Poemas : 

3° ATO

 
no teatro em ruínas
a atriz morta por estrangulamento
há cinquenta anos
no camarim
meia hora depois do espetáculo
reaparece nua no palco às escuras

há uma plateia de cera derretendo aplausos
mas a atriz com o olhar apavorado
não consegue curvar o corpo para agradecer
e tenta num gesto inútil livrar-se das mãos
que lhe apertam o pescoço de porcelana
do seu rosto transparente cai um suor gelado

as tábuas podres do palco começam a ceder
as cortinas também estragadas despencam
a plateia de cera sumiu junto com a atriz morta por estrangulamento
na memória da tragédia porém o pavor
estampado em seus olhos ainda vive

o amante chinês suicidou-se na mesma noite
com um tiro no ouvido esquerdo
num quarto de hotel a duzentos metros do teatro
meio século se passou... meio século...

agora sim as tábuas do palco desabam de vez
guinchos quebram o silêncio
do meio dos escombros saem dois ratos pardos
que se entreolham e avançam na escuridão
e na escuridão disputam com fúria assassina
a última pérola falsa que sobrou do colar da atriz

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júlio


Júlio Saraiva

 
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Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 17/08/2009 09:39  Atualizado: 17/08/2009 09:40
Usuário desde: 06/11/2007
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 Re: 3° ATO
Terrivel e negro.

Assim o quis. Assim o conseguiu.

Ainda imaginei os ratos a disputar algum pedaço de pele putrefacta, mas era só um esqueleto tão carcomido e branco como a cal.

Pobre Chinês...

Viva a ficção!!

Abraço, camarada.