Poemas : 

tu messias mais

 
se ninguém te quiser ouvir grita
escala um arranha-céus e diz tudo
até que as entranhas se esvaiam em acordeões
até que sejas impossível de ignorar
e se te baterem bate a mais portas
e se te baterem mais usa a testa como aríete e entra-lhes nos pensamentos
tu sabes que tens razão
tu tens sempre razão
tu vais salvar toda a gente de si própria
tu sabes o segredo que lhes vai mudar as vidas
tu és o sopro que lhes falta quando assobiam
o som da trombeta
o guizo do chapéu
o rasgo do papel
o mago da magia
o marco do correio
o pico do cume
a água do dromedário
tu vieste para ajudar
tu só queres ajudar
então porque não te deixam?
porque não te sopram carinho ao ouvido e te chamam nomes feios que tu sabes não serem da tua família nem da afastada
a sociedade também foi feita para ti
um bocadinho foi
um buraquinho foi
porque não te deixam entrar lá?
porque não te deixam estar lá?
querem-te à chuva e ao frio
sem amigos
sem calor
sem pão
sem sal
não te dão nem um naco da tua própria carne
nem a luz do teu quarto
nem o silêncio da tua mente
e tu aceitas?
e tu ficas-te?
e tu não protestas?
seu banana
seu falhado
seu funcionário sem sindicato
sua mulherzinha que nunca votou
sua criancinha que limpa o prato
seu homossexual não assumido
seu cão sem pulgas
seu cabrão sem cornos
seu tronco sem pau
seu pau mandado
seu arado sem terra
seu dinossauro radioactivo sem cidade japonesa
seu lamparina sem petróleo que foi inundar uma gaivota
seu cabeça sem capacho
seu diamante
seu bruto
seu papa-açorda
seu caramelo
seu lambe-cus
seu
seu
seu
seu és tu
seu és tu ouviste
seu é contigo
seu é para ti acorda
já é noite
já foi dia
amanhã vai ser tudo isso outra vez e tu estás ao relento
não tens onde ficar
não tens lugar na terra e ninguém to vai dar se não esgravatares
procura
pede
come
ataca
implora
arrasta-te
resvala
escorrega
assusta-os
ignora-os
tu sabes que tens razão
e a tua razão é respirar
se respiras tens direito à vida
se tens direito à vida tens direito a chorar
se tens direito a chorar tens direito a voz
se tens direito a voz tens direito a que te ouçam
se tens direito a que te ouçam tens direito a dizer algo que lhes mude as vidas
se tens direito a dizer algo a que lhes mude as vidas tens direito a mudar também a tua
não peças respeito
nasce respeitado
não implores por dignidade
apregoa a dignificação do Homem
não mendigues comida
acaba com a fome
não protejas os teus filhos
protege todos os filhos
não procures uma religião
faz o que um Deus bom faria
não ouças tudo o que te dizem
ouve todos os que falam
tens direito ao teu canto
e o teu canto é o de mudar tudo
tu podes mudar tudo
tu deves mudar tudo
tu sabes mudar tudo
repara nas pessoas e muda-as para melhor se elas quiserem
aproveita para ires melhorando também
dá-te como se fosses de borla
não peças nada em troca mas dá com um sorriso mais rasgado a quem te der um beijo no fim
não tenhas medo que te interpretem mal
aliás não tenhas medo que te interpretem
aliás não tenhas medo
guarda o melhor para os outros e o pior para ti
mas não sejas cruel contigo que és o único que tens
tens que ter noção do teu papel
e o teu papel é duro como se embrulhasse pregos ou cacos que não queremos nas mãos do senhor da recolha nem nos dentes do gato vadio
o que tu vais fazer agora porque é o único tempo que te pertence é mudar
mudar até que nada fica igual
até que esteja mesmo do agrado de todos
mas se por acaso no meio do teu percurso de conflito e mudança
no meio da tua jornada de luta pelo bem encontrares algo de profundamente belo
não lhe mexas
não lhe toques
pega numa cadeira de praia monta-a e senta-te calmamente a apreciar



Excelente Poeta / Escritor
João Negreiros,
in "a verdade dói e pode estar errada"


Inéditos de Rosa Magalhães
(Imagens da internet)
com 3 Livros Editados
1º "Pérolas de Amor"
2º "Acrósticos de Poesias"
3º "7 Vidas de Afectos"
Rosa Magalhães

 
Autor
ROMMA
Autor
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/09/2009 11:58  Atualizado: 09/09/2009 11:58
 Re: tu messias mais
Muito bom !
Não sou muito de clichés mas "querer é poder" e não me venham com destinos já traçados pois não me agrada o facto de não poder controlar a minha vida.
Obrigado por relembrares esse excelente escritor.
Abraço.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/09/2009 15:48  Atualizado: 09/09/2009 15:48
 Re: tu messias mais
Atrevo-me a chamar a este poema um manifesto, e que se se pudesse resumir num único verso, quanto a mim seria este: "não tenhas medo".
Gostei,

Domingos da Mota


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/09/2009 16:12  Atualizado: 09/09/2009 16:12
 Re: tu messias mais
Você está muito culta e ainda um dia vai receber um prémio camarário dos que o João ganha. Você vai ver, falo a sério e é isso que me perturba.
A mediania vence estes prémios dados pelos escroques das localidades. Alguns membros do juri avaliador são levados de cadeirinha de rodas e só assinam a acta e perguntam quando se come.
O poder político promove votos, não cultura.
Cumprimentos ao João e diga-lhe que não gostei deste poema.



Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 09/09/2009 19:50  Atualizado: 09/09/2009 19:52
Membro de honra
Usuário desde: 14/05/2008
Localidade: Leiria
Mensagens: 10301
 Re: tu messias mais
Pois... Rommma
foste buscar um dos poemas
que é emblemático para mim do João Negreiros.
E mesmo que continues a sorrir para nós de cabeça virada para baixo aqui te deixo mais um... que nos faz bem ler e gritar bem alto...(sei o poema de cor!) Bjs
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POETA CASTRADO, NÃO!

Serei tudo o que disserem

por inveja ou negação:

cabeçudo dromedário

fogueira de exibição

teorema corolário

poema de mão em mão

lãzudo publicitário

malabarista cabrão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado não!

Os que entendem como eu

as linhas com que me escrevo

reconhecem o que é meu

em tudo quanto lhes devo:

ternura como já disse

sempre que faço um poema;

saudade que se partisse

me alagaria de pena;

e também uma alegria

uma coragem serena

em renegada poesia

quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu

a força que tem um verso

reconhecem o que é seu

quando lhes mostro o reverso:

De fome já não se fala

- é tão vulgar que nos cansa -

mas que dizer de uma bala

num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história

- a morte é branda e letal -

mas que dizer da memória

de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser

o poema dia a dia?

- um bisturi a crescer

nas coxas de uma judia;

um filho que vai nascer

parido por asfixia?!

- Ah não me venham dizer

que é fonética a poesia !

Serei tudo o que disserem

por temor ou negação:

Demagogo mau profeta

falso médico ladrão

prostituta proxeneta

espoleta televisão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado, não!



in SANTOS, Ary dos. - Resumo. Lisboa, 1973.




Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/09/2009 19:57  Atualizado: 09/09/2009 19:57
 Re: tu messias mais
Adoro este poeta e escritor, já com prémios recebidos. Conheço alguma obra dele. agradeço a partilha!

Beijo azul


Enviado por Tópico
Joséhonório
Publicado: 10/09/2009 14:37  Atualizado: 10/09/2009 14:37
Participativo
Usuário desde: 11/10/2008
Localidade: Cidade de Benguela, antiga São Filipe.
Mensagens: 36
 Re: tu messias mais
Vi, abri, li e me revi. Linda criação poética!
Enquanto lia, viajava para os 4 Cantos do Mundo! 1 Abraço...


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 10/09/2009 15:38  Atualizado: 10/09/2009 15:38
 Re: tu messias mais
Lindo Romma,OBRIGADA POR PARTILHAR
ABRAÇOS
Mary k


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 10/09/2009 17:55  Atualizado: 10/09/2009 17:55
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 17960
 Re: tu messias mais
Aplausos de pé!

Me lembrou o concerto de Ganini, em que as cordas de seu violino foram arrebentando uma a uma e ele
fez todas as notas em uma só corda, como se nada tivesse acontecido, fez o impossível.

Vania


Enviado por Tópico
Nanda
Publicado: 11/09/2009 22:01  Atualizado: 11/09/2009 22:01
Membro de honra
Usuário desde: 14/08/2007
Localidade: Setúbal
Mensagens: 11076
 Re: tu messias mais
Romma,
Um belíssimo poema.
O sol quando nasce é para todos mas é preciso olhar para ele e sentir o seu aconchego.
Beijinhos na alma
Nanda