SEGUNDA-FEIRA

 
Lavo a cara com o primeiro café da manhã
que derrete a remela no fundo cego dos meus olhos
e me ajuda a suportar o choque oblíquo dos raios solares
que se riem, por detrás da colina, do meu rosto desbotado.
Acendo uma nuvem de fumo denso e sufocante
que me guia na orla convulsa da rebentação
e caminho encostado à cal efervescente dos muros,
com a mágoa de quem vai recomeçar tudo de novo
e uma vontade moribunda, presa por gastos arames.

Sirenes de chumbo rasgam o orvalho preguiçoso
e vêm pousar as garras nos meus ombros curvados
que arrastam o passo nas alamedas da madrugada
por entre o rumor azedo de roldanas cariadas
e o grito estéril do cristal vacilante das manhãs.

Acendendo o rastilho das horas que me vão devorar,
alumiadas pelo pasmo renitente das gambiarras do vento,
escondo o corpo nas prateleiras enferrujadas do armário
junto com a roupa que penduro em cabides de plástico,
e é já só minha sombra quem trespassa o vítreo portal
mergulhando a pique nas ravinas viciadas da semana.
 
SEGUNDA-FEIRA

segunda-feira

 
segunda-feira. o despertador alerta-me para a realidade. levanto o corpo duma cama que me guarda todos os sonhos ainda por realizar. mas a alma. essa. fica de guarda ao que resta dos meus desejos. fica misturada com a roupa suada das noites loucas de amor que sempre faço com o pensamento – o sol desponta. as gaivotas planam por um tempo sempre igual. o mar vai e vem sem lamentos – ponho a cama de pé. encosto-a a uma parede inclinada que sustenta o quadro de um artista desconhecido – a cadeira. que serve de assento às ideias. guardo-a dentro do guarda-vestidos – é valiosa. é aqui que descanso a vontade de escrever – meti-a entre uma camisa branca e um par de calças pretas. roupa que estimo – um dia. com uma gravata preta farão comigo a viagem eterna – do outro lado. virada para a janela que espreita o sul. o toucador – tem em cima de si um espelho baço que aguenta toda a minha debilidade. mesmo aquela que nem os amigos vêem – um dia perguntei-lhes se gostariam de saber mais do outro que existe dentro de mim. não ouviram – não acreditam que dentro de um olhar assenta outro olhar – apenas as gaivotas nos seus voos matinais recordam as noites que choro com os seus guinchos agudos. é a sua forma de dizerem que ouviram as lágrimas a tombar – este espelho. comprado numa feira de diversões a um anão que queria ser grande. é capaz de saber ler em cada lágrima a dor que emerge da procura do destino incerto. do destino vestido de sangue. do destino talhado para o sofrimento – mas hoje. à sua frente cerrarei a dor. apenas esticarei o cabelo com um pente de palavras finas. estavam guardadas para uma altura especial. talvez em soneto. em prosa. talvez um poema com rima cruzada - mas não. é segunda-feira. preciso de colocar risco ao lado. preciso de estar bonito. o trabalho diz-me que quer um homem sério. capaz de alimentar o mundo. por isso antes de sair de casa perguntei ao meu espelho se estava bonito. disse-me que a camisa estava amarrotada. e mandou-me deitar um pouco de after shave. old spice – sei que traz água do mar verdadeira. nele. ouço as gaivotas a trabalhar num mar que também é meu – fazem o seu trabalho para sobreviver. também eu o farei
 
segunda-feira

segunda-feira

 
 
Maligno Magno era do bem.
Praticante das boas acções
avulsas.

No rosário dos santos
fugia
das ladaínhas
dos mantras saídos de cor.

Esse bem ensinara-lhe a vida
tanto
quanto a vida lhe ensinará o bem.

Assim que viu Benigna de Deus
faltou-lhe o ar.

Com jeito especial para a malícia
e
ajoelhar
no altar.

Crente na magia do engano.
A vida que a engana, tem-lhe dado muitas
lições,
poucos sumários.

Entre acertos
os erros que erram um com o outro
percorrem-lhes os corpos,
acham guarida. Conhecem o mundo...

O ar,
confuso,
não sabe onde respirar...

O video-clipe que acompanha o poema tem direitos de autor.
Foi retirado do youtube, e é uma interpretação dos Frente! duma música dos New Order.
A mim arrepia-me.
 
segunda-feira

à segunda-feira enterra o domingo

 
à segunda-feira enterra o domingo. manhã cedo apanha um molho de hortênsias em lágrimas e enfeita uma jarra de porcelana fina para colocar do lado esquerdo da lápide aqui jaz o domingo.
 
à segunda-feira enterra o domingo

CARTA-BEIJO PARA A TUA SEGUNDA-FEIRA

 
Vou te mandar um beijo
um só... mas
um beijo suave como
asa de borboleta
roçando a pétala
orvalhada
roçando o calor do
traçado de tua boca
por onde passeia a
flechinha do mouse
e a ponta dos meus
dedos
e é Começo e Fim
é canteiro plantado
caminho sem volta
queda livre
vôo de Brancas asas
em busca de um
horizonte ainda ao
alcance da mão...
 
CARTA-BEIJO PARA A TUA SEGUNDA-FEIRA

7 poemas de segunda numa segunda-feira.

 
7 poemas de segunda numa segunda-feira.

da beira mar um aceno
meu medo da gangorra
dum querer além

virei às costas
me afoguei em terra

de tanto procurar
teu último adeus
que as ondas levaram

****************************

já não me culpo
de todo dia querer morrer

culpo-me
apenas por resistir
ao que morreu em mim

desmotivado
apenas cuidando do meu corpo

sobrevivendo
a uma vida tão igual

***************************

tudo que tenho
foi-me dado de graça
até um caminho

há uma senda
que me leva ao objetivo
de uma luz negra
apagada
no fim de qualquer jornada
pra me iluminar

que me fará ser eu mesmo

nem que eu morra
no afã de acendê-la

****************************

um amigo me deu às costas
sem eu nunca dele precisar

talvez porque não desejasse
ter que me encarar

e ouvir
que nem a meu enterro precisaria vir

e nem virá
pois ele já morreu
no diário que incinerei

na borracha que passei na mente
simplesmente
porque à partir do fato
encarei-me pra ver
que só precisava de mim

******************************

por você
sempre fiz bobagem

mas hoje criei coragem
de te matar em mim

assim

ainda farei outras
e por outras enfim

e se não és mais
minha única bobagem

ponha a mão na consciência
dá um breque na demência

eu tô curado
não venha acender o estopim

tá queimado
desde o momento que parti
e tu disseste sim

adeus
por enquanto

***************************

no trem
uma criança pobre
pede um biscoito
a mãe de chinelo de dedo

isso me entristece

pois a política
de um dedo em riste
aponta o quão triste

são todas as estações
em que desembarcam
os olhares de crianças

que nem sabem
da pobreza extrema
de todos
que veem elas descerem

do trem que vai e volta
lotado de esperanças

******************************

o óleo diesel do córrego fétido
parece um arco-íris horizontal
sobre os dejetos da civilização

quanto dói em mim
ver o arco da aliança
tão belo sob as nuvens

imperecível

neste olhar passageiro
de tanta desnatureza
sufocando meu basta

e empurrando-me
a um vale verde
em que eu seria mais humano
sem um plano de fuga

***
 
7 poemas de segunda numa segunda-feira.

manhã de segunda-feira (parte ii)

 
... continuação

ó como me feres
com o teu tom doirado
como é denso o amarelo
dos girassóis

ouro que derrete
na talha dos meus devaneios
tela quente onde arde
o meu corpo a chamar o teu

assim te inventei

e nesta manhã silenciosa
foste mais que miragem
foste desenho pintura paisagem

num dia de verão
em manhã de segunda-feira

continua...

Devido as imagens poderem ter conteúdos suscetíveis de ferir sensibilidades as mesmas não foram publicadas. poderá ver o poema com a respetiva imagem em http://afacedossentidos.blogspot.pt/
 
 manhã de segunda-feira (parte ii)

Segunda-feira

 
Segunda-feira
 
Segunda-feira
Elen de Moraes Kochman
- Trova -

Quase sempre vejo pessoas, brincando, claro - ou não - a reclamarem da segunda-feira. Acho uma dádiva Deus nos permitir amanhecer mais um dia e ter um trabalho remunerado a fazer, diante de tantos milhões de desempregados. Resolvi brincar - a sério - com as palavras e com o que penso, numa trova. Espero que gostem!

Boa tarde meus amados amigos e família. Bjs.
 
Segunda-feira

Segunda-feira brava

 
Segunda-feira brava
 
Segunda-feira brava

Hoje é segunda com a cara de brava
E a depressão se apodera mais nela
Pois não há como mandá-la às favas
E é muito difícil se acabar com ela

Mas a terça feira já vem mais suave
Se o time perdeu já ninguém importa
E a ressaca brava que era uma trave
Já se foi embora ou está quase morta

No fim de semana o povo se anima
Ficando alegre já muda-se o clima
E volta a euforia de um dia de festa

Ao chegar domingo já bem à tardinha
Vai se aproximando uma tristezinha
Pois logo se pensa na manhã funesta.

jmd/Maringá, 11.03.13
 
Segunda-feira brava

A FAMÍLIA 33 (parte 1 'Segunda-Feira')

 
, não tinha começado nada mas quando deu por conta já estava pra lá do meio do processo, ele era um ótimo amigo incompreendido e este já devia ser o sétimo charro daquela segunda-feira monótona pra todo mundo menos pra eles. Segunda-feira virou dia sagrado de despirocar sem limites tangíveis ou traçáveis, foi como um protesto muito íntimo e inoportunamente sigiloso que faziam à normalidade, à adequação, e criaram em sua intrépida ingenuidade que aquilo era um trabalho importante a ser feito. Quem mais decifraria em extremos decibéis às intrincâncias daquele caldo fumegoso, quem mais altissonaria aquela dança dos faraós no subwoofer dum vectra prata tão burguês e banal, quem mais redimiria a poeira sobre as prateleiras preenchidas de proust e ainda o faria sem intentá-lo? Quem salvaria o mundo de dentro de seu casulo alienado, só por ter aberto bem os sentidos pra olhar pra fora, além da vista visível?

Outra vez selaram vidros do veículo. Numa rebarba tranquila do bairro, livre de câmeras de vigilância e transeuntes conceituosos, faziam outra sauna automobilística. E miles davis torava no aparelho. Depois de uns dez minutos o motorista ligava o motor pra evitar a falência da bateria, mas nada de ventilação interna nesse ínterim, o que queriam era tossir fora todo desgosto que saía doidamente doído dos estômagos amainados de luz solar. Ardiam os olhos no fumacê e eles riam descontroladamente por um minuto sem motivo, mas com determinação, o riso distendia a percepção e os sintonizava a algo ou alguém cuja frequência ressoava lilás de todo caos.

Quando o pito se havia findado, ainda esticavam o calor abrasante da cápsula psicodélica, aspiravam arfando arbitrárias ânsias de transbordamento e multiplicavam o efeito da suntuosa receita divina. O colírio deles era em verdade o que os avermelhava furiosamente aos olhares, alcançavam a suprema velocidade da vida exatamente por relaxarem aprumados na mais dileta e silente ignomínia, na mais plácida e lúdica demência.

De manhã estudava, ou ao menos ia à localidade onde entes se reúnem pra estudar. Sempre atrasado e com um salutar desdém que incomodava aos docentes mais éticos, por assim dizer. Lauro não tinha tempo pra aprender como que as pessoas viviam suas vidas normais, estáveis. Ele tinha descarrilado do comum e agora vivia uma síncope paralela dos sentimentos, era um estranho no ninho, um pária tão venenoso quanto sedutor, um pequeno demônio meio mouro meio paraibano. Às vezes um professor notava o aluno escrevendo absorto em seus papéis, esperançava-se de que ministrava uma aula interessante ao transviado descabelado discreto no meio da sala, mas depois dava-se conta, o jovem espúrio parecia redigir algo fenomenalmente distante do assunto tratado à sala. O livro que ele escrevia nas intermitências do diploma ia além até mesmo de sua compreensão, já que trazia do inconcebido a narrativa quase alinear do pulso terreno.

Depois do almoço pegava as chaves do carro que ganhara do avô por ter entrado na faculdade e ia novamente quebrar todas as confianças e trair todos os investimentos se insuflando de enigmas soterrados da cultura sincretista. Entre quânticas e kardecismos concluíam a magia da realidade e se inconformavam das cores acinzentadas que a maioria costumava pincelar à atmosfera dos dias. Eram melhores amigos e Renato, mais velho que Lauro, costumava precisar de muito mais paciência pra desenrolar os assuntos, já que já tinha passado dois anos estudando engenharia antes de desistir do curso. O mais novo sorvia às ciências deleitosamente e sempre que podia trazia um novo bootleg pra apreciarem.

Um dia descobriram que a vida não é material e sim digital, e sonharam longe, com a imortalidade plausível, funesta e maravilhosa esperança dos esclarecidos. Quem sabe, antes que morressem, poderiam transferir toda memória pra um disco rígido e renascerem como entidades virtuais infinitamente longevos como consciências que transcenderam à carne.

Tudo ia bem e descobriram a beleza das festas de trance ao ar-livre. Aline, loira encaracolada de voz rouca e grave, apresentou o círculo diminuto mas não fechado de amizades da bate-estaca. Era como perder a virgindade mas sem mexer com sexo, aquela cadência violenta que mais parecia estuprar que afagar, o compasso reto e seco da harmonia dos fortes. Os três aportaram no sítio inusitado lá pelas quatro da manhã, quando um verde sutil começava a ensaiar a alvorada. Uns duzentos quilômetros distantes de casa e do centro comercial paulistano, aguardavam na fila de carros. Renato acendia um generoso:

‘ Velho! Vamo descer aí pra tostar, que essa fila não anda nunca!’

Aline preferiu dormitar no banco traseiro, pra entrar mais empolgada, imagina-se. Lauro e o amigo recostaram ao capô da caranga e fumegavam tranquilos. Três espaços ocupados à frente mais dois amigos faziam o ritual do lado de fora do carro estático. No meio da função decidiram terminar o serviço passando a bola pros brothers ali na frente. Não trocaram nomes, só idéias. O charro dos desconhecidos não era muito bom, ao menos não tanto quanto o deles, que estava bem honesto, então um senso de dádiva brotou dali mas apesar disso completamente além deles. Como a dádiva duma purificação do mundo que eles concediam sem fazerem a mínima idéia disso.

Quando já queimavam as pontas dos dedos e decidiam lançar a réstula a Jah a fila de carros subitamente fez-se visualmente movente uns quinze metros em frente. A despedida foi quase inexistente, uma troca de olhares muito séria mas também sincera e tranquila, e um falou irmão, nos vemos lá dentro. Correram pro carro e quando a fila parou eles eram o segundo veículo antes da portaria do estacionamento. Lauro brincou de coxar mais um mas a segurança fardada do evento espreitava já muito próxima, desencanaram.

Aline espreguiçou-se soberanamente, deliciosa. Sentou-se no assento, esfregou os olhos, bocejou e perguntou atonal:

‘Ainda estamos aqui?…’

Não houve resposta até que Renato deu uma risadinha, à tôa. Ela reparou pelo espelho do motorista as primeiras luzes do novo dia às costas deles, exclamou uma alegria de vejam e eles se alegraram. Aline parecia imersa no infinito que a comandava, sem culpas nem dúvidas, ela dava a impressão de que sabia muito o que queria da vida, ou mais que isso, sabia muito bem de que se tratava realmente a vida. Na prática, se se fosse resumir, simplesmente poderia-se dizer que ela amava dançar.

Não era uma rave grande, o equipamento não era de luxo, o público não ultrapassava trezentas pessoas. Mas era dois mil e dois e nesses tempos o espírito antropófago do evolucionismo pintava e bordava nas trances, o negócio era só coisa fina só, ganhava o produtor que mais espiritualizasse. Outros tempos.

Foram primevos movimentos, momentos clássicos, instantaneamente. Era como viver um dia favorito e sabê-lo, e também saber que o próximo dia como aquele haveria de se tornar então o favorito, e assim toda vez que o feito se repetisse.

afamilia33.wordpress.com
 
A FAMÍLIA 33 (parte 1 'Segunda-Feira')