Crónicas : 

Malhação I

 
“A vida é muito importante para se levar a sério.”
Oscar Wilde


Academia sf. 1. Estabelecimento de ensino superior de ciência ou arte; faculdade, escola. 2. Sociedade ou agremiação de caráter científico, literário, artístico, desportivo, etc. 3. Local onde se reúnem acadêmicos. (Aurélio)
Eu, com toda (minha) propriedade, acrescentaria: 4. Local onde se é iniciado nas diversas modalidades de tortura medieval.
Mas, (sinal dos tempos), quem não está matriculado em um desses locais é “old fashion”, está completamente por fora. Daí, um belo dia resolvi que eu, também, deveria estar “in”. Afinal todo mundo malha!
Matriculei-me na musculação, numa academia próxima da minha casa. De segunda a sexta, às 6 em ponto, estou lá!
No primeiro dia, meu “trainer”, Fábio, foi me apresentando àqueles maravilhosos aparelhos que me deixariam “mens sana in corpore sano”, pronta pra enfrentar, com “dignidade”, o estresse do dia a dia.
Ele sugeriu que eu colocasse os pesos à medida que fosse me achando capaz de suportá-los. Foi uma maravilha! Não sentia nenhuma dor muscular, nada!
Com o passar do tempo e a carga aumentando, fui percebendo que a coisa não era aquele mar de rosas que, a princípio, eu pensava.
Tem uma tal de mesa flexora que é especialmente doída. Dirigia-me a ela sentindo, até na alma, o esforço que ainda estava por vir. Ajustava o pino com a carga que poderia suportar não sem, antes, pensar comigo mesma sobre a maldade do usuário anterior que deixava (eu acho que só pra causar inveja a nós, principiantes) o pino ajustado com várias placas e eu, humildemente, ia lá, reduzia o peso, deitava e começava. No intervalo entre as séries, quase sempre com 15 repetições, um descanso de 30 segundos para recuperar o fôlego. E lá ia eu, o suor escorrendo pelo rosto: 1, 2, 3... pausa... 1, 2, 3... pausa... Nesses momentos deitada e querendo que o mundo me esquecesse, fechava os olhos e me concentrava para a próxima série. Fabinho, invariavelmente percorrendo o salão, orientava e “incentivava”: “E aí, Macieira, vai um travesseirinho,... talvez um suquinho,... quem sabe um jornal para passar o tempo mais depressa?... Vamos lá, vamos lá!” Eu reunia as forças e recomeçava.
O tríceps pulley é para trabalhar o músculo do adeus. Sabe aquele músculo que fica na parte interna do braço e que, quando a gente levanta mais alto para dar um tchauzinho, parece que todas as células resolvem se movimentar cada uma numa direção? Pois é... é esse mesmo! Fixo os olhos nos pesos à minha frente, mentalizo para que eles fiquem mais leves ou pareçam mais leves e... 1, 2, 3... pausa... 1, 2, 3... pausa... (4 séries de 15 repetições). Os pesos não têm a menor consideração. Parecem grudados um no outro e eu lá, lutando para levantá-los.
Depois vem a cadeira adutora e abdutora. Depois de semanas eu ainda não conseguia descobrir em qual delas deveria fazer o exercício anotado em minha ficha. Agora, quando me atrapalho, geralmente às segundas, escolho uma e alterno durante a semana (não deixa de ser uma boa saída, convenhamos!).
Às vezes, quando estou sentada, recuperando o fôlego, fico observando. Tem uma garota, “vitrine da academia”, resultado de longo tempo de malhação, que senta naquela cadeira, ajusta o pino para um esforço, que me parece digno de Hércules, e, sem piscar, faz toda a série. (Acho que ela faz de propósito só pra me irritar, face à minha incompetência em realizar tal façanha).
O leg press lembra o filme de Chaplin, quando ele, deitado, brinca com o globo terrestre, equilibrando-o nos pés. No hach machine, o malhador parece aquele deus mitológico sustentando o mundo nos ombros (a gente tem a mesma sensação). Gosto das abdominais. Só não gosto daquele colchãozinho que, parece, foi feito para anões, tão curtinho que é.
Mas nem tudo é tão negro: posso sempre contar com o “incentivo” de Fabinho: “...vamos lá, Macieira, parou por quê?” (estou naqueles 30 segundos de descanso)... ou ...”você não acha que isso aí tá muito leve?” (isso aí é o máximo que permitem minhas já reduzidas forças) ... ou, ainda... “mais para cima, mais para cima!” (quando o peso teima em voltar para o chão e lá continuar). Acho que esses aparelhos têm imã para testar nossa teimosia!.
Ah!... estava me esquecendo do tríceps testa: esse é um perigo! Em decúbito dorsal (viram como já estou familiarizada com os termos técnicos?), com os braços levantados, flexiona-se os cotovelos e leva-se o peso até a altura da testa. Já imaginaram se a distância é mal calculada e o peso, além do ideal, cai direto na sua testa? Olha o desastre aí! E, por falar nisso, deveria haver uma lei para que toda academia tivesse uma ambulância a postos para os calouros mais ousados, vítimas em potencial destes “acidentes de percurso”.
Mas, tem as compensações também. Às vezes, tem uma novata por perto e eu, com minha “vasta experiência”, ares de veterana, lá no “puxa”, “empurra”, “levanta”, “abaixa”, sendo observada. Eu me “sinto”...! Faz um bem danado pro ego! Acho que, enquanto tiver novatas, eu não desisto das minhas suadas manhãs.


Amo plantas e bichos e, principalmente, amo gente
Arlene
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Arlene
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