Senhores do Mundo
Venham ó senhores do mundo,
de braços dados com vossas damas,
beber uísque e comer caviar
sobre o cadáver esquecido ao relento,
sobre as crianças prostituídas
e mortas de fome, que abandonaram
a infância em busca de pão.
Venham ó senhores e suas senhoras,
contemplar o mundo que vós construís,
ver que depois da chuva
a enchente levou o barraco
(e onde foi parar o arco-íris?),
ver que depois da chacina
"Só Jesus expulsa o demônio das pessoas".
No fim da festa pomposa,
o que restam são seus restos.
Restos homens e restos mulheres
que se banqueteiam debaixo de marquises
das lojas que Vós, ó senhores e senhoras,
pagam a mais valia de vossos orgulhos.
Vamos senhores e senhoras, esqueçam
o que dizem os letreiros do aeôn,
beijem as bocas podres da mentira,
ajoelhem-se diante de seus ídolos
(Eles são ofertados para a plebe
numa liquidação e parcelados em 24 x com juros).
Vão para a igreja rezar pelos seus pecados,
chupem o pau e os seios
de sua própria vergonha!
Depositem mísera angústia
na caixinha do altar...bebam a felicidade plástica,
doem o que já é velho, ineficiente e fora de moda.
Enquanto eu...
...lamento minha derrota no boteco da esquina.
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O Peso do Céu
Um dia as nuvens caíram,
o sol, triste, não mais reluziu,
quebraram-se ao bater na terra
e o sonho jamais se cumpriu.
Na busca pela cura de minha dor
também quis voar pelos ares,
mas sem asas me arrasto apático
em meus cegos e próprios males.
Tentando entender se errei,
vaguei pelo lado escuro da vida,
toquei minha guitarra com ódio
e lambi minhas próprias feridas.
Um dia as nuvens caíram
e a lua não mais me sorriu,
um frenesi rítmico ecoou
e o peso do céu me atingiu.
Na ânsia de conceber o universo
prostrei-me e roguei a chorar,
tropecei e sujei os meus versos
no ato insano e falso de amar.
Rio de janeiro, 27 de maio de 2003.
Jardim da Solidão
Hoje vou colher a rosa do meu jardim,
tocar o espinho e ver de perto
o toque certo pra me ferir.
E pactuar tanto sofrer, tantas angústias,
para ouvir o quanto sofre a rosa triste,
do beija-flor que a penetrou com o seu beijo
e abandonou-a no jardim da solidão.
Depois eu vou tornar-me rosa em meu jardim.
Criar espinhos e ter ao certo
um ideal pra te ferir.
E vou chorar junto da rosa esquecida
que tem as pétalas e sonhos pelo chão.
As rosas ferem, mas também são mui feridas
são raptadas das roseiras por paixão.
São Gonçalo, 2005.
O Algoz Assassino de Sonhos
Em meu peito
existe um coração
que espeta,
como os espinhos
das rosas frescas
colhidas do jardim
da desilusão.
Em minha alma,
há um verso
de Piaf que reverbera:
"Balayés les amours
Et tous leurs tremolos
Balayés pour toujours
Je repars à zero ...".*
E diante disso,
pavorosa quimera
me abraça em pesadelos
no lençol amargo
da solidão.
Sensato e algoz
assassino de sonhos,
vulgar coveiro,
catalepsia,
lágrimas de sangue,
abstinência e vãs
orações proferidas.
Suor noturno,
inferno e céu,
anjos e demônios
sopram culpa
e penitência...
e penitente o poeta
segue dolorido
com o peito
estremecido
em caminhos dantes
já trilhados.
São Gonçalo, 23 de fevereiro de 2011.
(*) trecho de Non Je Ne Regrette Rien, interpretado por Edith Piaf.
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Parceiro da Solidão (Ode ao Velho Safado)
Parceiro da solidão?
Neste quarto apertado
Não me sinto só...
392 discos de vinil
223 CD’s
5 garrafas:
Run Montilla
Cachaça 51
Steinhäger
Licor Estância
Cachaça Magnífica
Alguns livros:
Bukowski
Rodrigo Santos
Rod Britto
Jack Keroauc
Antonio Tolissano
Revista Rolling Stone
Sobre a bancada onde bebo
E escrevo este poema
Meu velho violão
O meu colar Pataxó pendurado na janela
Na parede:
Iggy Pop se contorce
Michael Stype me rejeita
Jim Morrisson me abraça
E dois Wellington de Sousa me enlevam
Tenho o meu mundo de loucura
Minhas dimensões paralelas
Não tenho mulher
Não tenho cão e nem gato
Tenho a velha bailarina de porcelana
De minha mãe
Nick Cave sussurra em meu ouvido
Hoje não tem mensagem no celular
Tenho que fazer compras
Comprar carne e cerveja
Não tenho cartão de crédito
Nem crédito na praça
[a praça me odeia]
Fé eu tenho
Mas não na humanidade
Não tenho dinheiro
Nem carro para buscar companhia
Mas tenho a minha cara-de-pau
Para encarar o mundo do meu jeito.
São Gonçalo, 08 de outubro de 2009.
(bebendo cachaça com guaraná após ler "O Amor é Um Cão dos Diabos", de Charles Bukowski).
Espinhos II
Há no meu peito espinhos,
e não sou flor, não sou rosa,
nem erva, nem nada!
Sou um poeta maldito,
um cão vira-latas que trôpego
ouve o chamado da estrada.
Talvez eu tenha culpa
de beijar a noite na boca
e escarrar na face fria do sol,
pois, já não há melodia
na música em que outrora
compus feliz no arrebol.
Frio e filho da madrugada
fria, entoo meus negros descompassos,
e sigo ferindo no meu caminho canhestro
a vida lúdica que eu mesmo desfaço.
Espinhos no peito, eu todo espinhos,
sou o ejaculador de desesperanças
da minha alma morta que
me vomita nessa mundo sozinho.
São Gonçalo, 24/08/09
Suave é a Tarde
Suave é a tarde
que se despede com a brisa.
Pássaros, grilos saúdam
alvorada alvoraz
de meus sonhos despedaçados.
Suave toda carne cortada
e todo sangue derramado
no véu aveludado de poeira do asfalto.
Os sorrisos de terceiros,
os gritos das crianças,
os sons dos saltos
na calçadas partidas,
a buzinas ensurdecedoras
que violentam tímpanos,
o querer e o não querer,
a dúvida do ir e do vir,
a esperança enlatada e
exposta nas vitrines,
o urro e o silêncio momentâneo.
Ah, suave a inspiração
que ameniza suavemente
o viéis da desilusão.
Praça do Rink, Niterói, 03 de outubro de 2007.
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A Um Cão Vadio
Te compreendo amigo.
Vagas a sós a mendigar
comida e carinho.
Os olhares se privam
de sua presença.
Já não lates a estranhos,
não corres atrás de pneus
ou te escondes de rojões.
Sobrevives solitário e apático
dentro de seu território demarcado.
Tu és magro, amigo,
de dar dó.
Seus pêlos brancos, empoeirados,
curtos e desgastados.
Focinho fino, olhos negros
e tristes
sem nenhuma consoloação...
És como a lua encoberta
pelas nuvens,
que já não te inspiras fé,
para saudá-la
com seu uivo.
Niterói (Praça de São Domingos), 28 de setembro de 2006.
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A Uma Árvore Morta
Ergueu-se sobre o asfalto seco,
ao lado de um rio imundo,
com as copas crispadas
a ofenderem o céu.
A passarada a rejeita,
os insetos, dela, já não se nutrem.
Seu tronco áspero cinzento,
tal qual um cadáver embalsamado,
que resvala contra o tempo
atrai os olhares dos poetas
e afugenta a atenção dos passantes.
Ah, ardor que penetra minha alma,
tristeza que rasga e fere o coração.
Frígida, entorpecida, pétrea árvore,
ofereço de meu corpo sem emoção
o meu morno calor e minha alma torta
num abraço heróico, ó compadecida
escultura de natureza mórbida
erguida em riste, com devoção.
À triste e solitária árvore morta,
entrego-me com adoração.
Alcântara, 27 de janeiro de 2008 (Numa nublada tarde de domingo).
O Comedor de Moscas
Ontem comi uma mosca.
Hoje porém, comi outra.
Por mais repugnante que seja tal rotina,
por mais que as moscas avarentas
venham zunir em meus ouvidos,
engulo-as com freqüência.
Aquela criaturinha mesquinha,
com sua índole audaz,
acaba por viciar-me.
Seu pus torna-se mel.
Mel que escapa pelos cantos da boca.
Por rejeição seria?
Como suas moscas!
Mas coma com muito orgulho.
Pois quem vê-lo comendo uma,
lhe oferecerá outra,
que ele mesmo tem em engolir!
img: "Chaise vide" de Marc Dubord.
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