Contos : 

FATUM (ESCOVANDO OS DENTES DO MEU CÃO)

 
Escovo os dentes do meu cachorro, ela tira a minha carta do dia do tarô, JUSTIÇA. Corto as unhas do pé, ela diz que pode ser relacionada ao amor. Cito Dostoiévski e digo, "o homem se vinga porque acredita que é justo". Ela pergunta se ainda penso nela. Digo que a ex-cretina morreu na segunda. Ela cita Dostoievski, "me consideram um homem inteligente apenas porque, em toda a vida, não pude começar nem acabar coisa alguma". Tiro o excesso da barba e digo que dessa vez fui até o fim.

A menina que fica linda de vestido diz que não lerá o tarô para mim. Pergunto o porquê, e ela mais uma vez diz que está envolvida sentimentalmente comigo. Uso o creme de cabelo da minha mãe, ela pergunta onde estão as minhas cuecas novas.

Segunda-feira tem cinema, é mais barato, dá até para comprar confeitos de chocolate, pena que o filme é um saco. Ela diz que adora cinema nacional, também adoro, mas nem Lazaro Ramos salva esse filme. Ela reclama da qualidade dos novos filmes argentinos, lembro do trato, filmes argentinos por filmes asiáticos.

Pergunto o que aconteceu com o vestido verde, e levo uma tremenda bronca por não conseguir parar de roer as unhas. Ela pergunta por que deixei de escrever poesias essa semana. Se escrevesse só iria sair poesias grossas e ofensivas, e concluo que interpretam as minhas poesias de esperança como poesias tristes. Ela pergunta se ainda penso nela. Digo que raiva, rancor e ódio não são sentimentos quaisquer que se podem brincar e não se sair ferido.

Pergunto se ela gosta de mim, ela diz que me ama, mas que não vai me beijar agora. Insisto, depois de escovar os dentes? Só depois que você provar que me ama, ela cuspe essas palavras e fecha a porta do banheiro. Grito que a minha mãe não estará em casa no fim de semana, ela abre a porta e pergunta se isso é um convite. Insisto mais uma vez, por um beijo de língua forneço essa informação.

Ela reclama que o meu café está muito forte e que não deveria ter deixado o bolo de chocolate da minha mãe na geladeira. Reafirmo que o meu cachorro só fica de manhã na minha cama, só para tomar sol. Sábado tem pastel na feira, dá para ir a pé, fica a umas 10 quadras de casa, caldo de cana não sei, mas pastel frito na hora é certeza.

Ela pergunta se serei capaz de amá-la, respondo que temos o fim de semana todo pela frente.


M.Cardoso

 
Autor
Mário Cardoso
 
Texto
Data
Leituras
1908
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