Contos : 

Vil metal

 
Segura ela, segura ela!

Talita rebatia-se no chão babando.

Geraldo olhava para a televisão. Calor da porra, pensava. Calor da porra! Que calor, puta merda! Que calor! Merda de cidade dos inferno!

Segura ela, segura ela!

Geraldo, estacado no sofá, olhava para Maria que agarrava a filha e ao mesmo tempo pedia a Deus para ajudá-la.

Filho duma égua! A filha é sua também, filho duma égua!, Maria berrava.

É o caralho! Pau no cu, sua vagabunda! Acha que eu ia botar filho em barriga de puta? Essa aí já tava no teu bucho há muito tempo!

Geraldo levantou-se enxugando o suor da testa com as costas da mão, depois olhou para Talita e disse: tá tremendo assim, babando, puxando a roupa porque falta pra ela um pinto no cu! Um pinto bem no meio do cu!

Talita debatia-se, Maria rezava, Geraldo ia de encontro à rua.

***

Valdo estava parado num posto de Gasolina. Era a primeira vez que transportava uma carga para Manaus. Lugar quente pra caralho, ele pensava, enquanto sentava-se numa mesa enferrujada. Parece que o diabo soltou um peido nesse Estado de merda, falou baixo enquanto acendia um cigarro e chamava alguém para atendê-lo.

***

Num banheiro dum bar Talita arruma o cabelo olhando para o espelho descascado. Cheiro de mijo, merda e esperma tomam conta do local.

Num aguento mais, minha buceta tá até doenu!, ela fala olhando pra Giró, que está ao lado passando batom.

Ih, minha filha, ainda bem que tu tem boceta! E eu? Eu que tenho que dar o cu? Tem dia que arde, feito como se eles tivesse passado pimenta.

Talita cai e debate-se. Giró grita.

Aldo abre a porta do banheiro.

Ah, desgraçada! Hoje eu mando essa vadia embora, essa vadia safada do caralho!

Aldo ajoelha-se perto de Talita, segura-lhe o cabelo. Como um movimento brusco joga o crânio da moça de encontro à privada.

Talita aquieta-se. Morta.

***

Alzira abre a janela, o barraco ficado o lado da casa de Geraldo. Ela olha para o Marido e fala: a menina da Maria tá possuída de novo, homi!

Tá, tá. Também, bem feito pro Geraldo. É praga de índio. Ele matou seis índio lá no garimpo, eu te falei num falei.?

Falô.

Os índio entra no corpo da menina e faz ela cuspi pra tudo quanto é lado.

Alzira faz o sinal da cruz.

Hoje sai um morte naquela desgraça lá!, Aldo fala enquanto caminha para o quarto e fecha a porta.

Vai lá, homi! Vai lá ajudar a Maria!

Ajudar bosta nenhuma! Se eu fosse o Geraldo já tinha quebrado a cara dela no meio. O Geraldo é um homi bom até demais.

***

Tu me paga uma pinga?, Talita pergunta pra Valdo.

Calor aqui, né?

Tá nada!, ela responde.

Senta aí!, Valdo aponta para uma cadeira.

Não tem cerveja!, uma voz avisa lá de dentro do bar.

Era só o que faltava, sem cerveja! Calor dos infernos, o Brasil acaba é ali ó, depois que passa de Minas Gerais, dali pra cima é tudo uma bosta sem fim, uma bosta sem fim, pensava. Deus quando mandou o diabo pro inferno falou assim: "passa ali ó, ali de Minas Gerais pra cima e solta uma cagada daquelas!". Valdo sorria, ele tinha descobrido o mistério.

O caminhoneiro joga o cigarro no chão. Um homem traz a pinga; serve uma dose para Talita e para ele.

Tu é daqui?, ele pergunta.

Sou de Manaus.

Tô indo pra Manaus!, ela fala.

É?

É.

Tu me leva?, ela fala olhando para o caminhoneiro.

Não!, Valdo responde.

Bicha, veado!, ela grita.

A garrafa de pinga vai de encontro a cabeça de Talita. Sangue escorrendo no chão. Ela cai da cadeira. Valdo levanta, em seguida corre na direção do caminhão, entra no veículo, liga o ventilador da boleia, parte correndo. Tem uma carga para entregar em Manaus.

***
Mulher se não tivesse uma buceta, não servia pra nada!, Geraldo fala, enquanto ergue o copo de pinga.

Tu é homi bom, Geraldo! Se fosse eu já tinha mandado aquela tua mulher e a filha pra merda há muito tempo.

Tem até nome santo!, um que estava perto do balcão fala.

Geraldo sorri concordando.

Santo mesmo, Geraldo, tu é santo mesmo... Ô, Geraldo, tu sabe que eu num sou de fazer intriga, porque essas coisa dá até morte. Mas, ô Geraldo, fiquei sabendo que o Nenê tá comendo a Talita.

Geraldo sai do bar mandando todos irem à merda.

***
Manaus. Quente, quente demais.

Talita olha para a mãe, aproxima-se da porta e diz: vou embora.

Pra onde?, pergunta Maria.

Não sei.

E se ele perguntar?

Fala que eu fui para o olho do cu.

A mãe não diz nada.

***

O ônibus, um vil metal quente, deambula pelas ruas de Manaus.

Ele entra.

Tem daquela de morango?, ela pergunta.

Não.

Ô, porra! Num pode vendê bala. Desce, desce!

Um coro: desce logo, merda! Desce porra! Quero ir embora! Desce!

Vou te jogar pela janela, seu bosta!, alguém grita.

É!, o coro apoia.

***

Giró aproxima-se de Talita, em seguida pergunta: tu me empresta teu vestidinho roxo e o teu sapato de salto?

Não!, ela responde.

Vadia, piranha, vagabunda! Quem te colocou aqui, hein? Safada! É assim que tu trata os amigo, sua safada, vagabunda. Tu me paga, vagabunda! Ah, Se paga!

Ele sai. Outro entra.

Quanto é?

Depende.

Anal?

É. Sem camisinha, eu quero sem.

Por mais dez eu faço.

Por mais cinco, pode ser?

Não!

Tá.

Fazem.

***

Uma cortina vermelha. Uma foto duma artista na parede. O guarda-roupa desarrumado. Cheiro de merda e mijo.

Nenê com uma corda no pescoço balança.

***

Ela disse que não ia emprestá o vestido! E falô que tá pouco se fudenu! Tá aidética a vagabunda! Tá aidética!

Olha pra mim!, ele fala apontando o dedo no rosto de Giró!

Tu acha que eu vou ficar aguentando reclamação de veado na minha cabeça?

Se quiser arrumá suas coisa e some daqui. Ninguém tá querendo comer cu de veado não.

Giró não responde; depois sai, vai para o banheiro.

Um dia passa um caminhoneiro aqui me leva, me leva, ele fala olhando para o espelho.

***

É assim mesmo! Todo mundo morre! Só que uns dão sorte! Morrem de maneira mais bonita, não é?

É

É sina, é sina.

Parece até que ele enferrujou.

Ele ou ela?

Todos.

Fecham-se os esquifes.

Todos
descem
ao
solo.
Todos.

Manaus é quente... muito quente.

 
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flaviogustavo
 
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