Poemas

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares da categoria poemas

caderno

 
nunca me esquivei da noite por medo
mesmo quando só atravesso becos sem saída
com seus inquietante segredos e obscuridades

nem me assustam as unhas secretas das sombras
ou do vento a fustigar meu corpo empurrado
à beira do abismo

não me são hostis os fantasmas e os monstros
escondidos debaixo da cama
ou os gemidos do soalho do corredor

esquivo.me às palavras
é delas que tenho medo
do seu gosto cristais de sal
do sabor mel de flores
que sublimam.me em cilada.

deitadas no meu caderno
fingindo.se armadas de inocente paciência
à espera de serem poema.

tenho medo.

HC
 
caderno

Um abraço

 
Um abraço

Seria muito pedir-te um abraço
um abraço longo e bem apertado
que me acalmasse o coração
e me confortasse da tua ausência

Olha amor,
já tarda minha alegria por ver-te
Minha paz
em sentir-te nesse terno abraçar
Minha alma,
se tu soubesses, tão pequena
desnutrida com falta de ti e do teu carinho

Coisa pequena e simples
quase sem importância
que me salvaria a vida
desta vez tão fraquinha

Um abraço apenas para ressuscitar a minha vida

Eureka
Oeiras, 18 de Dezembro de 2016
 
Um abraço

Magna Carta

 
Magna Carta
 
Chegou a noite,
meu doce amor,
há peixes dançando por dentro das estrelas;
há anjos nadando no fundo dos mares;
há pássaros correndo nas estradas de terra vermelha
e amantes flutuando no espaço.
é este o milagre da vida:
o poema que o Universo escreve em todas as eras.
e tu
e eu
com olhos de crianças que nasceram agora
apenas nos limitamos
a contemplar o girar da saia do mundo
num beijo
donde salta sublime
uma lua que se despiu
para que Deus lhe devolva o paraíso...

Luíz Sommerville Junior
 
Magna Carta

Teu corpo ave cinzenta

 
Teu corpo ave cinzenta simulou um voo

ao encontro dos deuses, mundo dos "ses",

em movimento pendular: ser e não ser,

cintilando ao retornar pela última vez

o corpo brotou manancial de água fresca

sobre suave tapete de plátanos em flor

sem cuidar de saber se ao partir voltaria:

eclipse ou expressão circular da geometria

teu corpo ave cinzenta aninhou uma última vez

no meu colo, e ali ficou, delicada, serena forma,


depois despertou tão naturalmente naquele dia,

que deixou a ilusão de ser eterno – não seria…?



arfemo
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http//asedadaspalavras.blogspot.pt
 
Teu corpo ave cinzenta

prece de perfume

 
entorte minha alma com gestos geométricos
multiplique o fel, os sentidos, as facas.

oferte-me o beijo de Judas até a face perder a inocência
escreva temporariamente coisas de falar...
depois queime metade grego, metade egípcio.
à meia voz, minta como toda boca faz.
com suavidade estudada
desorganize meus nervos, povoe o sangue.

mude o verbo de lugar, separe-o do sujeito.
com uma vírgula alva para não viciar a palavra
apreenda o afago das linhas
que em noites sem cor atravessam o papel

empunhe uma fé, pelo fogo, pelo ar, pelo mar.
enquanto lapido abismos
com o quê os canivetes suíços ensinam

prepare o prato para tua poesia que pede roubo,
garganta inundada de lembranças.
declama a fina ameaça de fazer vento aos jardins
como se fosse prece, desenho de perfume.

Vania Lopez
 
prece de perfume

A Menina que Mora em Mim

 
A Menina que Mora em Mim
 
 
tom chambers photography

Com que ingenuidade tanta
tem pena de mim
que não sendo mais flor
estou fruta madura
que sequer a alimenta!

de olhos diáfanos
no meu ocaso
a menina que sofre em mim
move alegrias no moinho
por que bem sabe que rios de elegia
não me fluem por acaso...

com que riso, com que choro
faz um inciso em meu peito
sem nenhum respeito?

Nada !...poderá arrefecer
esse chão escaldante
de obrigações e deveres
que ainda tenho que galgar...


Oh!...Não cresça!
Menina que brinca em mim
permaneça pequenina
até que a fruta que sou
apodreça!

Maria Lucia (Centelha Luminosa)
 
A Menina que Mora em Mim

correio expresso

 
martelaram os batentes do portão
em vez como de outras vezes
envelopes na caixa do correio,
habitação dos acumulados

acordar assim??, ninguém merece!

flamejada de ira abri a janela
par em par até onde a vida pode chegar.

trazias tuas mãos embrulhadas
em papel ainda conservado
onde podia.se ver um lacre brilhante.
coisas de pouca importância
coladas as todo o escupe
para ficarem curadas no todo sempre.

só que por dentro o fingir
escurecido e mudo
a sempre "cantiga do bandido".
tão gasta como o granito da rua.

infinitude colocada, colada
traz cansaço, impõe importante estudo

serei eu a inesperada?

premissa

já não tenho batentes no portão.
 
correio expresso

Não sou poeta.

 
Não sou poeta nem sei o que escrever, quis o acaso que aqui viesse ter, mas agora vou ter que escrever!

Passei na tua rua escura,
ouvi os teus lamentos,
senti tua alma em amargura,
e vi nela os teus tormentos.

Deita tua cabeça em meu peito,
descansa na minha mansidão,
pode ser que sintas o efeito,
da força do meu coração.
 
Não sou poeta.

Só o leve e o livre voa

 
Nas mãos
levas o vento.
Enlaça-lo na harmonia
das árvores.

Levas na boca,
o jeito dos trevos.
Numa dimensão avivada.
Ao lugar da memória.

Da palavra que soa.
Com dom de criança.
O silêncio provém.
Só o leve e o livre voa.  
 
Só o leve e o livre voa

Tragédia

 
Porque torno a te escrever se teus olhos verdes não irão ler
Pois não se trata de escrever o que fomos tu e eu, certo dia
Fosse pela tragédia de alguém que contasse alguma história
Mas sou eu o que amanhece de olhos úmidos a cada manhã
Como me pesa ter as asas úmidas, como me pesa esta pena
Minha tragédia, razão do abismo, foi não poder despedir-me
Não poder como a quem parte, desejar boa ventura, vá bem
Foi apenas um adeus caprichoso, mas que nem mais importa

Não se conhece o que há depois da morte, qual sorte d’alma
E depois que fechastes os olhos, ainda há cor? Ou há rumo?
Aqui a tragédia decora o quadro e a caminhada fica tortuosa
A lembrança é uma síntese vermelha, cravos sobre as águas
No papel manchas negras para ocultar essa dor sem sentido
E volta-se ao velho livro já lido uma e outra vez e mais vezes
Que mesmo assim vai murchando qual secam as flores rosas
Na paisagem crestada que, então, tem orlado minha estrada

Com remos de palavras venho remando entre ondas escuras
E as sombras podem se confundir com o alento e com flores
As flores que se alimentam de lágrimas, sem nunca ter nome
Dos nomes e nomes que eu disse depois e só chamei o vazio
Por vezes os poetas inventam palavras e as palavras mentem
Ouvi teu nome e não estavas quando a morte bateu à porta
A lembrança é a síntese de tudo, do olfato, do gosto, da pele
É também da tragédia, o dia seguinte que jamais se quis ver
 
Tragédia

desdoer

 
 
o cansaço dói
por isso fico agora a doer lentamente
como fio de cabelo
em refastelo com a brisa.

doer não é difícil

- dói-se quando se vê
estrelas mergulhadas em manto
noturno ou quando
folhas secas arrastam-se na calçada
e até quando pedras
se rolam pro abismo.

é tão intensa a dor de ver
o mar esticar suas ondas
até à areia tanto quanto
olhar o córrego lavar os seixos.

n' outro dia a dor percorreu
forte o alvorecer quando
uma flor se abriu para
receber o orvalho e o sol
surgiu para fotografar.

o tempo passa trazendo
e deixando dor nas covinhas
infantis e nas rugas anciãs
e até quando o semblante
pensante de uma senhorita
se enquadra na janela.

como confetes a alma rasga-se
em pedacinhos quando a lua
expande-se como se quisesse
engolir a Terra e esta sucumbi
doloridamente à atração de se
derreter em mar de prata...

tão viciante como o vinho
doendo sua cor na perfeição transparente
da taça é a necessidade
de continuar a doer-se...

difícil
é desdoer
 
desdoer

Poema em aberto (dedicado a todos os poetas do luso) reed.

 
Entrei,
Na porta estava escrito:
“Recital Luso Poetas”
A sala estava quase cheia, muitos ainda
iriam chegar para constar nessa lista
Reconheci alguns nomes:

adelaidemonteiroanamartinsalbertosalbertodafonseca
ângelalugoangélicamattosajaraujoalentajanaalexis
analyraanimarolimantoniormartinsanacoelho
antoniocasadoamanduamiciamoraarfemoavozita
bethamcostablueberrybeijaflor76bernardonbranca
camelodasquintascarloscarpinteirocarlosricardo
caopoetaceliacccintiacoconceiçãobcoletivocherry
cristovaodakiniedilsonjoséeduardasemontepuez
eunicecontentefatimaabreufatinhamussafatofhatima
franciscocarlosfredericosalvoflyglpfogomaduro
gildeoliveglóriasalleshaeremaihelenderosehisalena
henricabiliohenriquepedrohorroriscausajuliosaraiva

joseantonioantunesjoseluislopesjosésilveira
josémanuelbrandãojosetorreskryssfourkarlabardanza
ledalgelucianolilianajardimlilamarques
luisalpsimõesmarciagrossimargaretemarciaoliveira
marialuzmagentamarianamariaverdemimmassarimiriade
morenomoura365nandanitoviananorbertolopesonix
onovopoetapaulabaggiopaulogondimpaulogeraldo
poesiadenemoquidamrosafogo
re)velatarommarosadesaronrosy
roquesilveirasamanthabeduschisandrafonseca
sandrafuentessaozinhasommervillestereasoamiga
sofiaduartetâniamaracamargotrigoulyssesveríssimo
varenkavergiliovónyferreirazipper

Silencio!
O recital vai começar!

"Poesia em aberto"

Os dias não são mais brancos
São pintados pelos que aqui estão
Se tornaram de uma beleza esmagadora
E ao cair da tarde
Subitamente
As noites se tornam eternas
Os dias com suas noites
Acariciam as idéias
Como uma flecha
Esse chão onde cresço
É um chão nunca vivido
Onde os dias não se rendem
As palavras brotam
De todas as mãos
Se juntam, fluem, mudam
É um chão entre aberto
Onde o amor esta sempre pronto
Um poema escrito a várias mãos
Pois nesse solo sempre
Vai vingar mais um
É puro movimento
Almas que amam
Se alguém tentar traduzir
Não se entenderá mais nada
 
  Poema em aberto (dedicado a todos os poetas do luso)  reed.

Ode Aos Doidos

 
Sinto perto de mim uma sombra
Que pouco a pouco me envolve;
Confesso que isso me assombra
Pois algo me furta e não devolve.

Talvez corrompa a minha alma
Ou quem sabe me leve o sonho.
Sei é que ando a perder a calma
Por isso eu tresdobro, tristonho.

Sinto esvair-se minha ingenuidade
Quando interajo com suínos e símios,
Com certos muares (de verdade)
Que acham os próprios relinchos exímios.

Talvez eu seja o culpado pelos tormentos,
Pelos copos que se enchem e transbordam.
Plantei tempestades, hoje colho os ventos
Dos tecidos cosidos por mãos que não bordam.

Mas nem por isso deixarei de dar os meus recados,
De gritar para aqueles pobres que não tem juízo:
Que Alá escolheu aqueles que não teriam pecados;
Por isso os doido terão lugares certos... No Paraíso.
 
Ode Aos Doidos

Ode à Anta

 
Quanto mais eu rezo
Mais me assombro e me atormento.
Já fiz de tudo: Mandinga, simpatia,
Joguei letrinhas num dia de vento
E nada disso me adianta.

Por exemplo:
Persegue-me gente pequena,
Uma lenta e pesada Anta,
Uma amálgama de Hiena,
De Verme e de Jumento.

Sei que é só um Sancho Pança,
Um cérebro retardado de criança,
Cérbero ladrando, vigiando o portão
Dos infernos,
(Olha que anda a Anta a fazer versos)

A proteger uma nanica Torre
Já quase tombada
Onde uma bruxa má e podre,
Exalando vis vapores fétidos,
Vive rosnando, de mãos dadas
Com uma senhora decante,

Uma mal-cheirosa Harpia,
Ser horrendo de afiadas unhas e dentes,
Criatura velhaca de mamas pendentes,
Metida a ser a escriba mais sábia,
Cheia de semântica e de sintaxes.

Porém onde toca o seu dedo da mão,
Faz mais mal do que o cavalo de Átila
Que, diziam, onde tocavam suas patas
Não nascia mais relva no chão.

Recado para a gorducha Anta Quadrada
Que vale também para Hiena Fedida:
Vão lá vê se estou na esquina
E vê se tomam vergonha na cara.

Despeço-me com a alma ferida,
(Chega-me correr uma lágrima rara)
Daqui, do topo dessas árvores,
Dos possíveis... Covardes.

Ass: Macaco das Araras.

Para melhor compreensão do texto.

Anta:

A anta ou tapir, maior mamífero da América do Sul, é no entanto muito menor que seus parentes da África e da Ásia. Teorias recentes buscam a explicação para este fenômeno na última glaciação, quando a América teria secado demais para permitir a sobrevivência de animais de grande porte.

A anta chega a pesar 300 kg. Tem três dedos nos pés traseiros e um adicional, bem menor, nos dianteiros. Tem uma tromba flexível, preênsil e com pêlos que sente cheiros e umidade. Vive perto de florestas úmidas e rios: toma freqüentemente banhos de água e lama para se livrar de carrapatos, moscas e outros parasitas.

Herbívora monogástrica seletiva, come folhas, frutos, brotos, ramos, plantas aquáticas, grama e pasto. Pode ser vista se alimentando até em plantações de cana-de-açúcar, arroz, milho, cacau e melão. Passa quase 10 horas por dia forrageando em busca de alimento. De hábitos noturnos, esconde-se de dia na mata, saindo à noite para pastar.

De hábitos solitários, são encontrados juntos apenas durante o acasalamento e a amamentação. A fêmea tem geralmente apenas um filhote, e o casal se separa logo após o acasalamento. A gestação dura de 335 a 439 dias. Os machos marcam território urinando sempre no mesmo lugar. Além disso, a anta tem glândulas faciais que deixam rastro.

Cérbero:

A descrição da morfologia de Cérbero nem sempre é a mesma, havendo variações. Mas uma coisa que em todas as fontes está presente é que Cérbero era um cão que guardava as portas do Tártaro, não impedindo a entrada e sim a saída. Quando alguém chegava, Cérbero fazia festa, era uma criatura adorável. Mas quando a pessoa queria ir embora, ele a impedia; tornando-se um cão feroz e temido por todos. Os únicos que conseguiram passar por Cérbero saindo vivos do submundo foram Héracles, Orfeu, Enéias e Psiquê.

Cérbero era um cão com várias cabeças, não se têm um número certo, mas na maioria das vezes é descrito como tricéfalo (três cabeças). Sua cauda também não é sempre descrita da mesma forma, às vezes como de dragão, como de cobra ou mesmo de cão. Às vezes, junto com sua cabeça são encontradas serpentes cuspidoras de fogo saindo de seu pescoço, e até mesmo de seu tronco.

Harpia:

As harpias (em grego, ἅρπυιαι) são criaturas da mitologia grega, frequentemente representadas como aves de rapina com rosto de mulher e seios[1]. Na história de Jasão, as harpias foram enviadas para punir o cego rei trácio Fineu, roubando-lhe a comida em todas as refeições[2]. Os argonautas Zetes e Calais, filhos de Bóreas e Orítia, libertaram Fineu das hárpias, que, em agradecimento, mostrou a Jasão e os argonautas o caminho para passar pelas Simplégades[2]. Enéias e seus companheiros, depois da queda de Tróia, na viagem em direção à Itália, pararam na ilha das Harpias; mataram animais dos rebanhos delas, as atacaram quando elas roubaram as carnes, e ouviram de uma das Harpias terríveis profecias a respeito do restante de sua viagem. [3]

Segundo Hesíodo, as harpias eram irmãs de Íris, filhas de Taumante e a oceânide Electra, e seus nomes eram Aelo (a borrasca) e Ocípete (a rápida no vôo)[4]. Higino lista os filhos de Taumante e Electra como Íris e as hárpias, Celeno, Ocípete e Aelo[5], mas, logo depois, dá as hárpias como filhas de Taumante e Oxomene[1].

Átila:

Átila, o Huno (406–453), também conhecido como Praga de Deus ou Flagelo de Deus,[1][2] foi o último e mais poderoso rei dos hunos. Governou o maior império europeu de seu tempo desde 434 até sua morte. Suas possessões se estendiam da Europa Central até o Mar Negro, e desde o Danúbio até o Báltico. Durante seu reinado foi um dos maiores inimigos dos Impérios romanos Oriental e Ocidental: invadiu duas vezes os Bálcãs, esteve a ponto de tomar a cidade de Roma e chegou a sitiar Constantinopla na segunda ocasião. Marchou através da França até chegar a Orleães, antes que lhe obrigassem a retroceder na batalha dos Campos Cataláunicos (Châlons-sur-Marne) e, em 452, conseguiu fazer o imperador Valentiniano III fugir de sua capital, Ravenna.
 
Ode à Anta

Hino Sente

 
Eu não quero sentir

que já vi tudo, todas as imagens presas na retina,
todos os cheiros a flores e frutos, esgotos,

o sabor a tudo
não quero saber ao que sabe
nem ao que soube,
o saber de todas as bocas, e comeres.

Eu não quero sentir
que já tentei todos os frios e calores,
toquei,
apertei todas as mãos,
abracei todos os abraços, o ardor das bofetadas;

o gosto,
cada desgosto.

Eu não quero sentir
que tenho mais memórias
do que terei histórias.

Eu não quero estar no posto
alto, imposto
pelos poentes rubros, à chuva, sob neve e nuvens;
no pó que brilha à luz,
que uso e abuso, certo de ser nada.

Esse sentir,
não quero.
 
Hino Sente

moledo em agosto

 
tapo o sol com as mãos
porque não consigo
agarrar o céu

que mais se faz
quando se tem seis anos
quando o corpo

é tão sincero
quanto a espuma
a areia e as conchinhas

que colhemos
como aos dias
de horácio

que nunca saberei
quem foi mas sei
que o sal dá sabor e a vida

é ontem hoje e amanhã
como os retratos com pó
do vovô manel que

está sozinho desde maio
e eu gosto tanto
de o recordar assim

a desenhar faróis
na nossa tenda
indiferente ao ruído

de gaivotas como
a titi do biquíni azul
com a boca cheia

de bolacha americana
e de conselhos úteis
como vamos para

a sombra sai dessa
água despacha-te
é tempo de ir embora

e o ruído de repente acaba
já não tapo o sol
já não vou agarrar o céu

o caderno do vovô está
com pó na estante a titi
cala os silêncios dela

ainda tenho aqui um resto
de sal conchas e dias
hoje amanhã e sombra
 
moledo em agosto

Regressarei a mim

 
No prado verde o murmurejar dos ciprestes perfuma a voz da natureza numa busca contínua como se os sussurros se prendessem à alma numa linguagem maternal, arrastando o som para dentro, assim como que a misturar-se ao sopro quente da melodia do coração, a embalar a quietude, a descer suavemente ao mais profundo do ser, para mergulhar dentro do suave e doce reflexo da eternidade.

Tateio as margens apertadas no peito, e sinto o sacudir da felicidade beber a esperança, como se o sabor do dia me fizesse regressar ao lugar mais profundo de mim, regresso aos meus sentidos e sinto o som da paz rasgar as marcas todas do tempo e o que vejo tem a dimensão do sobrenatural, é como se um milagre vestisse o instante, me tomasse nos braços e fecundasse em mim as sementes generosas de todo o porvir.

Sinto o vaguear das andorinhas numa dança plena, é como se a coreografia ensaiada no improviso tecesse todas as formas de amar e tocasse o fôlego da humanidade numa respiração inspirada pelas coordenadas do Criador.

Quero abrigar-me neste lugar Celestial, espargir o brilho de todo o meu contentamento e em agonizante felicidade, sentir a força da água e do fogo irromper em cada poente, como se a linha do horizonte tatuasse em mim as cores novas de todos os entardeceres.

Regressarei a mim, sim, a cada dia deixarei a ternura evadir-se, escutarei a voz doce e melodiosa que me conduz os sentidos inflamados, como se a vida fosse um bater de asas a contemplar o sonho dentro da inspiração dos dias, e mergulharei às minhas águas profundas para sentir o doce aconchego da existência.

Alice Vaz de Barros
 
Regressarei a mim

 
Na lentidão dos dias
Começo a sentir o pó
Que vai assentando em mim

Tudo está a ficar gasto
Ao meu redor
Até as sombras
Que recordam alegrias

Olho para mim
E gosto das rugas
Que vão aparecendo

Sinto a chama intensa
Dos sonhos
Que não deixo apagar
E sinto o amor
A paixão
A vida!

Sinto-te a ti…

Como sinto
O cheiro da terra
E do mar
Perto
Longe
Aqui
 
Pó

___ refazes o tempo

 
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Ceifando as águas que resistiram
à luz do vento
vi-te pela transparência das rosas
pensamentos em abalo continuado
cingindo alguns arrebatamentos
de dentro para fora
alvoroço constante fixo
como o ar deslocado das palavras.
abundância
perante esta insensatez que persegue e desentranha
cantos opostos
internos
eternos

transformas-te refazes o tempo
com outras cores
esse nó
que a garganta esconde

refulge na assimetria de mais um traço
de mais um dia
afinal habitas o espaço
e o desiquilíbrio que devora o nome.

o corpo
funde-se com o crepúsculo.

(Ricardo Pocinho – O Transversal)
… tempos entre o céu o inverno o inferno
 
___ refazes o tempo

Soneto do homem só II

 
Chegou teu companheiro de viagem
Que sai da casa ainda adormecida
Sem nada de importante na bagagem
E volta cochilando p'la avenida.

Chegou teu companheiro de pilhagem
Que sai de casa feito uma criança
E volta carregando na roupagem
Destroços luminosos da esperança.

Um pouco de teu fôlego e lugar,
Do que sequer consigo imaginar,
Resquícios que me sobram de nós dois:

Calçadas, alamedas e desvios
Que em vão nós percorremos erradios
Sem nada o que deixarmos pra depois.
 
Soneto do homem só II