Poemas : 

Eugénio de Andrade - Poema à Mãe

 
 

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No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.


Boa noite. Eu vou com as aves.

 
Autor
borgesaraujo
 
Texto
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 25/05/2009 12:22  Atualizado: 25/05/2009 12:22
 Re: Eugénio de Andrade - Poema à Mãe
É com este poema que fico às portas do céu.

O melhor...


Enviado por Tópico
Henricabilio
Publicado: 29/05/2009 07:56  Atualizado: 29/05/2009 07:56
Colaborador
Usuário desde: 02/04/2009
Localidade: Caldas da Rainha - Portugal
Mensagens: 6963
 Re: Eugénio de Andrade - Poema à Mãe
Com um tal poema eu diria: "Eu voo com as aves"! Nunca é demais reler a boa poesia. Um abraçooo para Braga! Abílio