Contos -> Policiais : 

Anda alguêm a desacertar o relógio do mundo ou foi encontrada uma mulher morta com semen nos olhos

 
Anda alguém a desacertar o relógio do mundo ou foi encontrada uma mulher morta com sémen nos olhos – I Estou na rua das lágrimas com chuva; subo a montanha e do cimo de uma nuvem vejo um pássaro. Acredito que ele é Deus, criador do horizonte e do céu que se vislumbra dos olhos dos poetas vagabundos.Cai do ventre para a cidade, Lisboa abriu-me os olhos; tenho a cidade e o rio, tenho as palavras como sangue, a cair do corpo dos livros, para o silêncio das ruas. Conto-te que a poesia se atravessou qual um barco no mar do destino. Tu não acreditas no destino; olhas o branco de um muro e vês apenas linhas e agarras nelas como se faz com os gestos, assim uma outra forma de natureza. A natureza é a mãe de todas as danças, fala ela todas as línguas e tu tens o segredo de fazer mexer todos os órgãos da vida. A terra, o fogo, o elemento solidão, elemento corrosivo das paixões que faz crescer noutra direcção o nosso primeiro fôlego de existência, o princípio da nossa história. Todos temos dentro de nós um oceano, todos possuímos um peixe colorido. Em nós flutua a cal, o cimento, o barro vermelho e o ferro que levanta os guerreiros enfraquecidos. Na cidade havia um rapaz que dormia na gruta dos comboios, olhava o céu e desenhava como um Deus criança o azul seda que cobre os anjos da cidade pobre. Muito tempo a olhar as pedras, a sentir os automóveis velozes e a mão do vento a fechar os olhos dos velhos moribundos. O rapaz que desenha como uma criança é oriundo de uma ilha, todos somos uma ilha, a nossa ilha é o medo dentro de nós e tantas coisas que nem sempre são laminas ou cinzas que ardem nos olhos com lágrimas. Tu perguntas se tenho um sentido, se existe a luz e se a escuridão é aquele princípio que faz adormecer. A semente que brota da terra não tem respostas para te dar. A terra está nua, tu não reconheces a nudez dela, não é apetecível como a das mulheres. É necessário transformar o barro vermelho na forma curva das palavras, é importante regressar á energia que dá fogo ao coração e talento aos operários que transformam a força, naquela vontade, que nos protege a nós cidadãos comuns de certos rituais de sangue. É esse sangue que o artífice usa para expressar na pedra e no ferro e noutras matérias orgânicas o motivo de ser da ciência e da política, a razão de haver frutos nas árvores e espíritos vestindo os corpos e haver ódios e paixões ricos e pobres e toda a classe de criaturas que o cinema produziu tão frias e verdadeiras como a morte.

A eternidade é o momento que o criador dos céus e da terra transformou no jogo da sua solidão pessoal. Como pode ser possível o criador guardar a solidão das suas criaturas nos cinco dedos da sua mão humana?! O realista conhecido nesta rua como o mais convicto dos materialistas não acredita na eternidade. Ás mesas serve-se o pão duro e o vinho azedo; assim é a guerra; uma terra vermelha e um céu azul de fazer cair os olhos no filme trémulo da paisagem. O realista não acredita que haja um espírito a mexer as águas, nem crê num criador capaz de fazer fenómenos. No fim desta rua há um polícia gordo que guarda as portas do céu. Por guardar a rua, não pode estar ás portas do céu. Entre as portas do céu e as portas da morte fica uma lavandaria, própria para a lavagem das palavras sujas. O realista o que defende a teoria da não existência de Deus pergunta a todas as criaturas presentes na assembleia se alguém viu olhos nos olhos o ultimo silêncio das criaturas? Ninguém ou quase ninguém, soube responder; houve um rapaz surdo-mudo que na linguagem gestual contou que quem criou o mundo o fez fugindo á palavra, tinha que optar entre o poder da criação e o desgaste da linguagem. Como nesta rua existem crentes em Deus, ouvimos que ele fez os montes e os vales, os vales pareciam sinais de pontuação costumava dizer o senhor João professor de português crente em Deus. A Rosalinda conhecida por gorda e apelidada também por “serviços secretos” diz que a gramática é assunto do diabo. Ela diz existir a gramática das tentações. São seis da tarde hora de ponta, o rapaz negro pinta de vários tons a gruta dos comboios, ele tem o estilo inconfundível das crianças e não é por fazer deste modo que tem de aguentar o desprezo de um qualquer natureza morta, esses que passam arrogantes, sem cheiro de imaginação! Merecem eles o gozo de seus cães e de seus gatos e das pulgas que pulam no colchão dos enfermos. Enquanto as pulgas saltam, o avião cai a pique no meio do urinol, não sei se isto vem descrito no livro de fiados ou no manifesto surrealista publicado na cidade de Paris em 1924.Ando a passear no jardim público, por lá há uma estátua que guarda todas as dores, todos os velhos mendigos urinam seus litros de vinho e cerveja e num repuxo acertam na boca aberta do ilustre. A estátua que guarda todas as dores, lembra-me a minha velha máquina fotográfica capaz de esconder a idade dos homens e revelar as rugas na pele dos dinossauros. O realista, homem da ciência e do cálculo pensa que o calor do ouro pode mudar a natureza e deturpar a verdade exacta das coisas. Não é garantido que o ministério da poesia e dos malabarismos tenha sido inaugurado. O carteiro entregou os convites na residência oficial do Dr. Jorge enjaulado nos seus deveres de presidente da selva pátria. O presidente espreitou da janela e condecorou o pára-quedista com a grande lágrima do crocodilo cobarde. O realista diz que o crocodilo cobarde não existe, opinião diferente tem o algibeira descosida o alfaiate desta rua e guardador de rebanhos quando criança. Discutiram eles sobre o crocodilo cobarde e foram dar á criação do universo e no meio veio á recordação aquele garoto tão cheio de sol que desejara com muita força ter uma nuvem para levar na mão no caminho da escola. Na sua inocente distracção foi apanhado pelas rodas de um carro de bois e morreu. Enquanto eles discutiam e no meio metiam os carros de bois com as nuvens e a morte de um rapaz cheio de sol o mundo fazia as suas armadilhas. Esta expressão escutei-a de um jovem Marroquino a quem as musas lhe haviam dado o poder de negociar com o profeta a venda de alcatifas para a decoração do paraíso. Penso eu que as alcatifas levantam pó e com o bater das asas dos pássaros muitos problemas respiratórios podem acontecer. O realista a propósito do bater de asas que levantam pó lembra a vinda do rei envolto numa cápsula de nevoeiro.


Parecia ficção cientifica comentava ele. O rapaz que desenhava como as crianças, que injectava nas veias a morte, essa que parece ter um sorriso feliz, sabia que o criador tanto existe na folha de um papiro, como no interior de uma velha lagarta de guerra. Exista ele ou não ficamos agradecidos á terra por nos dar uma certa dose de luz e uma certa dose de escuridão, essa escuridão íntima desenhada em lençóis de linho. Aqueles que dormem no frio das pedras, que nos últimos dias bebem o caldo de galinha no hospital público não conseguem chorar, nem sorrir, nem sabem explicar as dores que tem. O realista andou a circular pelo mundo, viu os gordos do império e os magros que a ele se submetem. A moral e a Ética não existem, existe o corredor da morte, uma grande nação terrorista e uma grande besta a trabalhar nos jornais, nas televisões, nas rádios... esta nação é uma ideia vazia. Mas o melhor é pegar uma flor, ela não é uma ideia vazia, ela cheira o perfume dos homens. Na gruta dos comboios anda um temporal, é uma peste que já dura á vários dias, alguém se vai lembrar de que há uma intenção terrorista no criador das coisas ou na natureza. Seja o criador das coisas ou seja lá quem for parece que anda por ai uma coisa que faz desacertar os relógios do mundo. Que absurdo comparar o criador a um fabricante de relógios. Este comentário foi proferido por um pastor evangélico que anunciava a salvação como se Deus tivesse andado pelo mundo a apregoar detergentes Como se chama. - Pastor Lucas De onde é? - Estados unidos Já adivinhava que havia em si algo estranho! - Estranho?! Um misto de comédia com náusea. O pastor faz um sorriso e sai caminhando na direcção da sua igreja. Cai a noite, oiço o tilintar das moedas, há uma percussão de misérias a bater na saia da cigana romena e no chapéu do velho que toca saxofone. O velho que padece de reumático antes de ser músico da rua era professor numa escola do interior Esta praga já cá anda desde que era professor – Anda por aí um veneno. Diz o caixeiro-viajante E que coisa é essa? Pergunta o sem pernas, o cauteleiro que costuma circular naquela rua Obesidade mórbida. - Pode ser coisa do diabo. Sugere o pastor Continuo na Minha, você é um gajo estranho, o diabo a causa da obesidade, o inferno deve ser pegajoso como mousse de chocolate. Ironiza o realista.
Entretanto no gabinete do presidente toca o telefone Aqui a brigada xl – Do que é que trata? - Bombas e assalto á mão armada Deve ser engano! - Nós nunca nos enganamos, a brigada xl é mais perfeita que uma linha recta Mas eu sou o presidente Serve, um tiro certeiro e temos um presidente em linha recta Vou desligar. - Tome os comprimidos para o coração Todos os presidentes que estão nos nossos ficheiros sofrem desse mal.
Durante a madrugada dois homens de espingarda ao ombro andam de um lado para o outro. Perto da janela há um homem amarrado a uma cadeira. Aproxima-se dele um dos homens Quer um cigarro? - Não fumo Não te queres contaminar! Sabes que se eu te der um tiro ficas contaminado para todo o sempre?! - Amem diz o outro homem. A seguir dá-lhe um pontapé na boca. - Estás a ver o gajo?! - Dá-lhe um tiro Posso? O outro carrega no gatilho Deixa-me contar quantos buracos lhe fizeste no corpo? - Achas que consegue lá poisar uma borboleta Talvez.

Chega um certo momento e a noticia entra no corpo, assim pão de jornal na barriga do mundo. Ouviu-se da boca do agoiro que naquela rua se tinha praticado um crime. A vítima era uma mulher de feições gregas. Fora ela violada com tanta brutalidade que o sol acordava em dores de nunca mais desejar nascer. No mesmo dia outra mulher olhava as nuvens... que terrível crime! Mas aquilo que acontece quando o gume da ignorância está afiado é uma perdição aos caminhos da natureza. O pastor evangélico apontou o dedo na direcção dos órgãos genitais dos membros da sua igreja, enquanto ele aponta o dedo os fiéis são atingidos por uma culpa no meio das pernas. Digo-vos eu que o corpo na sua essência não tem pecado a não ser a mentira que lhe deitam. A noite está um forno, a mulher olha as nuvens e vai folheando as folhas do livro guardadas há muito nas gavetas do pensamento secreto. A mulher que foi violada, a que tinha as feições gregas, alem de ter a pele queimada, havia vestígios de sémen nos olhos. A frio ainda se fala do crime, uns e outros num jogo de adivinhar um culpado elaboram suas investigações, o velho do saxofone atribui á causa do crime uma desafinação hormonal. A tal desafinação hormonal é uma bomba filha de uma grande puta. Afinal quem matou a mulher? Tudo tem de ficar registado: a quantidade de álcool no sangue, o sexo, a idade, se era velho, se novo, se tomava café com açúcar ou se costumava pôr sacarina?! O inspector que está a tomar conta deste caso é um tipo forte que quando anda arrasta os pés, tem um sotaque nórdico e um modo afável. Agora anda interrogando os moradores daquela rua, a dona Alzira a mulher da fruta não sabendo nada dá ares de saber tudo. - Cá para mim o culpado é o Garcia da novela mexicana. Insistia ela. Como já foi escrito nas páginas anteriores o movimento surrealista foi inaugurado em 1924 na cidade de Paris. Neste momento o relógio da torre marca as 11, num dos muitos exames efectuados ao corpo da vítima sabe-se que o autor do crime se deitou sobre ela assim uma vírgula no corpo da palavra. As autoridades pensam que há mão surrealista por detrás do crime e embora não havendo culpa formada foram detidos os seguintes suspeitos: O poeta Alexandre que na hora de ser detido exaltava as qualidades do cherne peixe incluído na dieta dos pedreiros e outros conhecidos trolhas, tem ele, este poema traduzido em ucraniano, croata e checo. O Sem Pernas, cauteleiro de profissão é no entender do Ministério Público um disfarçado surrealista por conseguir jogar futebol e ter uma capacidade de corrida que ultrapassa a velocidade do pensamento. António Magia professor de música apanhado com a boca no meio das pernas de uma clave de sol. Foram pois presentes a tribunal os três surrealistas, assim chamados também por andarem a surrar sobrevivências. Estes três que por terem um aspecto de Deus nosso senhor Jesus Cristo formato calendário das barbearias, aos olhos do povo tinham que levar o selo de criminosos violadores. O autor desta história sabe quem foi o homem que matou a mulher que foi encontrada com sémen nos olhos. Antes há que explicar porque é que o criador resolveu contratar um polícia gordo para guardar as portas do céu, escutemos o seguinte diálogo Pedro tens que fazer alguma coisa! - Fazer alguma coisa senhor, veja a minha idade não posso sair, o frio ia me fazer mal aos ossos Olha por uns tempos alguém vai ocupar o teu lugar e tu vai pescar, olha vai pescar bacalhau. Pedro foi pescar e Deus contratou temporariamente um polícia gordo para guardar as portas do céu. Avançando na história o verdadeiro assassino era o policia gordo que com o espírito das duas narinas guardava as portas do além e fazia descer ao mesmo tempo o corpo á terra onde se saciava de sangue e luxúria. Gostaríamos de saber o que é que teria passado pela cabeça do Criador ao contratar um polícia gordo, recrutado numa das mais baratas empresas de segurança. É verdade que um polícia merece a confiança do povo e se o Criador o escolheu de olhos fechados mesmo sofrendo de miopia na mão direita é porque sabia o que estava a fazer. Descendo à terra na rua das lágrimas com chuva o realista tem uma nova teoria sobre a crença em Deus: acreditam em Deus todos os pobres que admitindo todas as pobrezas não conseguem aceitar a pior de todas, a solidão. Quando são apanhados em flagrante nostalgia atiram-nos á cara que Deus está sempre com eles. O algibeira descosida o místico da rua disse assim: - Deus está sempre comigo, está quando estou com a mulher e lhe faço filhos e com os filhos quando atiram as minhas dúvidas ao tapete. Enquanto aqui na rua o realista e o algibeira descosida defendem teorias diferentes sobre a existência ou não de Deus o criador que tudo vê e que tudo sabe mas que para cúmulo dos cúmulos não sabe aquilo que se passa na sua casa que é o céu lugar alugado aos anjos e aos pássaros em turismo. Se não sabe o que se passa na sua casa, não deve estar informado que tem uma nova inquilina, a mulher morta com sémen nos olhos. Ora acontece que o polícia gordo esse que durante uns meses de eternidade guardou as portas do céu até ao regresso de Pedro o pescador, ele que tinha a chave dos enigmas e fazia acender a luz dos astros, resolveu o polícia confessar o crime que havia praticado. Estava ele vestido de corpo invisível quando entrou na casa de banho de um café e trocou a vestimenta invisível por uma roupa olhos de ver. Atravessava ele na passadeira quando reconheceu pelo andar o inspector que arrastava os pés. Logo ali se ajoelhou segurando as calças do inspector, este perguntou se ele tinha a tensão baixa? O outro respondeu que era um criminoso e que tinha violado uma mulher e toda aquela confissão saia a jorros. O inspector olha o homem ajoelhado a seus pés, tem uma expressão de cão danado, a seguir tira do bolso do casaco uma pistola e aponta aos olhos. Grande escuridão! Parece que desligou o interruptor da existência. Foi tudo tão rápido, de um clique a luz do nascimento, depois outro e vem a escuridão da morte. Tu sopraste nas narinas do teu amante, o paraíso está quando tens o amor e quando não o tens armas o teu negócio, um bilhete de ida e volta por essa estrada dentro. O paraíso és tu. Quem te pode expulsar?! Só o engano te atira para fora do teu lugar conquistado.

Estás dividido em dois meridianos um deles é um deixar ir, uma sensação de não se saber, de não se pensar o sentido de isto tudo acontecer. A tua amante estava nua, um navio chegou para resgatar a sombra do corpo dela ao calor da praia. Tu tens os olhos abertos, o polícia gordo está completamente cego, pensamos que não irá cometer mais crimes, também não é por isso que vão acabar, nem as declarações de amor, nem o cheiro a suor que vai ficando nas salas de espera. Olhando mais de perto vem uma voz. Não são precisos olhos para matar, pode ainda usar as mãos. Que Deus criador use a sua misericórdia, que lhe dê a duplicar a cegueira aos olhos e ao pensamento. Mas isso não são os planos dele, a cegueira dos olhos e do pensamento coisa que nunca resolveu o problema das guerras e das doenças. É preciso uma justiça, um chão de pedras outro de folhas para amortecer. Seja o criador, sejam os desígnios da natureza que não se deixe em perdição o que pode ter a luz de volta.
A dona Alzira a mulher da fruta perguntava numa carta se sémen fazia bem aos olhos? A cenoura, sabia ela que fazia bem, agora que sémen fizesse bem aos olhos! Que fizesse bem à vida, que fosse o liquido fertilizante que faz nascer os reis e os plebeus, os amos e os escravos, os homens perfeitos e os pretéritos imperfeitos instalados nas suas cadeiras giratórias, nas suas bengalas, nas suas apagadas memórias. Ejaculam eles nos lábios de suas amantes e a mulher da fruta pergunta se costuma nevar no céu-da-boca? A directora da revista a propósito dos homens que ejaculam flocos de neve sobre o céu-da-boca responde num suspiro idiota que é possível que o concílio Vaticano segundo faça referencia ao assunto. A dona Alzira e os outros moradores da rua, principalmente aqueles que acreditam numa vida para alem desta, gostariam de saber que rumo seguiu a mulher encontrada morta com sémen nos olhos? Sabemos que ainda tinha aquele líquido nos olhos quando fez a troca de corpos. Desconhecia ela o aspecto que tinha no momento em que deixou o corpo físico, para onde ia não eram permitidos espelhos, registos fotográficos, nem qualquer outro tipo de gravação. A mulher não sabia que requisitos eram precisos para se apresentar! Ela tinha pratica a dactilografar, trabalhara em parti-me numa loja de perfumes, usava meias de vidro e uma minissaia que subia e descia consoante o pensamento de quem olhasse. Os alunos do professor João analisavam o parágrafo desta existência e para eles sémen nos olhos era uma figura de estilo, uma figura de estilo era a do polícia gordo a vaguear pelos quartos, a fazer subir a febre ao corpo. O polícia gordo ia ser enviado para um lugar que ainda não tinha nome, que ainda não era lugar nem existência.

Andamos no nosso passeio, olho dentro dos teus olhos, no vazio deles tenho a sensação que começa a aventura do mundo. Olho dentro dos olhos e parece que vou dentro das casas. Tu és esta incerteza! Depois entrelaço as minhas mãos nos dedos escondidos da rua. Vamos tentar uma fuga, temos de escapar a esta rotina, aos teus pés estendo a estrada, ainda esta tudo como antes, ou quase... voltou à rua a musica do velho António e o pregão do sem pernas o cauteleiro está mais rouco. Olho-te apetece-me outra liberdade, nós ainda continuamos pobres, de uma pobreza que nos mostra como é grande o coração. E nós abrimos os livros e eles são pérolas. Tu gostavas de um pouco de poesia. O realista olha e aponta o dedo como se apontasse uma incerteza. A poesia não paga as contas, não põe gasolina nos automóveis. E logo vem de dentro de mim um poder que eu não sei de onde vem. Olhe! A poesia deixa-me chorar, não quero toda esta matéria, o pó que toda esta aparência levanta. A riqueza deles é uma máscara, ela cai e não há nada que ver, não há rios, nem flores, nem bichos a rastejar. A riqueza deles é uma vida gasta, nós andamos descalços, ricos na nossa liberdade, eles caminham num sapato apertado, andam naquela limitação de um horário, do dever conjugal e dos filhos que embalamos para esquecermos toda a frustração. De Lobo Está um dia mais frio do que habitualmente, a gorda apelidada aqui na rua de serviços secretos espalhou que o inspector andava doente, parece que os médicos tinham diagnosticado um tumor. Alzira deixou cair uma lágrima, o maldito Garcia da novela mexicana é que devia ficar podre; Alzira tinha simpatia pelo inspector, ainda mais por ele ter elogiado a sua receita secreta de bacalhau. Deus criador não fazia ideia que um dia viesse á sua presença um inspector da judiciária. Não sabemos nós a religião dele, nem nada sobre a sua vida pessoal, sabemos que nasceu num País frio, que gostava de bacalhau e por gostar muito de bacalhau, um dia depois de muita eternidade pediu permissão para vestir o fato dos sabores descer á terra e visitar a mulher da fruta. Alzira desejava também ter um encontro com ele, uma vizinha dizia ter comprado uma antena receptora de espíritos coisa que ela podia encontrar na loja asiática. Antes da descida do inspector á terra deram-lhe um holograma formato bacalhau com batatas. O realista sobre este assunto disse que se tratava de uma farsa, não cabia na cabeça de ninguém essa teoria de por os mortos a comer bacalhau com batatas, ele desafiava qualquer um a provar o contrário. Como as mulheres tem o dom de levar o argumento dos homens á água do seu moinho, Deus o criador fez-se mulher e convidou o realista a sentar-se perante as câmaras de televisão e discutirem sobre o assunto. O realista não tomava atenção aos argumentos da dama, passou todo o tempo a olhar-lhe as pernas e acabou por ficar sem resposta. Tinha sido ludibriado por Deus na forma de uma bela mulher. Entre as três da manhã e as quatro da tarde deu-se o encontro entre o inspector e a mulher da fruta Está um lindo dia. - Vai chover. - É a vida – Bacalhau com batatas Era o meu prato preferido. - Quando comias o meu bacalhau com batatas, babavas-te todo Não ficava bem um espirito aparecer todo babado. - Queres provar um pouco A que horas vêm o teu marido. - O meu marido hoje não vem Achas que sou bonita? - Pareces uma maçã rosada. De repente Deus o criador resolveu desligar este momento, dera-lhe o holograma do bacalhau com batatas, não um CD-ROM de sexo virtual. Enquanto tudo isto se passava chegou á rua das lágrimas com chuva um estrangeiro. O realista e o alfaiate, a algibeira descosida não falando a língua dele metiam-lhe aos lábios o bom vinho de receber e o bom pão de fazer ficar e ainda o discurso: tu falas a tua língua, mas quando provas o nosso bagaço, a nossa comida, quando metes a paisagem na veia dos olhos, nós percebemos que tu não és de outro planeta, as tuas dúvidas são as nossas certezas. Faço agora um parênteses para evocar a memória do senhor inspector, não sendo eu católico mas acreditando piamente na virgem do azeite sugiro que encomendemos uma missa do terceiro dia em virtude do pouco dinheiro, pois esta vida de poeta dá para uns cigarros e para uns comprimidos para a bronquite. A algibeira descosida e o velho musica estavam de acordo em fazer aquela homenagem. O realista embora não fosse crente não se importava em fazer a festa. Acabado o discurso todos bateram palmas e o estrangeiro que não tinha percebido nada dizia que sim com a cabeça e até deu uma nota de dólar para ajudar á missa do terceiro dia.

Ainda é muito cedo para que te lances. Vais-te estatelar no chão das duvidas, tu nascida nesta rua, baptizada com o aroma da fruta, sabes que encostando o ouvido á terra se ouve o taxímetro do táxi destino. Não penses que é só levantar a mão e de um modo decidido e até um pouco arrogante, dizer simplesmente, leve-me ao céu! Tu sabes que aqui aconteceu um crime, disseram-te que foi um polícia gordo e tu fizeste não sei quantas dietas com receio de que te achassem parecida ao tal polícia gordo. Estás a ficar um pouco perturbada, o que te tem ajudado é o tempo que passas na gruta dos comboios à conversa com o rapaz negro. Aquela não é uma vida que se gasta. Tu olhas na direcção do céu, parece que estás a olhar um pensamento muito longe. A mulher com sémen nos olhos pensa que deveria ter-se tratado com um psicanalista antes de subir aos céus, ficar uns tempos no purgatório das seduções. O inspector inclinando sobre ela o seu olhar paternal, desvendou num sorriso aberto todos os crimes. Serias tu capaz de desvendar os crimes praticados em nome do amor, o amor que se trava corpo a corpo, tal uma guerra que é a conquista de um território e que no amor é uma luta do nosso corpo pela conquista do corpo do outro. Enquanto dissertamos sobre o amor e sobre a guerra a mulher que tem sémen nos olhos está a massajar os pés do criador, quando Pedro regressar da pesca é quase certo que as massagens lhe vão fazer bem aos ossos. Quando Pedro já se encontrava no céu, ocupando de novo as funções de guardador, ele e o inspector passavam as tardes a conversar sobre a descida do dólar e as mil maneiras de cozinhar bacalhau. Havia o bacalhau grelhado no inferno, o bacalhau protestante e uma receita francesa que a mulher com sémen nos olhos conhecia. A dada altura um anjo da legião dos espertos disse que o que mais apreciava no bacalhau eram as asas. Nesse dia o céu estremeceu de riso. De Lobo O poeta Alexandre resolveu falar com um padre, saber se era possível a missa do terceiro dia. O padre disse que a igreja de Deus não era uma barraca das farturas. O poeta Alexandre olhou-o com espanto e começou a desbobinar umas verdades, que o Vaticano andava cheio de ouro, que o papa andava a viajar e que ainda recebia um subsídio por cada milagre inventado, que a igreja católica é um negócio como fazer armas ou produzir droga, que as crianças passam fome e que Deus contrata criminosos para guardar o céu, não falando dos seus representantes, cambada de padrecos a sexuados que nem para rezar missa do terceiro dia são capazes. O padre disse que ia ver o que é que se podia fazer e que ele não era um padre como os outros e que se o criador tinha escolhido um polícia gordo não era assunto para ser questionado, ele devia ter as suas razões. O padre quis saber se o poeta Alexandre e os amigos sabiam o pai-nosso, o poeta Alexandre disse que cada um sabia do seu próprio pai e o padre disse que com o pai-nosso mais o IVA ficava coisa menos coisa, 250 euros. A missa do terceiro dia lá se realizou na gruta dos comboios. Passadas umas semanas, o padre que tinha feito a celebração, escreveu uma carta ao cardeal pedindo renúncia dos votos que tinha feito. O padre que agora era ervanário foi viver para uma aldeia atrás do sol-posto. Quando Pedro o pescador e guardador das portas do céu e possuidor da chave dos enigmas piorava dos ossos, Deus enviava á terra um dos seus, esse ser vestido com o holograma da pobreza franciscana, rogava por umas gotas de remédio para as dores dos ossos. Durante muitos anos o padre que não era padre mas um curandeiro que curava os males das pessoas e dos bichos recebeu numa manhã de chuva a visita de uma pobre que andava por aqueles sítios a guardar as cabras e que dizia que lhe tinha aparecido a nossa senhora dos azeites Que te disse ela? - Falou do pecado da gordura meu senhor E que pecado é esse? - Comer com as mãos engorduradas e conceber os filhos cheirando a gordura durante o acto Que idade tens? - 12 Anos Tu entendes-te as palavras da senhora? - Fiquei um pouco confusa, quando o meu irmão mais novo nasceu, o meu pai cheirava a óleo, será que o meu irmão tem no corpo o pecado da carne com gordura. No momento em que esta parte da história decorre tu estás no teu trabalho domestico, enquanto passas a ferro olhas-me a dormir, estou a dormir profundamente, sonho que a virgem dos azeites me aparece, ela mostra-me o policia gordo, agora está mais magro, trabalha agora numa taberna, continua a dizer indecências e a dar arrotos. Tu olhas os meus olhos a abrir. - Dormiste bem Sonhei coisas estranhas Coisas estranhas?! - Apareceu-me a virgem do azeite e um polícia gordo que no meu sonho era quem tinha cometido o crime ocorrido na rua à coisa de um mês. - O tal crime anda a dar a volta à cabeça das pessoas da rua e desde a morte do inspector que as coisas andam piores Coitado! Morrer assim… – Achas que vai aparecer outro investigador Não sei. Depois levantei-me fiz a barba e fui comprar fruta. A dona Alzira perguntou se eu tinha ido à missa do terceiro dia? Disse-lhe que tinha ficado em casa. Ela perguntou-me se eu acreditava em almas do outro mundo? Na verdade acredito em almas do outro mundo e de outras freguesias, acredito em tudo disse eu. Ela com a sesta da fruta misturada com a sesta das novidades, contou que a igreja tinha um padre novo, parece que vai ser a perdição das mulheres, o homem é bonito, muitas vão ficar no confessionário arranjando pecados a toda a hora. Eu despedi-me e segui para casa para preparar o pequeno-almoço. Tu já tinhas passado a roupa a ferro e agora estavas concentrada no romance policial cuja leitura tinhas interrompido. Na nossa rua tudo estava calmo, parece que também no céu nada acontecia de novo, a não ser o inspector pegar num lenço branco e limpar os olhos da mulher que tinha sémen neles Senhora, quero dizer... menina, gostava de lhe fazer uma pergunta, quando estive na terra andei a investigar, a tentar descobrir o autor do crime cometido contra si, infelizmente não consegui descobrir, se não é incomodo revelar-me uma pista. – Foi um policia gordo disse ela prontamente Sabe que cheguei a pensar que um tal Garcia podia ser o verdadeiro criminoso. Agradeço-lhe por ter dissipado esta dúvida da minha cabeça. Se me dá licença vou-me retirar. O inspector fez uma vénia e retirou-se em direcção aos seus aposentos. Instalado nos seus aposentos, acendeu o cachimbo e pôs-se a contemplar um carreiro de nuvens. Recordava os dias na terra, as pessoas que pareciam um carreiro de nuvens pesadas, acotovelando-se umas ás outras. O inspector de quando em quando deixava sair uma tosse seca, o criador na sua infinita compreensão embora muitos pensem que nas suas longas barbas esconde algo parecido ao código penal, aconselhava-o a reduzir o tabaco, a seguir chamou a mulher e pediu que lhe lê-se as notícias boas da terra, o que era um pouco difícil, a terra estava aumentada de guerras, de comida intragável e outros lixos que nem a reciclagem era capaz de resolver. Lobo 04

 
Autor
poetavoador
 
Texto
Data
Leituras
1996
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.