Poemas, frases e mensagens de leonardalmeida

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de leonardalmeida

Perispírito

 
Descobrir-te
saber quem tu és
depois de tanto crer
e através,
dos olhos da alma
enxergar-te
sem precisar ver.
Apenas te sentir
como sentimos a presença de encostos,
anjos e demônios
Que teu espírito me possua
e tua ausência se materialize
em meus sonhos
Para em tua essência te encontrar
e depois,
me exorcizar.
Num quarto escuro como a noite
com nosso corpo deitado em cruz
Numa cama branca, etérea, lunar
quente e abençoada com nossa luz
 
Perispírito

pretérito imperfeito

 
lembro de você
no meu quarto
todos os dias
toda minha
toda nua
teu sorriso
tuas pernas
teus seios
teus lábios
teu umbigo
tão sexy
e parecia tão pura
te colocava na parede
te olhava
te cobria
te venerava
masturbava-nos
e nus novamente
nos imaginava
te gozava
e quando você caía
te recolocava
no alto da minha parede
altar dos meus prazeres
e novamente me deliciava
te tocava
na praia
ou no deserto
do poster da revista
deitado na cama
ou no deserto
da inquietude
da juventude
da minha vida
 
pretérito imperfeito

esfumaçado céu da boca

 
me preparo pra ser lançado violentamente à rua
junto com a fumaça, uma cusparada direta
dos brônquios acesos da viciada urbe
aos olhos injetados de um transeunte

e enquanto eu planava em queda livre
ela flanava vagarosa no ar
até se encontrar com as baforadas do ônibus,
da fábrica e do bar

dou um tempo e acendo um cigarro
a fumaça que expiro me faz pensar
que não é só a gente que consome o planeta
ela também fuma nossa existência
não é sua culpa, ela foi viciada
antes de você, de mim
da alma virar maço e ser industrializada

enquanto acesos
o mundo friamente nos inala
em compulsiva e dissimulada calma
consome vida e excreta fumaça
fotossíntese ao avesso
depois joga a guimba na praça
me torno também seu veneno
pessoas fumam diariamente
eu causo dependência, asma e pigarro
pra não ser tragado rapidamente
mas prefiro ser o prazer de alguém
do que o catarro escarrado pelo mundo
na cara de um zé ninguém

e enquanto não me apagam
e o mundo não morre de câncer
no esfumaçado céu sem estrelas
espero, queimo teimosa e lentamente
um cigarro amargo apenas
ardendo em brasa indecente
estuprando pulmões
se alimentando do alheio ar
esperando o beijo molhado
da próxima boca
que irá me tragar
 
esfumaçado céu da boca

Sexcelsior

 
se do amor tudo surge
surge especialmente o sexo
mesmo sem nexo
convexo ou retilíneo
público ou escondido
inédito ou com tédio
e até com rancor

doce ou venenoso
com gosto ou disgosto
no frio ou no calor
mas é sempre gostoso
até com odor
do sexo pode surgir tudo
até o amor
 
Sexcelsior

carvão

 
de choro embotado em lágrima
feito ferida estancada em sangue
ardem os olhos em brasa
impedindo que eu os arranque

veio súbita como a morte
a chama fez do corpo um abrigo
não quero que ninguém se importe
só a sombra queimará comigo

quero uma cerveja gelada
mas não tem ninguém pra servir
há cura melhor que a ressaca
para um mal que só se pode sentir?

nada sai ileso da espada e dos braços
desse anjo sereno que veio
restam apenas os pedaços
de um amor quebrado ao meio

desilusão é tijolo duro
o ego cimenta a angústia
ergo em mim mesmo um muro
recalcado de lamúria

o corpo é o carvão da alma
que o consome em gozo nas piras
de luxúria, paixão e do nada
o coração se afoga nas cinzas
 
carvão

cigarro

 
me preparo
pra ser lançado
violentamente
ao ar
junto com a fumaça
eu caio
ela levanta
e se encontra
com a do carro,
da fábrica e do bar

o mundo me inala
com força e calma
desesperado
me agarro
em alguém
ou algo
causo pigarro
pra não ser tragado
completamente

esfumaçado espero
queimo lentamente
cigarro incandescente
se alimentando de ar
esperando pelo beijo
molhado
da próxima boca
que irá me tragar
 
cigarro

Meteoritos (ou migalhas do pão universal)

 
entre um salto quântico e a dança no vácuo
sob o maior silêncio já encontrado
entre asteróides bêbados e satélites estressados
atravessei a Milky Way sem olhar o semáforo
atrasado para ver o parto daquela nova estrela
que já chegou ao quarto
crescente, nos braços e seios de uma nebulosa
mãe-constelação acolhedora e radiosa

*

se somos feitos de cordas
segundo a teoria
ainda sou violão desafinado
tocando acordes dissonantes
serei ainda uma guitarra Gibson
em voos-solos cortantes?

a vida seria então uma partitura
cheia de escalas e lacunas
notas e cifras complexas, indeterminadas
uma sinfonia cósmica inacabada, eterna
e regida por um maestro sem batuta?

*

outros físicos dizem que além de cordas
o cosmos tem membranas
multiversos flutuantes, multidimensões entrepostas
cada membrana é um universo
cada universo um objeto orgânico de mesma substância
cada universo é como um pão
de massas e sabores diferentes
num café da manhã estelar
e em cada fatia, uma dimensão existente
não há dentro ou fora, miolo ou casca
seriam os deuses astronautas
tomando pingado numa padoca cósmica?

*

teorias e relatividades à parte
senhores Copérnico, Galileu, Newton, Einstein
da metafísica à física quântica
me importa mais a quantidade de gravidade
na dinâmica e mecânica dos corpos carnais aos celestes
quantos gravitons e magnétons são necessários
para que dois leigos se atraiam
e ocupem por um momento o mesmo espaço-tempo
e caiam, vertiginosos como meteoros
mas amortecidos por uma cama desavisada?
 
Meteoritos (ou migalhas do pão universal)

O amor nos tempos da web

 
1.0

Ele a curtia todos os dias
quando visualizava seu perfil
acompanhava atentamente as postagens,
vídeos, álbuns de fotos,
mudanças de avatar
e deixava comentários espertos

Começaram a conversar
primeiro pelo chat, google talk,
depois pelo skype
horas e horas teclando confidências
viram a casa de um e do outro pelo street view
Marcaram um encontro
num lugar localizado pelo google maps

2.0

E então ficaram de repente
sem conexão
ela se sentiu como um modem desplugado
ele não lhe dava mais atenção...

Ela esperava ele aparecer, olhando da janela aberta
do MSN
mas ele sempre estava ocupado ou ausente
tantas mensagens offline não respondidas
quantas frases poéticas, versos de música, Ctrl C+Ctrl V

Beijusss, Bjos, Bjs, S2, reticências...
sorrisinhos de pontuação :) e carinhas amarelas sem expressão
era difícil encontrar um emoticon
que representasse o sentimento à altura
da espera, da angústia, da resposta, solidão
Nem as cutucadas e estocadas de carinhos, tuitadas melancólicas,
retuítes de sentimentos alheios mas tão seus
Depoimentos, DM's, declarações diárias subliminares no fotolog
Onde estava o amor? O quê era o amor?

3.0

Ela procurou no google
pois nem o yahoo tinha muitas respostas
E entre o wikipedia, os blogs e o tradutor
inúmeras definições:

"[Do lat. amore.] S. m. 1. Sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa: amor ao próximo; amor ao patrimônio..."

"Amor é quando alguém te magoa, e você, mesmo muito magoado, não grita, ... "Amor é como uma velhinha e um velhinho que ainda são muito amigos..."

o amor é paciente
o amor é benigno
o amor é filme
o amor é contagioso
o amor é assim
o amor é outra coisa

Gostou mais dessa que viu no Citador:

"Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer."

Era de um tal de Camões.
E mesmo sem muito entender
curtiu e compartilhou.
"Será que cabe em 140 caracteres?", ela logo pensou.
 
O amor nos tempos da web

Pleonásmico

 
ainda vou entrar pra dentro
do seu quarto bagunçado
trancar sua porta
trancar suas pernas a mim
e jogar a chave fora

só deixar sair pra fora
as saudades, as vontades, as verdades
escondidas no seu criado-mudo
mais íntimo e depravado

o resto vou fechar tudo
pra gente gritar alto e calar mudo
loucos da cabeça
até o espelho ficar cego
e o corpo ficar surdo

depois subir pra cima das paredes
e do teto feito aranha
te observar dormindo
como a indefesa presa ao relento
e preparar a teia pro próximo bote

e pro seu bote voltar nadando
na água salgada do seu corpo mar
que doce se torna no leito desfeito
ao descer a descida da ladeira até a lombar
com lambidas nas ancas largas e pérfidas
sambar e cantar nas curvas e vielas
das áreas mais boêmias e periféricas
até a apoteose do recôndito ventre

e então entrar na chuva pra se molhar
e até me queimar no fogo fátuo
da fogueira faceira do seu olhar
de júbilo e regozijo
inocentemente indecentes olhos
que olham o nada e o infinito
 
Pleonásmico

The Night Has A Thousand Eyes

 
Ao som de John Coltrane

a cada sol

de cada dia

morto que cai

a noite revela

um rosto

esconde seus punhais

um para cada morte

seus mil olhos

se abrem

essas bocas vulgares

voyeurs sedentas

piscando sorrisos

sussurrando olhares

penetrando os ouvidos

de cada virgem lua

cada alma na rua

deixando uma mensagem

- O dia só tem um olho,

eu tenho todos,

Carpe Noctem...
 
The Night Has A Thousand Eyes

fumaça

 
me arqueio e sou lançado ao ar
exalado vagarosamente
como a fumaça
expirada pelo carro, bueiro,
cigarro, fábrica e bar

o mundo me inala
com força e calma
Entorpecido me agarro
em alguém
ou algo
pra não ser tragado

esfumaçado penso, espero
queimo lentamente
como cigarro incandescente
se alimentando de ar
esperando pelo beijo molhado
da próxima boca
que irá me tragar
 
fumaça

Dormir que nem chinês

 
Descobri outro dia
que em qualquer lugar que fosse
lugar qualquer que ia
quando sentia aquele baita sono
o chinês ia lá e dormia

Ele dorme em todo tipo de coisa e lugar
não precisa nem arrumar um canto
uma cama, um chão
nem precisa deitar
se recosta numa árvore
se apoia numa banco, num cão
e dorme tranquilo, sem medo
sem pressa de acordar

Até a bicicleta que o transporta
pra todo lugar
se tranforma num quarto negro
quando cansa de pedalar
e pedalando ele vai no sono
percorrendo as avenidas de um sonho
contornando o trânsito diário
do trabalho,
das contas, dos desejos, despejos, incertezas, ideais
dogmas, leis, morais,
filhos, pais,
mandarins, feng-shuis, dragões,
revoluções, paz,
terremotos, tsunamis, furacões,
talharins, fome, doenças,
morte,
vida

E quando ele acorda
ainda é dia
 
Dormir que nem chinês

despertadores não despertam ninguém

 
acordar não é
despertar

é recomeçar
o ciclo diário

trabalhar
chegar no horário

bocejar
pensar no salário

despertadores não despertam
ninguém

despertar é estar vivo
é ser o ponteiro
do seu próprio relógio

até para morrer
não é preciso viver
basta estar vivo

viver é rir
e também é chorar

estar vivo é respirar
viver é ser o ar
 
despertadores não despertam ninguém

a náufraga

 
da deserta silente ilha
esperando o resgate ou o fim
da ressaca e então a calmaria
contemplava uma sorridente lua marfim
e com um sorriso avistou o navio
que vagava entre os corais
a se ancorar saliente e bravio

não pensou duas vezes
em se atirar no mar revolto
das sedosas manchas espumosas
do cheiro de saudades e mofo
ondas de um oceano corpo
uma noite de luzes ofegantes
uma sirena excitada entoava cantos
fogosos os navegantes trabalhando na proa
nadou até que chegou despida a bordo

na nave louca desgovernada dançante
agarrou-se ao mastro entumescido
pela garoa suor do céu delirante
extasiados molhados assistiam os marinheiros
o subir e descer da ninfa corsária
bandeira pirata ela se erguia imponente
se esticava tremulando aos ventos
movimentos misticamente lúbricos
sob os quatro mares cúbicos
enquanto a nau relutante afundava
ela gritava sussurrante ao firmamento

o leme fremente se contorcia
girava a retardar o suplício
mas a chuva espessa escorria
jorro impiedoso dos deuses sujos
não houve desvio nem fuga
inundou-se a cabine o convés
afogaram-se prisioneiros ratos marujos
entregava-se toda a frota ao sacrifício
devorados nos selvagens rituais imorais
dos desejos prazeres kamikazes imortais

e se sentiram mais carnais
os que restaram salvos
ela os homens os órfãos
ficaram todos náufragos
ilhados na nua realidade
todos deitados calmos
a calmaria depois da tempestade
 
a  náufraga

Made in ABC-SP, reporteiro, poemista, barfly, marginal do audiovisual, amante das artes em geral.

@reporteiro