no meu local de trabalho. E porquê isto agora? Perguntarão vocês, visto que não é o meu estilo habitual. Pois eu respondo-vos que por serem tão radicais ao ponto de se tornarem ridículas comparando o antes e o depois, confesso que me têm feito bastantes cócegas no pensamento e a minha vontade de o deitar cá para fora, desta vez levou-me a fazê-lo de uma forma diferente, mesmo arriscando num campo onde não me sinto tão à vontade como na prosa poética ou na poesia. Mas mesmo assim, cá vai...
Respondi com um aceno de cabeça num modo de negação, justificando-o com o cansaço e a indiferença que me causava, numa tentativa vã de me enganar a mim mesma.
Mas como poderei eu ser indiferente a algo que incomodou a todos e com o qual ninguém se conforma? Não posso. Estaria a ser hipócrita e mais uma vez, a enganar-me a mim mesma!
Em tempos de crise como esta que vivemos actualmente, bem sei que deveria mesmo era estar sossegada e dar graças a Deus por ter um emprego que me permite sobreviver e sustentar a minha casa. Mas há coisas que são demais e de tão incompreensíveis serem, me deixam abismada e quase sem reacção...
E se vos dissesse que num grande hospital central da nossa capital, que por acaso é onde trabalho, existem situações que revoltam qualquer um que nelas esteja envolvido e as conheça ao pormenor.
Regredimos muitos passos para trás e não o foi no interesse real dos propósitos a que se destina uma unidade hospitalar desta envergadura e que seria, a meu ver e acima de tudo, no interesse dos doentes. Ou será que sou eu e todos os meus colegas que estamos errados?!
Não se admite que tenham construído um laboratório central de análises clínicas, de raíz, sem prever e acautelar determinadas coisas que antes existiam e agora não existem, simplesmente porque ninguém se lembrou delas! Dou um exemplo simples, entre muitos outros, uma coisinha simples mas que tem uma importância enorme tendo em conta que é uma situação definitiva. Um determinado aparelho de contagem de células no hemograma, não tem o esgoto ligado à rede o que obriga a que seja transportado num recipiente bastante pesado ao longo de um corredor comprido, até ao único viduário existente, que por acaso fica na outra ponta do laboratório, para que seja aí despejado manualmente. É inacreditável, pois há mais de 15 anos que não se fazia tal coisa!
Aparelhos muito inferiores aos que se tinham antes e que despachavam as análises da urgência em pouco tempo e que agora demoram muito mais, por serem mais limitados e não permitirem a introdução de um determinado número de sangues (soros) que os outros permitiam além de serem muito mais rápidos e de fazerem diluições automáticas e que estes requerem que sejam manuais. Mas que se há-de fazer? Pois se a firma que ganhou o concurso e que por acaso também pagou as obras, só tem estes... é lamentável. E os doentes esperam horas a fio, os médicos pressionam , os doentes reclamam, os acompanhantes insultam... e quem ouve, quem dá a cara, é quem não tem culpa absolutamente nenhuma.
E pensar que foi inaugurado com tanta pompa e circunstancia, na presença da ministra da saúde e de um sem número de outras individualidades. Foi notícia de televisão, de rádios e jornais ao ser apresentado como o melhor da Europa!
Tinha muito mais que dizer, mas fico-me só por isto...


Escrito de madrugada e muito por culpa da poesia que não me apareceu...


*... vivo na renovação dos sentidos, junto da antiguidade das lembranças, em frente das emoções...»

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cleo
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Enviado por Tópico
Cõllybry
Publicado: 21/02/2009 03:04  Atualizado: 21/02/2009 03:04
Colaborador
Usuário desde: 01/04/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 589
 Re: Uma cónica a desoras...
Como sei bem, como é lá nos Hospitais...Vi eu mesma,

Como vais? espero que bem...

Texto bem real, gostei muito

Beijocas

Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 21/02/2009 08:48  Atualizado: 21/02/2009 08:48
Membro de honra
Usuário desde: 14/05/2008
Localidade: Leiria
Mensagens: 10301
 Re: Uma cónica a desoras...
E assim vai o nosso País, no "faz de conta"
que convém a uns quantos, ( que teimosamente) vão enterrando a cabeça na areia.
Por isso é que ao invés de deixarmos que o desânimo se instale em nós, há que denunciar as situações. mesmo que se corram alguns riscos.
A sua crónica foi corajosa, Cleio e está muito bem escrita.
Um bj
Vóny Ferreira

Enviado por Tópico
Antónia Ruivo
Publicado: 21/02/2009 10:02  Atualizado: 21/02/2009 10:02
Membro de honra
Usuário desde: 08/12/2008
Localidade: Vila Viçosa
Mensagens: 3855
 Re: Uma cónica a desoras...
Temos mesmo que gritar bem alto o que vai mal neste país,acabar com este deixa andar que cada vez nos torna mais indiferentes a tudo e a todos, beijinhos

Enviado por Tópico
vandapaz
Publicado: 21/02/2009 11:41  Atualizado: 21/02/2009 11:41
Membro de honra
Usuário desde: 22/11/2006
Localidade: Lisboa
Mensagens: 576
 Re: Uma cónica a desoras...
é o país que temos....
hoje podes ter dado um passo para que um dia tudo possa mudar, seria bom que todos falassem, falassem, falassem...

quanto à escrita, já disse algures que gosto muito de te ler em prosa

beijo com saudades

Enviado por Tópico
gil de olive
Publicado: 21/02/2009 15:02  Atualizado: 21/02/2009 15:02
Colaborador
Usuário desde: 03/11/2007
Localidade: Campos do Jordão SP BR
Mensagens: 4838
 Re: Uma crónica a desoras...
saio daqui contente por ter lido um texto bem real e de qualidade!

Enviado por Tópico
Carolina
Publicado: 21/02/2009 16:30  Atualizado: 21/02/2009 16:30
Membro de honra
Usuário desde: 04/07/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3422
 Re: Uma crónica a desoras...
Olá Cleo,
Tu conheces e descreves a realidade hospitalar. Minha amiga, na educação passam-se coisas idênticas ou piores, somos pau para toda a colher, enfim...

beijinhos

Enviado por Tópico
juvepp
Publicado: 22/02/2009 19:00  Atualizado: 22/02/2009 19:00
Colaborador
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Localidade: Machico - Madeira
Mensagens: 547
 Re: Uma crónica a desoras...
Há dias assim. O nosso eu social ou profissional de tão dorido não permite qualquer poesia, fuga para a imaginação. Não foi apenas na saúde que o País regrediu. Na educação também. Somos fantoches de um verbo ensinar. O País não quere formação e educação e os jovens, na ignorância do dia de amanhã, até agradecem.
Beijinhos

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/02/2009 01:28  Atualizado: 27/02/2009 01:28
 Re: Uma crónica a desoras...
Hoje deixo este miminho, do nosso Miguel Torga
QANTOS SEREMOS?
Não sei quantos seremos, mas que importa?!
Um só que fosse, e já valia a pena
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!

Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.


E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.

Miguel Torga

Beijo