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FLOR DE SAL (Excerto IV - 2ª Parte)

 
 
Aquela espécie de gruta, o “calhau”, situada às ilhargas da armação que apoiava, que servia de armazém e cozinha e onde estavam instalados os catres para a companha descansar, parecia um lugar reservado à eternidade: o mar imenso a perder de vista, o silêncio só entrecortado pelos voos picados das gaivotas em busca de quinhão em redor da armação ou pela algaraviada dos homens na confecção das tarefas que lhes estavam destinadas. Fora isso, o paraíso.

Pois foi em lugar assim, sem as comodidades terrenas, nem o conforto dos cadeirões, que decorreu o almoço que havia de ficar gravado para sempre na mente e coração daqueles convidados privilegiados, que a família Gouveia e Mello tomou contacto pela primeira vez com a singular pesca da armação, que durante muitos anos constituíra o grosso do sustento dos pescadores de Sesimbra, apesar de, por força da acção continuada das traineiras, se vir registando uma clara decadência deste tipo de pesca. Dona Maria Madalena e Carolina estavam fascinadas, tal como Gouveia e Mello que embora mais acostumado àquelas andanças nunca havia visitado um dos sítios míticos das armações, fascinante para os visitantes, mas de sabor amargo para os pescadores, pela exíguas condições que proporcionavam para estadias que chegavam a durar semanas. Mas aquele dia era um obséquio que não devia ser penhorado pelas agruras de quem com tanto calor humano os recebia. Assim, desfrutados do repasto e do convívio, chegara a hora do regresso, que era outra aventura o percurso até ao barco e dali à baía, onde chegariam ao cair da tarde.

Na volta, à medida que se aproximavam, emergia o casario de Sesimbra, por entre as colinas que a circundavam. Vista do mar, a vila é um enconchado de casario modesto, lojas de companha em primeiro plano e ruas estreitas que os pescadores ocupam empatando anzóis para as suas aiolas, pesca que se tornaria emblemática da povoação. Mas erguendo-se imponente, cortando a praia em duas, ergue-se a Fortaleza de Santiago, ponto obrigatório do olhar e à ilharga da qual se realizava uma lota, com os peixes expostos directamente sobre a areia, que era um regalo para os sentidos e um fascínio para as gaivotas, que em bando pareciam gritar de alegria a cada chegada dos barcos.

Romance FLOR DE SAL
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Enviado por Tópico
(re)velata
Publicado: 02/07/2009 23:35  Atualizado: 02/07/2009 23:35
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Usuário desde: 23/02/2009
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 Re: FLOR DE SAL (Excerto IV - 2ª Parte)
Gosto mesmo da sua escrita!

Parabéns pela riqueza expressiva das suas descrições.

Um abraço