Poemas : 

CANTIGA DO FUNDO DO POÇO

 
Procuro pela moeda,
perdida no fundo do poço.
Não demora, amanhece
e os desejos vão todos dormir exaustos.

Amigo, amiga,
procuro pela moeda,
mas vejo apenas meu rosto
no fundo do fundo do poço,
banhado de luas antigas,
vinte anos mais moço.

Procuro pela moeda,
amigo, amiga...
E lá se vão vinte anos,
no rastro de tantas mortes,
no fundo desta cantiga.

Procuro pela moeda,
já gasta de tantos desejos.
Vasculho pedra por pedra
e nem sinal da moeda
entre os escombros que vejo.

Amigo, amiga,
vinte anos mais moço,
procuro pela moeda
no fundo desta cantiga,
cantiga dos afogados
que dormem no fundo do poço.

__________________

júlio, A Mímica do Vento, 1990



Júlio Saraiva

 
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Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
(re)velata
Publicado: 29/08/2009 13:17  Atualizado: 29/08/2009 13:17
Membro de honra
Usuário desde: 23/02/2009
Localidade: Lagos
Mensagens: 2214
 Re: CANTIGA DO FUNDO DO POÇO
Quanta sensibilidade, Júlio! Afinal a sua poesia nem sempre é feita de palavras "pesadas"

Lindas estas estrofes:

«Amigo, amiga,
procuro pela moeda,
mas vejo apenas meu rosto
no fundo do fundo do poço,
banhado de luas antigas,
vinte anos mais moço.

[...]

Amigo, amiga,
vinte anos mais moço,
procuro pela moeda
no fundo desta cantiga,
cantiga dos afogados
que dormem no fundo do poço.»

Li aqui um profundo poema introspectivo, em que trabalhou muitíssimo bem a ideia de se estar "no fundo do poço".

Parabéns!

Beijinho