Crónicas

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares da categoria crónicas

Amor, a maior força curativa deste mundo.

 
Amor, a maior força curativa desse mundo.

Hoje sonhei com minha querida avó, tenho seu nome. Minha avó era sábia. Lembro que quando quebrei minha perna, na adolescência, e fiquei me lamentando por não poder caminhar, dançar... ela dizia, que dores e sofrimentos existem para que a gente valorize a vida... todos os momentos... no meu caso, naquele lamento, o valor de passear no jardim que ela cuidava com tanto carinho. Ela dizia , deve-se cuidar do corpo, sempre, ele é frágil mesmo, mas é só um recipiente para nossa alma, pois somos criaturas espirituais vivendo neste ‘planeta azul’ compartilhando uma experiência humana chamada vida. E, o alerta para valorizar nosso viver brota d´alma, imortal.

Agora, entendo bem as palavras da minha avó, pois vivo e já vivi tempos adversos. Tenho certeza que não somos nosso corpo , somos nossa alma, imortal. Nosso corpo se desgasta, se machuca, adoece ... tem tempo limitado, por isso deve-se valorizar a vida , a alma, que ele carrega dentro de si por um tempo determinado. A alma que nos chama atenção para o valor dessa ‘experiência corporal’ de curta duração. Então , nosso cotidiano , nossos momentos são, irremediavelmente, importantes / preciosos ... “ viver cada dia como se fosse o último”, com alegria, amor e responsabilidade. A nossa mente é a face d’ alma, comanda nossos pensamentos e ações nesta experiência , vida. A conexão mente-corpo é poderosa... através dos pensamentos , idéias, intuições somados aos sentimentos amorosos ( o bem que nos habita) geram uma força continua, que nos permite lutar contra as adversidades que a vida traz... porque dores e sofrimentos são ingredientes da vida, assim como prazeres e alegrias. Nesse processo aprendemos a ser “ responsivos pró-ativos” , desenvolvendo habilidades que gerem uma reação positiva/construtiva aos eventos dolorosos do nosso viver. Um bom exemplo disso é desenvolver o otimismo, acreditar nas possibilidades de mudança da situação adversa que nos aflige e nunca desistir de lutar na busca de um resultado melhor do que aquele que professam os médicos /os especialistas /os peritos / os governantes , etc... nas situações pertinentes que nos afetem / atingem. Somos o que pensamos e sentimos... e, com o coração e a mente cheios de amor, somos fortes, lutamos o bom combate, porque o amor é a maior força curativa / construtiva desse mundo. Já o ódio / desamor destrói tudo a sua volta, menos a si mesmo... mas, sabemos que o amor, também, neutraliza este mal.

Alice Luconi Nassif
 
Amor, a maior força curativa deste mundo.

QUASE UMA LIÇÃO ESTÉTICA

 
Quando menino as minhas preocupações eram mais importantes. Veja bem, sem grandes ambições, bastavam-me umas tantas caixas de sapato. Nelas incrustava uma série de personagens inusitados, repletos das mais peculiares características, disso a chamarem de prosopopeia - coisa a chegar ao meu conhecimento tempos depois. Havia pedras, pedaços de madeiras, tampas de garrafas, antitranspirantes vazios e o que mais surgisse do descarte dos outros em casa. Se não existia nenhum valor nelas mesmas enquanto objetos, na minha imaginação formavam um pequeno tecido de personalidades tão extraordinários e singulares (singular o quanto se é possível na infância) que doía-me toda vez da necessidade de descarte.

Depois de harmonizado ao íntimo, quando algo ou alguma coisa torna-se parte de nós, o romper sempre deixa marcas profundas. Mesmo se a vida existir apenas numa espécie de dimensão metafísica - termo a escapar da minha cognição à época. Mas em minha mente estavam claros os traços de cada um deles, o seu andar, a sua postura e a ginga em campo. O espaço encontrava-se já delimitado com precisão milimétrica, aristotélica; cuja demarcação da imaginação, afirma, depende diretamente da memória. E eu vivia inteiro para o futebol.

Com o tempo dei a preocupar-me com outras questões - sérias quanto fossem -, porém sem deter em nada aquele intenso brilho de outrora. Questiono-me dia e noite sobre a escrita: o que é escrever? - Mais: o que é escrever bem? E não consigo chegar a uma conclusão clara, límpida feito os gols, as narrações; os flashes imagéticos tão vívidos ante os meus olhos. Tenho ciência, hoje, as cenas carecem estar desanuviadas na visão interna, beirando o concreto, para depois serem transmitidas as palavras.

Crescido soube de alguém ter escrito "As coisas que não levam a nada têm grande importância" e não pude deixar de sentir-me contemplado no lirismo de certa forma. De repente, muito cedo eu sabia nuances da natureza humana, das quais o tempo - sempre o tempo - tratou de turvar. E agora cabe-me o trabalho de escavar superfícies até rememorá-las.
 
QUASE UMA LIÇÃO ESTÉTICA

HELEN DE ROSE - O Meu Luso do Mês de... Março

 
Helen De Rose é uma personagem ímpar no contexto do Luso-Poemas, talvez por isso a tenha escolhido para dar início a estas crónicas subitamente desaparecidas da primeira página deste cantinho da escrita, pedindo desde já desculpa por me «apoderar» da ideia made in Luso-Poemas, mas considerem isto uma homenagem aos que trabalham para o dia a dia desta casa.
Dá-me enorme gozo duelar com a Helen quando se trata de fazer um dueto poético, é sempre um desafio, uma experiência nova que vou tendo o prazer de partilhar com todos. Assim, resolvi-me a fazer-lhe meia dúzia de perguntas e a deixar-lhe o desafio de procurar o Luso de Abril, alguém que será entrevistado por ela e que, por sua vez, escolherá outro e assim sucessivamente. Veremos se corre como é esperado.

- Helen, fala-me um pouco de ti e de quem te conquista.

Por incrível que pareça, sinto-me tímida ao falar de mim. Muitas vezes, resumo-me nesta frase que gosto muito: “Eu sou o que eu sou, nada mais.”
Eu nasci antes do tempo, segundo minha mãe, quando ela chegou ao médico pra fazer o meu pré-natal, eu já estava nascendo na maca, em Piracicaba-SP.
Quando menina, eu não gostava de brincar de boneca, era uma menina moleca, queria subir na minha jabuticabeira, descer as ladeiras com carrinho de rolemãs, empinar as pipas que eu mesma fazia, andar à cavalo, praticar esportes, dançar e ler meus livros de contos de fadas. Comecei a ler aos 7 anos e não parei mais. O meu primeiro livro, que guardo até hoje, chama-se “A lagostinha encantada”. Sempre gostei de fazer redações e, de tudo o que se referia à Língua Portuguesa. Durante todos os meus estudos imaginava ser, um dia, uma escritora. Adorava pesquisar e estudar, por isso, ganhei o apelido de “Caxias” na escola. Depois, formei-me em Educação Física em 1986 e desde então sempre trabalhei para a saúde do corpo, da mente e do espírito, são 23 anos fazendo exatamente o que gosto, dar aula em Academia. Depois de formada, casei-me com Luis Vitório e tive dois filhos: Marina e Luis Jr. A maternidade me ensinou muito mais do que eu poderia imaginar. Eu sou completamente apaixonada pelos meus filhos e por eles dou a minha vida....(emoção)...Marina e Jr me conquistam a cada segundo da minha existência. Agradeço ao Criador do Universo por esta confiança e oportunidade de ser mãe dos meus filhos.
Todos estes anos, depois da maternidade, pesquisei muito e li muito. Senti uma sede de buscar novos conhecimentos, abrir novos horizontes de esperança pra minha fé, para o meu entendimento evolutivo. Tudo isto, ajudou-me e ajuda a enfrentar os desafios e provações da missão que me foi confiada.
A vida em si, é um aprendizado simples, mas complexo. Estar inserido na vida, é estar consciente de tudo e de todos. Estar vivo, é estar manifesto de corpo e alma diante da Criação, desejando sempre que todos consigam viver mais um dia, só por hoje.

- És o estreito caminho entre os Lusos e os consagrados monstros da língua Portuguesa. Porquê essa vertente de pesquisa e, naturalmente, de alfabetização cultural de quem te lê?

Quando entrei no site Luso Poemas, fiquei encantada com tantas possibilidades de informações criadas pelo Trabis. Logo encontrei no fórum, os tópicos dos Consagrados e senti uma enorme necessidade de doar a todos os Lusos, tudo aquilo que aprendi desde menina. Depois de algum tempo, vendo meu interesse pelos Consagrados, recebi, com alegria, o convite do Trabis para moderar os Consagrados. Na verdade, esta vertente de pesquisa é bastante salutar, quando há interesse de todos os Lusos em ter conhecimento da vida e da obra de cada autor Consagrado. Todos os autores tiveram que ir tirando as pedras do caminho, até serem reconhecidos por suas obras literárias. Este conhecimento do legado, da rica herança literária que todos os Consagrados nos deixaram, contribui efetivamente para quem deseja, com vontade firme, entrar para este mundo fantástico da escrita, da manifestação individual através das palavras.
Ainda existem muitos autores que pretendo incluir nos Consagrados. Os Lusos também podem solicitar as pesquisas de autores que não existirem na lista. Sempre será bem vinda a participação de todos os Lusos, colaborando com o enriquecimento do site Luso Poemas.
Sempre serei agradecida ao Trabis, por ter me dado esta oportunidade de compartilhar os Consagrados com todos os Lusos e visitantes do site.

-De todos os autores consagrados que já aqui nos trouxeste (Drummond de Andrade, Eça, Florbela, entre outros) existe algum com quem te identifiques?

São tantos que já me identifiquei... Cada autor tem seu estilo singular. Poderia citar alguns dos meus favoritos: Machado de Assis, Manuel Bandeira, Dante Milano, Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Augusto dos Anjos, Mário Quintana, Florbela, Raquel de Queiroz, Clarice Lispector, William Shakespeare são autores que já me emocionaram. Mas, um dia, fiquei extremamente emocionada com Olavo Bilac, ouvindo seus poemas serem declamados. Naquele momento, vi o quanto a literatura é uma arte não só no papel, mas na voz, o quanto os poemas ganham vida quando são declamados.
Eu me identifico com a literatura em si e com todos os autores, Consagrados ou não, que possuem o dom de fazer das palavras, uma obra de arte. Isto é Divino! Sensibilizo-me profundamente.

- Não há Lusos bons ou Lusos maus, há Lusos que se presenteiam com a escrita. Na tua opinião achas que merece a pena catalogar quem aqui escreve ou deve existir uma consciencialização das pessoas em relação ao nível da sua escrita?

A escrita é a manifestação dos nossos pensamentos, das nossas fantasias, dos nossos conhecimentos, dos nossos entendimentos, da nossa cultura, das nossas crenças, dos nossos sentimentos etc... Cada ser humano tem sua história de vida e sua maneira de ver as coisas como elas realmente são ou não são.
Eu acredito que cada Luso sabe quem de fato nos presenteia com sua escrita. De acordo com seu entendimento e sua preferência. Basta observar quem é lido. Entretanto, há quem seja, além de tudo, mais carismático e possui um dom especial de se socializar com os demais. Por isso, a integração dos participantes do site é importante, não podemos negar que estamos participando de um site de relacionamento de escritores. Somos nós que fazemos o site acontecer!
Portanto, a consciencialização em relação ao nível da escrita, deve ser estudada por todos nós, e nisto, eu me incluo. Não acredito que o aprendizado tenha um fim ou que alguém se eleve tanto, que não tenha que aprender mais nada sobre a escrita. Basta abrir qualquer dicionário e ver quantas palavras e significados existem ali. Se, alguém me disser que sabe o dicionário da Língua Portuguesa decor e salteado, então irei me curvar diante do seu nível de escrita. Se, alguém me disser que, a partir do momento que se tornou poeta ou escritor, não cometeu erros gramaticais ou ortográficos, então irei me curvar diante do seu nível de escrita. Logo agora, com esta reforma da Língua Portuguesa, ficou ainda mais difícil chegar num nível de escrita elevado.
Acredito sim, que cada escritor precisa sempre fazer a correção dos seus textos, mesmo depois que publicou no site, em livro ou em qualquer forma de comunicação vinculada com a escrita; que cada escritor precisa ter um dicionário da Língua Portuguesa e sempre buscar rever seus conhecimentos. Não tenho vergonha de dizer que faço isto sempre que preciso, sempre que recebo uma crítica ou observação dos amigos. Não nasci sabendo e morrerei aprendendo, disto eu tenho certeza.
Desejo que cada Luso olhe pra sua escrivaninha e observe bastante cada palavra dos seus textos, veja o que pode ser melhorado. Mas, quando encontrar erro na escrivaninha de outros autores, não “aponte com o dedo” o erro diante de todos. Mande uma PM, mande um email, seja educado com o escritor. Isto sim é um aprendizado salutar. Quem sabe, outro dia, este mesmo escritor não irá lhe ajudar a ver o seu erro, mesmo que seja por digitação. Isto é uma troca civilizada entre pessoas que estão aqui para aprender.

- O que é e para que serve, a numerologia?

Dentre todos os estudos que fiz, a numerologia me fascina.
Numerologia é a ciência que estuda os números e tudo que envolve sua simbologia, tais como, letras e alfabetos de várias línguas, com seu valor metafísico e significativo, formando uma vibração que atua desde o nascimento de cada pessoa, nos ciclos de vida e até o fim da sua cabala numerológica. Esse estudo está baseado nos símbolos encontrados em tempos primitivos da civilização egípcia, que até hoje auxiliam para desvendar os segredos da manifestação do Homem pela escrita.
Este estudo auxilia no autoconhecimento de cada indivíduo, beneficiando decisões da vida diária e futura.
Mas, cuidado! Existem muitas numerologias por aí, que eu não recomendo.

- Quais são os teus projectos literários?

Não gosto de falar muito de projetos, sou meio supersticiosa neste ponto. Mas, estou com dois livros em andamento, com temas diferentes. Sem previsão para serem publicados.
Por outro lado, sinto-me grávida do meu primeiro livro “Um coração no oceano”, que está sendo editado pela CBJE, com lançamento previsto para março/2009. Este livro é uma coletânea de poemas, prosas, mensagens e pensamentos que escrevi recentemente. Com a participação da minha amiga/irmã Ledalge, autora do livro “Ledalgiana”, fazendo a minha Apresentação e do escritor Ronaldo Honorio, autor do livro “Onde guardarei estes oceanos?”, prefaciando a obra. São dois autores que tenho grande estima e consideração. Para os dois, deixo aqui minha eterna gratidão, por terem aceito meu convite.

- O teu Brasil e o teu Portugal.

O meu Brasil mistura-se com meu Portugal, numa simbiose trazida por laços hereditários dos meus antepassados. São nações que se encontram no meu sangue, fazendo pulsar meu coração diante deste oceano Atlântico.
O meu Brasil sonha em conhecer o meu Portugal, e sentir a sensação de estar do outro lado desse mesmo oceano Atlântico, encontrando todos os amigos do Luso Poemas. O sotaque português faz meus olhos brasileiros brilharem e meus lábios portugueses sorrirem...

- O teu mais que tudo.

Sentir que estou aqui, agora, viva! Dizendo tudo isto pra todos vocês!

- Quem é o teu Luso do mês?

Meu querido José Silveira

Obrigada Helen
 
HELEN DE ROSE - O Meu Luso do Mês de... Março

O TEREZA

 
Eu conheci o Tereza ainda na tenra infância – sim, o Tereza, por ser um homem apelidado dessa maneira. O Tereza é uma dessas figuras folclóricas conhecidas por todos os moradores. Há desses em cada cantinho do mundo. O "Maluco!" cujos dedos apontam-se, uns poucos olhares compadecem-se e os narizes empinam-se. Mas do que trata-se a normalidade social senão uma grande máscara? Quantos, e quantas vezes, sufocam-se as individualidades em prol dessa busca vã por aceitação? Além de tudo, há de ser o completo tédio os reflexos absolutos. As diferenças fazem de nós humanos, eis o tempero da existência, já há muito refletido em Sócrates: — a alteridade.

Contudo, a peculiaridade do Tereza não encontrava-se na pecha de doido; todos nós, sem exceção, no ambiente (des)adequado também o somos. Quase nunca sabemos do dito em nossa ausência, afinal. Tereza era extraordinário, digno de atenção, por uma característica: seus passos sempre terminavam interrompidos por ações súbitas e frequentes — desenhava uma cruz ao chão, antes de ajoelhar-se à rua e fazer um tipo de oração. Pouco importava o ponto da cidade à qual se encontrasse, fosse o centro pomposo, às proximidades da Matriz, ou em direção ao bairro do Itapema (onde eu morava) - de certa distância e à época ainda com estradas de areia; os gestos continuavam os mesmos. Sem tirar, nem pôr.

Corria à boca miúda que o fator decisivo para a instabilidade psicológica dele fora a morte da mãe. Nunca interessei-me em confirmar a veracidade do boato, somente sabê-lo saciou a curiosidade infantil. Por muito tempo o seu vulto permaneceu apagado de minha memória. Porém, hoje, ao refletir sobre aspectos da identidade guararemense tomou-me os pensamentos de forma abrupta.

Os traços inesquecíveis de um lugar estão nas cicatrizes das pessoas à viverem nele; não são os normais confessos, os burocratas, os políticos, os nulos que as conservam. Esses jamais! As marcas indeléveis à alma de uma região jazem dos marginalizados.
 
O TEREZA

Ensaio sobre a condição feminina

 
O Sr. José era velho, tão velho que na aldeia ninguém se lembrava dele novo, como seria o seu falar ainda de rapaz ou a voz grossa de homem feito. Na tasca da aldeia onde os homens rompiam as falanges nos balcões de mármore no tamborilar impaciente da chegada de mais uma pinga dizia-se que ele devia ter mais de cem anos mas ninguém lhe dava mais de 50 e picos, 60 e coisa, 70 e tal. Uma indefinição que a jorna da terra lhe sulcava no corpo alquebrado, nos pés de galinha profundos em volta dos olhos, os rasgos no canto da boca que lhe afilavam os lábios já de si finos, e uma testa que parecia percorrida por um arado.
O Sr. José ia casar finalmente com a Zulmira, mulher recatada e trabalhadeira, filha mais nova de um grupo de 15 irmãos e que tinha ficado na casa materna até que o Senhor chamara a mãe para a última morada cumprindo assim a tradição de cuidar dos velhos pais até ao último suspiro. A Zulmira fizera também ela essa dobra na idade em que já não se consegue definir os anos que lhe passaram nas vértebras doidas da espinha dobrada no manejo da enxada. Com a morte da mãe a sua única fortuna era a vaca galega cuja afeição a tinha impedido de a mandar para o matadouro quando os úberes secaram e as forças lhe faltaram para aguentar com o cabresto e puxar o arado e ficou assim a modos que o animal de estimação da Zulmira.
O casamento foi motivo de galhofa e enriqueceu o anedotário da taberna, com piadas que punham em dúvida a virilidade do Sr. José e a capacidade que teria em meter dentro os tampos tão antigos da Zulmira, que todos juravam ceguinhos ela ainda teria por via da sua feiura que afugentara sempre os mais corajosos e afoitos. Por sua vez o Sr. José gozava da fama de mulherengo apesar da idade e contava-se à boca pequena as suas viagens à cidade grande onde gastaria o pequeno pecúlio arrecadado nos negócios fortuitos da venda de gado.
O Sr. José era homem à antiga, que se fazia respeitar e a Zulmira mesmo casada com ele continuava a tratá-lo por Sr. José e dedicava-lhe o mesmo esmero e atenção que dedicou á mãe até à hora da morte. O Sr. José no fim do almoço ia para baixo da vinha no fundo do quintal gozando a sombra prazenteira com uma vasilha de tremoços e azeitonas, um pedaço de broa e uma enfusa de vinho, a qual quando acabava o fazia dar altos berros à Zulmira
- Ó mulher enche-me a enfusa…- e lá vinha a Zulmira quintal abaixo buscar a enfusa vazia, subia o quintal, ia à adega enchia a enfusa, descia novamente o quintal deixava a enfusa ao Sr. José e subia de novo o quintal para continuar os afazeres. O Sr. José era cioso do aprumo do quintal:
- Ó mulher, é preciso podar a pereira.
- Ó mulher, é preciso capar os tomates
- Ó mulher, a alface precisa de ser colhida para ir para a feira.
E a Zulmira lá ia no seu vagar sem nunca reclamar acedendo às ordens do Sr. José.
Um dia na volta de uma das suas misteriosas viagens o Sr. José trazia no alvo colarinho uma mancha suspeita. A Zulmira indagou-o da proveniência de tão indigna nódoa.
- É sabão da barba…- respondeu o Sr. José.
- Não pode ser Sr. José, isso parece aqueles “pozes” que as mulheres finas usam – respondeu a Zulmira numa voz segura e firme que surpreendeu até ao Sr. josé.
- É sabão da barba, é sabão da barba e não se fala mais nisso. – Vociferou o Sr. José num tom de voz que não permitia réplicas. A Zulmira calou-se numa fúria que nunca tinha sentido, a vaca galega afinou a longa orelha percebendo os humores da dona. O Sr José tirou o laço, pegou na enfusa e dirigiu-se para o fundo da vinha seguido pela vaca galega. A Zulmira tinha feito á força de enxada um rego para conduzir as águas da fossa para o batatal enquanto o Sr. José estava fora, este não contando com o fundo rego caiu de frente no rego afundando o corpo em meio metro de águas pútridas e fedidas ricas em húmus para s terras, a vaca Zulmira inadvertidamente colocou-lhe a pata por cima da cabeça parando o andar lento e o olhar no fundo do quintal, abanando a cauda sobre o lombo para enxotar a mosca. A Zulmira estranhando a duração da enfusa que já devia ter esgotado foi quintal abaixo e encontrou o Sr. José afundado na merda e no mijo, já sem respirar, molhado e inerte, a vaca galega mugiu a finados…
Os anos passaram-se e a Zulmira ficou dona das extensas terras do sr. José, as estradas já estavam alcatroadas, o lar de idosos da aldeia já tinha sido fundado.
Ia pela estrada até ao cemitério decorar a campa dos seus pais e do seu Sr. José, à vinda perguntavam-lhe:
- Ó Zulmira, porque não vais para o lar, ao menos lá tinhas companhia, alguém cuidava de ti…
- Eu cá “num” preciso disso, tenho a minha galega que já me faz companhia que chegue – e continuava o seu passo quebradiço apoiado já por um cajado na berma da estrada com a galega a ladeá-la protegendo-a dos incautos motoqueiros e motoristas que aproveitavam o asfalto da estrada para se finarem nas bermas. A galega era a rocha em que contra tudo se desfazia.
 
Ensaio sobre a condição feminina

(Professores) homenagem

 
(Professores) homenagem
 
Professor/a querem roubar-te o ensino ou será que as flechas que te infringem são uma espécie de instrumentos rudimentares a dizimar a veracidade da história?
Nem o intrépido Pedro Álvares Cabral vos salva? Ele que renasce nos manuais de história com o sorriso dos Deuses invisíveis como se de repente fosse histórico o abraço que em tempos remotos deu a um povo desprotegido, com arrogâncias déspotas ?
Como cognome é coisa que sempre embirrei, chamo-lhe livremente o audaz, já que reza a história, sem que os terços tenham sido antecipadamente benzidos, que D. Pedro se encantou com a ingenuidade daquele povo bom. Que descobriu o que já existia, abrindo as comportas para a deportação de escravos oprimidos.
Desde quando isso é um feito de que nos devamos orgulhar?
Ensinai, professores, ensinai, com os vossos olhos brilhantes. Com o vosso amor à profissão que um dia abraçaram. Ensinai esse afecto feroz à história, sim… até que eu e outros meninos cresçamos e tenhamos os neurónios activos.
Para que escrevamos história de trás para a frente, sem rasuras inúteis, ou choremos a nossa história, na poesia dolente que nos sai da alma, com a afabilidade que nos caracteriza. Como se a penitência secular fosse esta malvada sina de subserviência camuflada de humildade. Ou ainda… este fado Amaliano a sair-nos das entranhas.
Não desistas da luta, professor/a. Eu admiro-te. Ensinaste-me a ver a luz que expirava nas minhas sombras. Não vergues perante o teu cansaço, Mesmo que uma Ministra de voz cacarejante vos impinja regras novas pondo em causa muito do que vos foi concedido.
Não desistas do RESPEITO QUE TE DEVEM…

(VÓNY FERREIRA)
 
(Professores) homenagem

por este rio (me) de falsos poetas

 
Algumas pessoas vivem em redoma, escrevem, tentam passar o que sentem mas de forma estereotipada. Sempre que algo lhes escapa dos versos em “grito de silêncio” lançados, de um “peito dorido” que ganha vida na morte do amado, (porque mais não sabe…) ou vice-versa inflamam-se na perca de argumentos válidos para contrapor as opiniões de que não concordam. A discordância não é um defeito, é uma virtude, é no sonho do escriba, daquele que discorda, que o mundo pula e avança, é do sonho, é da metáfora, da hipérbole, do parafrasear perdido nas aliterações e anáforas das palavras que volteiam em metas perdidas, para enfim chegar ao ponto de partida. Na redoma em que vivem na adoração do pouco que sabem e mais não querem saber esses falsos escribas reduzem o livre pensar a um egocentrismo não percebendo no deambular parco do caminho que percorrem o troço de escolhos e esburacado que pisam. São pobres na essência, pobres no sentir, fossem eles contorcionistas e até no sexo se bastavam. Mas não…
Não se bastam, porque nessa sanha que nem eles percebem o porquê, esconjuram quem deles discorda e amam aqueles que os bajulam, e bajulam os que os bajulam (isto é uma aliteração e uma anáfora mas não é uma hipérbole), exaltam a ímpia concordância, até ao dia em que um que os bajula se atreve a discordar do plágio de si próprios que vão estruturando um atrás do outro… Nem se dão conta é minha convicção e deles também… pena tenho de quem assim sente, e se exalta na discordância não tentando encontrar na plenitude do ir e do vir pontos de intersecção, pela simples conclusão que não há rectas infinitas, algures no ocaso esse traço terá que curvar ora perante a imponência e ditadura da montanha firme e hirta, ora perante a inconveniência do regato que desagua no ribeiro que desagua no rio que desagua no mar, porque quer queiram quer não, os rios desaguam no mar… é isso que eu sou, começo regato nascente, na esperança de me tornar rio… mar… oceano… quem sabe até… planeta... e mesmo assim sei que terei de voltear em torno do sol.
 
por este rio (me) de falsos poetas

tempo crocante

 
tempo crocante
 
Estranhamente, de um momento para o outro, senti a forte vontade de preencher as células de uma planilha de preto, para deixar os dados se perderem na escuridão. Se não o fossem de importância relevante, deletaria tudo para abastecer a lixeira vazia do computador. Abandonaria a cadeira e tomaria o rumo de um dia de louco com um pequeno sintoma de Alzheimer para esquecer apenas os fatores causadores de estresses, que envelhecem não somente a carne, mas também o espírito. Confesso que tenho andado preguiçosa e pensando constantemente na aproximação daquela linha que divide o século no meio, sendo que não está tão longe, três passos e já me alcançará. Percebo que é por isso que o organismo entrou em desassossego para seriedades, querendo que o corpo se aloje num banco de praça qualquer, num fim de tarde qualquer, para simplesmente ver o corriqueiro que deixei de dar atenção; aquelas andorinhas que pousam na fiação elétrica, dando à frieza dos postes movimentos de asas que se aquietam, após, pontilhando os fios como que compondo pauta musical ou apreciar aquela turma adolescente que saiu da escola deixando o ar sobrecarregado de algazarras e a calçada da praça se regozijando com os passos livres e alegres da juventude. Lembro-me agora que não poderei abandonar os óculos junto com a sobriedade dos compromissos. O grau de miopia aumentou e já ocorreram quatro trocas de lentes. A partir da década anterior, comecei a voltar a andar com a cabeça nas nuvens e não me atentei para a cegueira que se tornou cada dia mais abrangente. Nessas linhas que estou abrindo, vou percebendo que a distração por dentro dos pensamentos se fez muito presente nos últimos anos e sorrateiro chegou o esquecimento de que o tempo sempre acelera os passos mas não impediu-me de ficar parada na menina que faz pedidos às estrelas ou espera um príncipe encantado cujo cavalo perdeu a ferradura no meio do caminho e por isso está demorando pra chegar. Confesso também que escrevo alguns versos na mente e quando pego a caneta para fazer o resisto eles já se apagaram com cores, palavras e pontos. Isso sempre sacode um alerta para o avanço da idade e a vaidade estremece e se desespera. De fato, aquela linha que divide o campo se aproxima e talvez seja isso que esteja revirando os sentidos e não sei como lidar com eles, assim desorganizados. Lembro-me, mais um pouco, do que alguém certo dia me disse; que sou tão virginiana e por isso metódica-perfeccionista até na forma de respirar... E cai agora mais um pensamento; a inquietação por querer abandonar a estrutura sólida para vagabundear a ermo é porque não consigo encontrar bandeirinhas coloridas para enfeitar a tal linha... Melhor não pensar nela e voltar para os cronogramas, projetos e planilhas fazendo de conta que não ouço os passos crocantes do tempo pedindo-me para dar um tempo de apego a mim mesma...
 
tempo crocante

Sobre portas abertas e outros quetais...

 
Ah! As fantasias... Sempre fizeram parte das vidas de cada um de nós. Certo que apenas algumas adquirem o status de realizadas, enquanto que a maioria continua habitando o imaginário. Acalentando momentos conspícuos ou não, mas sempre causando frisson a cada vez que nos reportamos a elas.
E por falar em fantasias, às “ entre quatro paredes" são “ hors concours”. Apimentando relações ou satisfazendo desejos de solitários apaixonados pela própria mão, nelas vale tudo: as palavras picantes, obscenas, os gestos mais ousados num momento previamente calculado, liberação da libido em publico, transas em lugares inusitados, uso de aparelhos e por ai afora vai neste mundo cada vez mais liberal.
À procura de algo que fosse novo nesse quesito “fantasias alheias", não pensei que poderia existir algo novo, que temperasse mesmo. Algo que até então não houvesse sido fantasiado ou experimentado. Mas, achei algures, exercitada por alhures uma inusitada. Sim. Ela: a porta, ou as portas.

“ Portas, portões e portais...
portas abertas e outros quetais.
Incitando a imaginação dos poetas
até agora não dados à essas tretas...

Já pensaram na conotação quando alguém diz que vai deixar as portas abertas? Pois eu pensei. Pode ser uma porta que nunca foi aberta, ainda com o plástico da loja. Dessas portas pelas quais nunca ainda ninguém passou. Ou uma porta acostumada a deixar entrar qualquer um, já meio arregaçada e com as dobradiças tão frouxas que nem fecham mais.

“ Portas abertas são um velado convite,
a quem quiser servir-se do acepipe,
uma porta escancarada é muito chique,
dizem que por isso o Titatic foi à pique.

Mas, uma porta é uma porta e nada mais. E o dono da casa é quem decide quem entra. Não tenho nada a ver com isso.
 
Sobre portas abertas e outros quetais...

COMO AS MULHERES ROTULAM OS TIPOS MASCULINOS BRASILEIROS...

 
COMO AS MULHERES CLASSIFICAM
OS TIPOS MASCULINOS BRASILEIROS...

Nas minhas tantas andanças por aí com as irmãs, primas, conhecidas, amigas, namoradas e esposas, pude ao longo do tempo realizar uma pesquisa acurada e deveras interessante a respeito das diversas denominações que elas nos atribuem (nós, brasileiros, do sexo masculino). Vejam só:

VIADO(assim, com "i" mesmo): como uma mulher denomina o homem quando este diz, assim, na seca, que simplesmente não quer nada com ela.

BROCHA: como uma mulher denomina o homem quando este, deliberadamente ou não, ignora as investidas e insinuações dela para cima dele.

GALINHA: como uma mulher denomina o homem quando este diz que quer algo só com as outras.

TARADO: como uma mulher denomina o homem quando este diz querer fazer tudo e mais alguma coisa com ela.

CAFAJESTE: como a mulher denomina o homem quando este diz que quer fazer tudo com ela, mas com as outras também.

CANALHA: como uma mulher denomina o homem quando este lhe dá muito prazer, mas também dá o mesmo prazer para outras.

FILHO DA PUTA: como uma mulher denomina o homem que teve com ela um teretetê isolado e nunca mais ligou de volta nem para mandar um "foi bom".

BUNDÃO: como uma mulher denomina o homem quando este não sabe direito se quer mesmo ter alguma coisa com ela ou não.

SEM-NOÇÃO: como uma mulher denomina um homem quando este a pede em namoro.

LESADO: como uma mulher denomina um homem quando este a pede em noivado.

RETARDADO: como uma mulher denomina o homem quando este a pede em casamento.

CORNO: como uma mulher denomina o homem quando este já está casado com ela.

CORNO-IMPRESTÁVEL: como uma mulher denomina um homem quando este pede a separação.

TROUXA: como uma mulher denomina o homem quando este paga as contas dela (aqui portanto o homem pode muito bem ser um trouxa sem-noção, um trouxa retardado, um corno trouxa ou um corno trouxa imprestável. Raramente essa atribuição aparece solitária).

TESÃO (as mais modernosas dizem UM-TUDO:) como uma mulher denomina o homem que ela imagina que jamais ficará com ela (aqui tem um adendo: se, por um acaso do destino, algum dia desses ela vier a conhecer este um-tudo de homem, sua denominação será necessariamente alterada para uma ou mais das denominações relacionadas acima).

Sabem o que é pior? Já mostrei este texto para ao menos uma dúzia de mulheres e todas me confirmaram a correta definição dos termos. Infelizmente, ainda me deram os cumprimentos pelo bom trabalho realizado. Inclusive, uma das leitoras o fez dessa forma: - É isso mesmo, cara. Parabéns, seu viado sem-noção... -Infelizmente, essa última denominação eu ainda não conhecia. Vou pesquisar. Algo me diz que não vou gostar.

Gê Muniz
 
COMO AS MULHERES ROTULAM OS TIPOS MASCULINOS BRASILEIROS...

metafóricamente vos digo: fodei-vos!

 
se eu fosse um objecto seria com certeza, e sem margens para a dúvida, uma escova de dentes. não que eu sonhe com escovas de dentes ou que tenha prazer em olhá-las no seu mais fundo sentido de vida. as escovas de dentes, e se esticar o pensamento para vias-lácteas, pode ser de facto um objecto de prazer.
mas não é isso que me faria mascarar num destes dias de escova dos dentes.

mas se me perguntarem por quê, a minha resposta é como perguntar a um doente de alzheimer onde mora. quem? como? eu disse isso?
no fundo, e desculpe-me este aparato introdutório, a escova de dentes é uma metáfora. ou seja, todos de nós queriamos ser outra coisa, nem que fosse por um dia, uma hora, um minuto.

tenho um amigo que gostaria de ser defunto por duas horas, mas um defunto vivo.
seria como ensaiar a sua morte, saber quem vai chorar quem vai fazer de conta que, se os seus amigos da claque do boavista vieram ou é só bluff quando dizem que quando ele morrer prometem ir todos axadrezados de preto e branco.
acrescenta: quando estamos no caixão o silêncio é genuino, ainda que seja corrompido por alguém que chora no acto de nos beijar a face esticada.

também porque nunca vestiu fato completo e só nessa circunstância deixará que um costureiro lhe tire as medidas entre-pernas. o meu amigo é um inventor, e eu, por falta de tempo, reconstruo a realidade.

e se pudesse eu esta noite ser um elefante iluminado? ou um curandeiro em estado possuido? ou...esqueça! você deve pensar que eu quero brincar aos carnavais! todas as máscaras são possíveis ou impossíveis de se ver o fundo?

estudei freud ao sol da praia e quase que juro que todo o cenário em minha volta: banhistas, mar, areia, vento, crianças admirando os praticantes de pára-pente no ar, tudo isto, uma fotografia. como que um tempo parado, sem recursos de david cooperfield, apenas o livro das interpretações dos sonhos passava as suas páginas sem necessário o uso dos meus dedos, que por sinal esfriavam a cada capítulo novo.

quem não sonha vai temer um dia, alguém me disse assim que fechei os olhos para sossegar um pouco.

sonhar pode ser até um pequena-grande brincadeira dos deuses,
que por nos acharem palermas,
oferecem-nos,
sem que ninguém se aperceba,
pequenas gotas de sonho para juntarmos ao café da manhã.

e perguntais vós, acrósticos deste mundo, e eu que não tomo nem gosto de café? repito: metáfora! já ouviu dizer? claro que sim, não o considero assim tão alheio, você está aqui nesta página, não por obrigação mas por conselho de algum amigo seu.

o meu destino está reservado, não vá ele falhar de repente o seu stock.
por isso adio a minha sorte e o meu azar por melhores dias. para já, neutro.

construo imagens sobre imagens tal pintor que não tem dinheiro para comprar telas,
e que depois da obra feita,
e de se masturbar perante ela,
sobre ela,
volta ao branco inicial.

a criação dos homens partiu de uma ideia, uma ideia base que foi evoluindo e melhorada através dos tempos. os actuais retocam a geração anterior e assim sucessivamente. eu era um cavalo livre pelo campo. disto tenho a certeza.

uma dúvida: a certeza pode ser quase? eu cavalo, virgem de nunca ser montado, a galope pelas ilhas do fogo, crina escangalhada, patas com cascos. ou patas com rodas? ainda que sim, eu seria cavalo, pois parte do meu corpo e pensamento era uma carne insondável.

ao meteram-me num curral fizeram-me odiar as coisas, malogrado, a ter prazer do escuro. o cavalo que era o homem que sou. fosse eu em noites de nenhum prazer um pescador de deus.

ter terra e mar para descobrir-me-te. pago à fiança com promessas supra-imaginárias.
ter um harém de flores e plantas paras as minhas ofertas de marroquinarias.

ó realidade única, úrica e imprecisa, aparece à cena, mas não tragas as pistolas carregadas, só o pensamento. vou partir e não sei quando chego. mas, antes disso, posso ser eu mesmo neste momento? posso? então, metafóricamente vos digo: fodei-vos!
 
metafóricamente vos digo: fodei-vos!

"Coisas que só o coração pode entender"...

 
O coração do povo brasileiro é de índole bondosa.

Basta conferir nas crises repetidas pelas quais o país atravessa, e sempre ele – o POVO! – tem de apertar o cinto, fazer como Prometeus, comer o próprio fígado para colocar novamente tudo em seu devido lugar.

Alguém entende essa mansidão tão especial, quando o barco está quase afundando, e o grande povo joga água para fora, trabalhando, resignando-se... jamais se acomodando.

É claro, todos gritam, todos xingam e todos doem.

Mas, todos vão à luta, encobrindo, assim, os erros malditos que os governos vão cometendo no meio do caminho.

Quando podem, todos vão às ruas, mas depois, voltam ao seu trabalho.... porque outro não vão encontrar, mesmo. Quando podem, até choram, se enraivecem, mas estão lá, no lugar onde sempre estão, a esmolar um pouco de dignidade de quem os governa.

Numa dessas crises, há mais de 30 anos atrás, lembro que minha mãe querida, depois de um dia inteiro de trabalho na roça e em casa, caminhava, à noite, no escuro - digo, tropeçava - porque a luz era especialmente cara. Não podíamos estudar à noite, porque ninguém pagaria nossas contas de luz. Eu a observava, vendo a sua figurinha silenciosa, catando coisas, objetos, lavando louças, roupas, tudo abaixo de velas, porque não se podia gastar luz.

E a Itaipu já existia. E fora uma promessa ao povo brasileiro, de que jamais amargaríamos uma luz cara.

E minha mãe dizia: vamos poupar, para ajudar o país a melhorar...

Pois é: “tem coisas que só o coração pode entender”... e o povo brasileiro derrama suas lágrimas pelos empregos perdidos, pelo alimento tão caro, pela VIDA! que, mais uma vez se tornou difícil, porque um bando de safados achou-se no domínio do Erário público... crime de guerra, lesa-majestade.... enfim, o roubo dos sonhos mais caros do nosso jovem, que aprendeu, mais uma vez, uma lição amarga vinda de pseudo-governantes, que jamais tiveram um mínimo interesse no país e neste povo tão querido.

Enfim: FELIZ ANO NOVO!!!!

Saleti Hartmann
Professora/Pedagoga e Poeta
Cândido Godói-RS
 
"Coisas que só o coração pode entender"...

Lançamento da minha editora

 
Dando corpo a um sonho tido numa noite que adormeci bêbado pendurado pelo pescoço no bordo de uma sanita nojenta numa casa de passe lá para os lados do intendente, decidimos eu e uns sócios de bebedeiras e carrispanas várias, formar uma editora que desse voz ao singelo orgulho que assola o peito dos poetas. Decidimos dar-lhe o nome de “toque rectal, edições e outras merdas”. E “toque rectal” porquê? Perguntareis vós. Simples… O toque rectal é uma coisa incómoda (quem já o fez sabes disso) mas ser enrabado é muito mais (penso eu, outros falarão disso com mais propriedade). E como a ideia é fazê-lo aos poucos e devagarinho embora às vezes e em alguns casos sem vaselina, como pretendemos pôr-vos a pagar as edições e não nos preocuparmos em divulgar nem em distribui-las decidimos pôr esse feliz nome que me lembrei nesse fatídico dia. Sim, porque se vocês já pagaram o livro porque carga de água nos vamos preocupar com coisas chatas como divulgação, publicitação, distribuição e coisas afins? Porque carga de água havemos de nos preocupar em vos fazer apresentações condignas onde não estejamos preocupados em vender livrecos de outros autores mas sim os vossos? Sim, porque é com vocês que queremos ganhar dinheiro, não com os leitores. Os leitores é um problema vosso, andem vocês atrás deles, isso é tão enfadonho, eu fico no tal bar do intendente a beber copos e filar as coxas das gajas que pululam por lá. É que a ideia realmente fantástica é essa, tenho para mim que até devia figurar no quadro de jovens empreendedores. As editoras honestas ganham dinheiro com os leitores, fazendo divulgação, distribuição publicidade, dando relevo ao escritor, nós não, nós sabemos que vocês gostam de escrever e como tal têm o sonho de editar. Então nós a troco de uns míseros tostões mas que chegam para pagar a edição com algum lucro, cumprimos esse vosso sonho embora, pronto seja necessário o tal “toque rectal” que sabemos vos dói mas a vida tem desses sacrifícios.
Por isso já sabem, mandem-me os vossos poemas e escritos…é honesto, escreve só por passatempo e acha que não tem qualidade para ser editado? Deixe lá isso, nós editamos não se preocupe com isso, desde que pague claro. Precisa de uns livros para tentar vender aos amigos? Mas é claro, deixa ficar o respectivo cheque e leva os que quiser. Pois é, que nós não corremos riscos, essa é a sua parte do negócio. Agora diga lá, somos ou não somos uns espertalhões? E além de espertalhões ainda dizemos e escrevemos para quem quiser ouvir e ler que somos intelectuais, pois não seremos? Com ideias destas…!
Por isso já sabe, “toque rectal” é o que precisa…já plantou uma árvore? Já fez um filho? Então agora só lhe falta o “toque rectal”…
 
Lançamento da minha editora

dedicado aos poetas rascas

 
Por vezes digo que escrevo como um mecanismo excretor, e se tal for verdade as linhas que vos dedico são o exemplo último de tal. Andei cerca de um mês e meio afastado do luso por motivos profissionais e na volta dei-me conta de coisas que imbuído (quase) diariamente neste faz e lê não me tinha ainda apercebido verdadeiramente embora já desconfiando. Sempre fui contra o epíteto de “poeta” quando assim se referiam a mim porque não me considero e não o digo por falsa modéstia, não me considero mesmo. Muitas vezes neste site me pus a favor e contra correntes de opinião, com a mesma frontalidade e liberdade de pensar, sentir e me afirmar, mas chego a um ponto que me começa a ser difícil suportar. (eu tinha avisado que era excretor, se leu até agora, por favor acabe…) a mediocridade e a vilania, e o estupor com que assisto até a um comedimento para com essas pessoas que até já começam a querer cercear a livre expressão de que este site sempre foi apanágio, a começar pela regulação de comentários e outras coisas que tais. Querem poder escolher tal como num simples blog as opiniões que hão-de publicar ou não, querem atirar-nos com ramos de rosas plásticas às fuças sempre que lhes aprouver, querem escrever uma coisa que chamam eles(as) poesia onde confundem o porno erótico com escrita. Algumas chegam ao ponto de confundir plágios sem lhes saber o sentido. (Confusos? Eu explico). Por exemplo uma pessoa que começa um poema com o titulo de um livro de um escritor mundialmente conhecido como Milan Kundera, cuja obra deu um filme famosíssimo com o titulo “insustentável leveza do ser”, passa durante o poema por uma imagem descabelada de “espuma” nos olhos ou nas mãos (já não me lembro bem!) e lá pelo meio com uma letra duma canção de Roberto Carlos (ou outro qualquer), “conduz meu corpo na cama e diz que me ama” finalizando a pedir ao objecto dos seus desejos para ser "penetrada à beira mar", será que eu posso olhar para essa pessoa como alguém que está aqui de forma coerente? E que dizer de uma data de pseudo-poetas que tem títulos de seus poemas como: “as palavras que nunca te direi”, “o poema que nunca te farei” e réu-béu-béu pardais ao ninho? Depois vêm-me falar de regulação de uma administração? Mas será que ainda não perceberam que essa imagem da espuma está estafada? Que existem livros e filmes com essas coisas? Se calhar sim… ou não… porque são tão burros, lêem tão pouco que nem se apercebem da mutilação literária que estão a fazer. O pior é que não são um, nem dois, nem três a fazê-lo, são uma data deles a poluir o site com escrita de quinta categoria, e de tal forma que a partir de agora me arvoro no direito de desmascarar e classificar como tal esse tipo de escrita que tenho andado a ver por aqui. Quero ter essa liberdade, a mesma com que essas pessoas me ferem ao escrever coisas que não lhes pertencem, simplesmente porque não conseguem fazer mais, ou porque andam numa crise de inspiração e acham-se no direito de por exemplo postar letras de musicas (conhecidas!) e ainda por cima andar a fazer disso dedicatórias a tudo que é cão e gato. Poetas rascas é o que são. E é injusto o adjectivo de poetas antes de rascas, porque são rascas mesmo, só.
 
dedicado aos poetas rascas

Malditos Pedófilos

 
Não te armes em avestruz, que vive amarfanhando a cabeça na areia, numa fuga desenfreada.
Não te escondas nessa cobardia nojenta, que entope os teus poros de abutre, como se os lavasses num poço de dejectos. Assume de vez a bestialidade dos teus actos. Consegues, meu grande cabrão?
Olha-me nos olhos, canalha!
Salga-te nas minhas lágrimas, sua besta!!
Humaniza-te, estupor…!
Tu és o mais decadente horror, desta contemporânea realidade, que diariamente nos traumatiza.
Inferniza-te no inferno de onde emerges, até que te reduzas a cinzas a flutuar numa chaminé perdida.

Deixa-te ficar nos recantos malditos, aqueles que conheces bem, quando no silêncio promiscuo da noite, assaltas as tuas vítimas
Morre lá enregelado, até que os vermes te cuspam, num protesto silencioso.
Abomina a tua própria decadência, até que um anjo te raspe com uma lâmina, a consciência adulterada.
Meu reles, aproveita… renasce dessas cinzas flutuantes, penitenciando-te desses horrores.
Olha-me nos olhos, canalha!
Engole as sublevações das tuas vítimas! Engasga-te no teu próprio fel.
Não segredes em surdina os teus pecados ao vento, não assobies para o lado, porque nenhuma guilhotina te pode perdoar.
Vês algum papagaio de papel romper os céus? As mãos que o seguravam estão agora trémulas de medo, meu estupor!
As lágrimas das tuas vítimas já nem sequer correm, como o rio que atravessa o meu pensamento, que se esvaiu em estrume.
Sabes ler, idiota?
Sabes deambular nos caminhos do céu, e ver a beleza das flores silvestres, que rompem da terra com a naturalidade da vida?
Não sabes… canalha?
Porque empurras para o inferno, a inocência das crianças que espancas e violas?
Diz-me… filho da p...!
Vóny Ferreira
 
Malditos Pedófilos

Manipulação de leituras

 
Um dos fenómenos que se podem observar na maioria dos sites de literatura e, muitas vezes, nos próprios blogues é a manipulação, pelos autores, do número de leituras obtidas pelos seus trabalhos.
São postas ao dispor dos bloguistas, algumas ferramentas que permitem controlar quer as visitas diárias quer o número total de visitas nos seus blogues. E existem sites que premeiam os blogues que lá estejam registados e que obtenham o maior número de leituras em determinado dia. Lembro-me, por exemplo, da Blogstar que atribui, mensalmente, uma estrela dourada ao blogue que seja indicado mais vezes para a merecer.
Qualquer uma das ferramentas está preparada para considerar cada visita feita por determinado IP como sendo apenas uma visita, por determinado período (normalmente um dia). Ou seja, se determinada pessoa visitar um blogue, do mesmo computador, dez vezes no mesmo dia, conta apenas como uma visita (ou, no caso da blogstar, como apenas uma indicação). Os mecanismos de controlo funcionam, é um facto. Mas também é verdade que, para um conhecedor, estes mecanismos são bastante fáceis de contornar. E nem precisa de ser um profissional.
De acordo com a Wikipédia, IP é um acrónimo para a expressão inglesa “internet Protocol” (protocolo de internet) que é um protocolo usado entre duas ou mais máquinas, em rede, para encaminhamento dos dados. De uma forma clara, o nosso IP é o que identifica a nossa ligação à internet. Mantendo-se a ligação, mantêm-se o IP. Reside aqui um dos truques mais usados para manipular as estatísticas dos blogues (ou qualquer sistema que controle os IP’s, como sejam as votações on-line, etc).
Se desligarmos a ligação à internet, quando a voltamos a ligar, o sistema vai obter novo IP. Logo, se voltarmos a aceder ao site, é contabilizada nova leitura porque o IP ainda não está registado. Consegue-se assim, com muita facilidade, contornar as estatísticas, criando falsas visitas. Há ainda quem recorra a pequenos programas informáticos que permitem mascarar o IP, com o mesmo intuito, assim como sites de internet que funcionam como mascaras.
Nos blogues, este incremento de leituras (ou, em outra análise, esta falsificação de estatísticas) pode ter, como único intuito, enganar os visitantes, fazendo-os acreditar que o blogue em causa é muito visitado e que merece, por isso, ser acompanhado. Para além do incremento (falso) de leituras, pode-se também pretender receber prémios virtuais (como seja a estrela dourada da Blogstar).
Em sites de literatura, como é o caso do luso-poemas.net, o incremento das leituras ganha uma dimensão diferente. Como é um site frequentado por bastantes utilizadores, o número de leituras de cada texto será, á partida, sinónimo de qualidade. Naturalmente haverá tendência a se ler primeiro os textos mais visitados.
Também no luso-poemas, a falsificação das estatísticas está relacionada com o IP. IP’s diferentes, leituras diferentes… ou não. Porque, do acima exposto, já concluímos que se pode falsificar/mascarar o IP.
No entanto não é a única estratégia usada por alguns autores neste site.
Na página de abertura deste site constam as últimas entradas, por ordem cronológica, uma por cada autor. Colocado o texto com determinado titulo, espera-se que tenha leituras e/ou comentários. Se, passado um bom bocado, ainda estiver abaixo do nível esperado, podem-se tomar várias atitudes para manipular. Por exemplo, mudar o título. Quem sabe, um título mais apelativo chame a atenção. Ou, se o problema for falta de comentários e, se por acaso, se deixou alguma nota mais agressiva ou menos própria, pode ser que, retirando, então seja comentado.
Se ainda assim não resultar, passa-se o texto a rascunho, grava-se e, passado um bocado, voltamos a editá-lo e publicá-lo. Ao fazê-lo, o texto é (re)publicado com a hora em que o estamos a fazer (e não com a hora em que foi publicado a primeira vez). Como as leituras obtidas antes de o passar a rascunho estão contabilizadas (e o sistema não as coloca a zero), vamos ter um texto com algumas leituras (porque já as teve antes) no meio de textos acabados de publicar (e portanto com bastante menos leituras).
Suponhamos que, mesmo assim não resulta. Que se continua com pouquíssimas leituras. Então que tal enviar o link do texto a alguns amigos, seja pelo Messenger ou por mail, pedindo-lhes opinião. Ou mandar mensagens privadas a outros utilizadores a pedir-lhes que visitem o texto em causa e que dêem a sua opinião (aproveita-se e pede-se comentários, nada mais simples).
Há ainda quem recorra a outro expediente. A criação de outro utilizador, de modo a auto-comentar-se, aumentando o número de comentários recebidos.
A mente humana está cheia de expedientes. Por cada mecanismo de controlo utilizado, são descobertas formas de os contornar. A necessidade de se auto promover e de ser acarinhado pelos outros aguça o engenho, e leva a que se tomem atitudes que, quando detectadas pelos restantes utilizadores, fique denegrida a imagem inicial que se tinha de quem usou expedientes.
São, por isso, atitudes que se devem evitar. Quer porque não favorecem quem as usa, quer porque os resultados são falsos e porque não obtemos um feedback real do nosso valor.
E para terminar, resta apenas referir, para que não restem dúvidas, o que quase todos que andam nestas “andanças” esquecem – que, mais tarde ou mais cedo, tudo se sabe.
 
Manipulação de leituras

Admiro...

 
Admiro aqueles que entenderam que a vida é efêmera, e que a eternidade fixou residência em um tempo bem curtinho, e por isso, faz um pacto com a magia do momento; fogem de todos os “pós-humanos”; reconstroem a consciente loucura pelo já; recompensam o instante com a mágica da vida;
e desenham uma alma leve recheada de significados.

Admiro aqueles que viajam de mala e cuia pra dentro da vida, e transformam a vida em um renascer constante, não permitindo que lhe digam “verdades” prontas, negando, desta forma, a condição de aletófílo, pois estão convencidos que doses miúdas de conversas “tolas” rejuvenesce, além disso, sabem que um copo de palavras é o suficiente para embriagar a verdade e torná-la mentira.

Admiro aqueles que escapam das procrastinações, estas situações roubam o presente arremessando as pessoas pra longe da vida, tirando-lhes o direito de serem os heróis do agora, tornando-os, escravos da previsão futura, furtando assim, os significados do existir em vida, transferindo o viver para uma existência imaginária.

Admiro aqueles que descobriram que uma forma boa de promover tempos fecundos é se valer de pontes que ligam bem estar com magia; e que as alegrias constroem liberdades que “pilotam” o vôo da vida com a velocidade da respiração; edifica a alma e suaviza as rugas, libertando-nos da condição de refém do destino.

Admiro aqueles que minimizam as suas angústias com os acasos, aniquilando os medos e tornando os sofrimentos menores, tanto com as dores passadas, como com as expectativas futuras, descobrindo que o poder da humildade é vital, conserva a simplicidade como companheira de todas as atitudes, tornando os seres humanos resilientes e ressignificados.

Admiro aqueles que mantém a dignidade, e sem exceder na vaidade se tornam insubstituíveis. São pessoas que sabem usar sandálias de salto alto como se fossem franciscanas; que cantam desafinadas, sem preocupação, elas entenderam que o que conta é o canto e não afinação; que riem de si mesmas quando falham, a falha é humana, e somente como humanos percebe-se o aprendizado que os erros proporcionam.

Admiro aqueles que administram o espetáculo da vida sem serem asfixiados por promessas fictícias, eles descobriram a diferença entre viver e procrastinar, e entenderam que a feitura da vida não pode ser "alimentada" por postergações, e que é na necessidade da renúncia onde nos completamos, o que evidencia que a maior riqueza que se pode acumular são as “insanidades” regadas por instantes de alegrias.

Admiro aqueles que aprenderam com John Lennon que: “A vida é aquilo que acontece enquanto você faz planos”; e com a aranha compreenderam que o brilho de suas teias são esculpidas com o sereno da noite que não resiste ao sol da manhã; com a semente da mostarda descobriram que a fé pode ser mensurada; com Babel desvendaram o charme dos múltiplos, o sagrado do multirracial, e a beleza dos burburinhos...
 
Admiro...

Smartphone

 
Smartphone
 
Smartphone
by Betha M. Costa

Cheguei na loja. O funcionário atrás do balcão estava ao smartphone. Olhos hipnotizados e dedos tão rápidos no teclado quanto um virtuose de piano. Cumprimentei:
- Boa tarde!
- Boa tarde! O que a senhora deseja?
- Ah! Eu aguardo o senhor desocupar aí do celular!
- Não! Pode falar! Não tem problema!
- Então... Eu quero ver modelos de copos para personalizar e distribuir de brinde na colação do meu filho...
- Estão todos ali naquelas prateleiras a direita! Apontou o homem com o queixo, sem tirar olhos e dedos do smarth. Não crendo no que acontecia, eu prossegui para saber até onde ia aquele personagem inacreditável:
- Ei! Os copos são muito legais! Têm cores e formatos diversos...
- Ééééé... Respondeu a falar para dentro de si mesmo o sujeito, sem mexer um músculo.
- Olha! Até cheiros diferentes!
- Ééééé...
Eu fiquei zangada com o despreparo do camarada que demonstrava nem ouvir o que eu dizia, e, não dar a menor bola para minha demanda. Resolvi apelar para testar:
- Tem uns com cheiro de xixi de neném, outros cor de diarreia, outros até lembram o perfume de cravos de defuntos e mofo, né?
- Ééééé... Assentiu o patetão. Boquiaberta eu me segurei e prossegui:
- Quero cem litros dessas rosas vermelhas do tipo conto de fadas! Mas, com cheiro de dentes podres... Pode ser?
- Anhan! Pode! Pode! Anote tudo nesse bloco aqui no balcão!
- Ih! Esqueci de trazer o logo. Posso mandar por telepatia para o senhor?
- Poooode! E desgrudando uma dos mãos do celu, a outra e os olhos ainda lá; ele me passou um cartãozinho com os dados da empresa.
 
Smartphone

Kafka e o seu mestre

 
Finalmente, ontem percebi a analogia Saramago/Kafka, após terminar de ler o livro "O processo". Parece que Saramago aprendeu uma ou duas coisas com o senhor da república checa, e isso tornou-se para mim evidente após o primeiro livro que li de Kafka. Quanto a Saramago, sou um bom leitor. Não ávido, mas já li cinco dos seus livros para me inteirar do seu estilo e perceber a sua dinâmica narrativa. Quanto a Kafka, é-me praticamente desconhecido, e é engraçado que tenho o livro "Metamorfose" guardado há uns anos, e comecei a lê-lo várias vezes sem nunca conseguir terminá-lo. Há algo de estranho naquela história... Sinto que todo o ambiente cria em mim sentimentos de repulsa, que gradualmente se transformam em tédio, e não sou capaz de terminar. A história conheço-a, pelo menos os seus pontos principais, e por isso me despertou a atenção, mas ao lê-lo parece que sinto a atmosfera sufocante que o personagem deve ter sentido (que, aliás, acho que é coisa recorrente nas suas obras), e, no meio do absurdo catalisador do resto do relato, existe uma realidade caótica e transversal, que, devidamente analisada, se poderia transpor para as malhas do plausível e ensinar-nos alguma coisa.

Este é, quanto a mim, o ponto análogo entre Kafka/Saramago. Utilizar como catalisador algo absurdo e transformá-lo numa coisa plausível e susceptível de levar ao leitor uma mensagem, mais ou menos codificada. "O caos é uma ordem por decifrar", num romance em que aparentemente um homem descobre outro totalmente igual a si. "Se podes olhar vê. Se podes ver repara.", num romance onde o mundo é, aparentemente, assolado por uma epidemia de cegueira. "Conheces o nome que te deram. Não conheces o nome que tens.", num romance em que o personagem principal tem a obsessão de coleccionar identidades. Nestes mundos muito próprios Saramago criou como que um reflexo grotesco da nossa vida.

O título pode ser estranho. É. Porque é absurdo. Mas quer dizer que, julgo eu, se Kakfa tivesse tido tempo, poderia ter também criado o legado que Saramago deixou, tão vasto e intemporal. Como infelizmente não teve, terá como seu mestre o homem Português que elevou um pouco mais a literatura do seu país, onde quer que estejam. Talvez, na utopia que cada um almejava, que, pelo visto, descobri serem parecidas.

Paulo Coutinho
 
Kafka e o seu mestre

crónica de uma queda

 
Afigura-se um dia pesado, sem jeito para rimas. Compassado pelo passar das horas, o peso da negritude ameaça o andar cadente para a noite qual morte anunciada aos primeiros raios de sol, como tambores a rufar… Dá tempo que se reze aos santinhos de improviso! Sem jeito para improvisar, essa tem hora marcada.
Não há hora como a da morte. Um abraço sólido, sem tempo para arrependimentos, só esse interregno de visão passado. Um tempo que se desmorona, outro sem descoberta, ali aberto aos nossos olhos mas sem vislumbre.
Pode existir doçura nesse abraço, como um penhasco sem fim…
Ou aqueles sonhos em que despencamos de uma altura sem ver o fim da descida, só o terror de cair… E cair… E cair…
 
crónica de uma queda