Poemas : 

ELEGIA A MEU PAI, QUE A MÃO DA DITADURA ROUBOU

 
"tem dias que sinto raiva de ser homem."
Pablo Neruda

Foi preciso conhecer o mar
Buscar a estrela desencontrada
Envelhecer um pouco
Dar um tempo ao tempo

Foi preciso reinventar um anjo
Não acreditar na chuva
Não escovar os dentes
Naquela sexta-feira

Foi preciso viajar cidades
Nunca visitadas
Assassinar mulheres
E sonhar um filho

Foi preciso não fazer a barba
Anoitecer calado
Afugentar o sono
Investir no nada

Foi preciso desfazer as malas
E desfazendo as malas
Te saber ausente

_____________________

júlio, in A Mímica do Vento, 1990


Júlio Saraiva

 
Autor
Julio Saraiva
 
Texto
Data
Leituras
956
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
10 pontos
10
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Caopoeta
Publicado: 07/09/2009 17:05  Atualizado: 07/09/2009 17:06
Colaborador
Usuário desde: 12/07/2007
Localidade:
Mensagens: 1988
 Re: ELEGIA A MEU PAI, QUE A MÃO DA DITADURA ROUBOU
..o homem é mais forte do que aquilo que se julga.


há uma música que me ficou na memória,enquanto andar a fazer pesquisa sobre música brasileira..confesso que nao sou amante de muita coisa que se faz no Brasil,SOU SIM AMANTE DO QUE ME ME DIZ!

http://www.youtube.com/watch?v=MAAREmBTyI0
sei que nao o devia ser aqui,contudo, peço-te julio que tenhas discernimento nos teus comentários...( nao estás a ser justo para com alguem que tambem me é querido)eu que tanto te admiro.


hasta amigo.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 07/09/2009 17:59  Atualizado: 07/09/2009 17:59
 Re: ELEGIA A MEU PAI, QUE A MÃO DA DITADURA ROUBOU
Por vezes interrogo-me se a poesia que, historicamente, os entendidos classificam em 3 grupos fundamentais a saber: lírica, dramática e épica; e depois se cai no dilema de saber qual a classe essencial, que muitos dizem ser lírica, por vezes, dizia eu, interrogo-me se a poesia não será essencialmente dramática. Ao ler este teu poema, irmão poeta Silveira, fico mais inclinado a pensar que a raíz de toda a poesia é dramática.
Asocio-me à tua sentida homenagem.
Abraço


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 07/09/2009 18:33  Atualizado: 07/09/2009 18:33
 Re: ELEGIA A MEU PAI, QUE A MÃO DA DITADURA ROUBOU
Caro Júlio,

Para comentar o seu belo poema, a excelente homenagem ao seu pai, permita-me que cite estes versos de José Gomes Ferreira:

«(Mas o pior é que o Homem
tanto sujou a morte
que até tenho vergonha
de morrer.)»


Domingos da Mota


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 07/09/2009 18:38  Atualizado: 07/09/2009 18:38
 Re: ELEGIA A MEU PAI, QUE A MÃO DA DITADURA ROUBOU
PRA ELES, VAGABUNDO ERA. MAS...
Era um citadino comum.
Com poemas de botequim
Pra comunidade pobre
Meu bla bla bla, discurso.

Fui citadino comum.
Não me calaram da luta
Nem as fardas engravatadas
Daqueles filhos da puta.

Sonhei, citadino comum.
Esperança, em borrachadas
Amor, não escutava mais
De tanta porrada da cara.

Resisti, citadino comum.
Do sofrimento no borralho
Liberdade, vigiada
Mandei-os todos pro caralho.

Renasci, citadino comum.
Sou um homem sem lamentos
Se conto isso pro mundo
Pra servir de ensinamento.

Sou um citadino comum.
Não me sacaneiam mais
Quer me achar, tô na rua
Com os caras da sarjeta.

Sou um citadino comum.
De coração, sou mais grande
Pra esquecer? Só poesias,
Samba, cachaça e boceta.

Morrer citadino comum.
Debaixo do mármore, a seqüela
Depois de tanto pau-de-arara
Na bunda, que foda:

Mais algodão e vela.


Enviado por Tópico
(re)velata
Publicado: 07/09/2009 20:06  Atualizado: 07/09/2009 20:06
Membro de honra
Usuário desde: 23/02/2009
Localidade: Lagos
Mensagens: 2214
 Re: ELEGIA A MEU PAI, QUE A MÃO DA DITADURA ROUBOU
Júlio:

Já o li citando (creio que) Molière, dizendo que não se escreve com os sentimentos, mas com o pensar. Pois neste excelente poema não consigo não ler sentimentos muito bem pensados em palavras. Comento-o apenas com este excerto do Diário X, de Miguel Torga, que sei que aprecia tanto ou mais do que eu:

«Coimbra, 25 de Março de 1966 - Resumo dum diálogo:

- Eles não são eternos...
- Para nós, são.»

Beijinho