Poemas, frases e mensagens de Fleur

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Fleur

There is a silence where hath been no sound.
There is a silence where no sound may be in the cold grave.
In the cold grave, under the deep deep sea.

Nada

 
Nada. Escrevi o nada com todas as palavras possíveis, nada.

Amor, dinheiro, crescer, flor, lápis, escrever, respirar. Nada.

- eu consigo ser nada.

Vou cruzar os dedos na fórmula da esperança e rezar pelo nada, o nada acontece.

Silêncio. Vai-se cantar o nada pelas terras luzidias, vão-se unir caras pelas festas do povo, onde o nada contém tudo e o tudo é nada.

Bebi três golos do vinho e deixei o copo vazio, junto ao rádio onde ouvia canções de amor todas as tardes depois do almoço com os gatos que dormem, agora, junto à lareira de onde vem o quente.
Nada.
 
Nada

Diário de Uma Jovem Prostituta

 
Diário de uma jovem prostituta. pat.I

Sentia-o mergulhar dentro de mim.
Acariciava-me os seios,
Sussurando-me ao ouvido que eram as redondas laranjas,
Colhidas do seu longo jardim de prazer.
Sentia o toque da ponta dos seus dedos
A avultar a redor das minhas ancas,
Por momentos prazeiris, senti-me amada.
Mas, porém...
Ao mesmo tempo sentia-me um mero objecto aprazeirado.

Sentia-o expor-se á minha vulva,
Sentia os seus suspiros junto ao meu corpo,
Por momentos,
Tornei-me num mar de destroços,
Enquanto ele se balanceava sobre mim,
Desfrutando do nada que me restava,
O meu corpo...
Sujo,
Pobre,
Asco.

Diário de uma jovem prostituta. pat.II

Hoje,
Apenas o sentia sob um toque de amor.
As nossas pernas interlaçadas,
A ponta dos teus dedos percorriam-me o corpo.

Por momentos juntamos as nossas mãos,
Como se o sabor do conhecimento ali paira-se,
Mesmo sem sequer saber o seu nome.

Ele porfiava com os olhos sobre mim,
As suas mãos procuravam todos os segredos
resguardados nas esquinas do meu corpo.

Em breves momentos de volúpia,
Senti-me segura,
Num ambiente um tanto veemente
Detono que não amara o meu ser,
Mas sim o corpo imundo que suporto.

Diário de uma jovem prostituta. pat.III

Sentia sobre mim um luto imensurável,
Sentia a minha pele,
Um pedaço de corrupção,
E ainda sentia o toque da sua boca por todo o meu corpo.

Sentei-me sobre a banheira,
Para inocentar o pouco que de mim restava,
O pouco.. ou mesmo o nada.

Enquanto passava com as mãos sobre o meu corpo
Os meus olhos enchiam-se de lágrimas,
Tremelicava,
Soluçava,
Algo imparável e que me cortava a respiração.

Quando me levantei,
Contei o escasso dinheiro que me tinham deixado,
Pela venda do meu corpo,
Pelo momento aprazeirado que outrora tinha concedido.

Deitei-me,
Deixei-me cair num sono repleto de nada,
Que apenas me deu asas para largar o cansaço que tinha sobre mim.

Diário de uma jovem prostituta. pat.IV

Deixo-me abater tão solenemente,
O uso, o abuso...
Enquanto ele me toca,
Choro por ter perdido o gosto de ser mulher desta maneira,
Soluço a magoa e o luto que vivem dentro de mim.

Enquanto ele se balança,
Pensando que me trará prazer,
Aguardo pela hora de o ver partir,
Com o orgulho de ter aprazeirado uma mulher,
Esta que ele não sabe ser...
Um bicho,
Uma vertente repugnante.

Os instantes passam,
O sufoco e a ansiedade é cada vez maior,
O prazer não me atinge,
Apenas a vontade de ir,
De voltar a sentir orgulho no meu ser,
A vontade de amar,
De não ser o objecto caro,
Que dará a tantos o sabor sexual.

E pergunto-me agora... Porque me deixei levar?
Porque fui fraca na hora de dizer "não"?
Porque fui a criança ingénua ao pensarque iria viver num mundo cor-de-rosa?

Porque sou apenas o sexo,
O uso, a droga que consumi outrora.

Diário de uma jovem prostituta. pat.V

As minhas mãos tremelicavam ao vê-lo chegar.

Ele veio, encostou-se, toucou-me.
Perante um olhar, comecei-me a despir de um modo sensual,
Ele olhava-me de uma maneira estupefacta,
Parecendo que naquela hora…
Eu era a Primavera que tinha desbotado numa flor.

Despiu-se,
Deitou-se sobre o meu corpo,
Balanceando-se,
Gemendo,
Tocando-me suavemente no rosto,
Despejando toda a sua aversão no meu físico.

Gritei como uma criança,
Naquele momento em que ele me denegriu,
Em que senti a sua robustez entre as minhas pernas.

Diário de uma jovem prostituta. pat.VI

Passados meses, apaixonei-me.
Não pela pessoa,
Mas sim, pelo corpo.
A pele macia,
O cheiro suave, odor jovem.
O cabelo claro e brilhante com o sol,
Nos olhos tinha o mar.

Quando se deitava sobre o meu corpo,
Era como se estivesse numa praia deserta,
E que a única coisa que me cobri-se…
Fosse o amor.

Diário de uma jovem prostituta. pat.VII

... Ainda tenho os olhos cor-de-mar,
A pairar-me sobre a memória,
O cabelo macio,
A voz calma,
O toque da ponta dos seus dedos,
Sobre o meu corpo,
Ainda os sinto,
Como se ele me continua-se a tocar,
Naquele silêncio interrompido por pequenos gemidos.

Arrepia-me...
Arrepia-me pensar nele,
Arrepia-me sentir os seus dedos,
Arrepia-me quando ele deita o seu corpo sobre o meu,
Arrepia-me quando me lembro de me beijar o pescoço,
De sentir os seus lábios húmidos,
Sobre a minha pele.

Hoje...
Hoje ainda o sinto,
E espero...
Espero por amanhã senti-lo ainda mais.

Diário de uma jovem prostituta. pat.VIII

Acabou.
Procuro agora os olhos cor-de-mar,
E o cabelo dourado,
Nos odores da minha cama,
Da minha roupa,
Da sua roupa esquecida.

Passaram-se tempos,
Sem lhe tocar,
Sem me tocar,
Sem o sentir,
Sem me sentir.
Sem o amor que sinto por ele,
Sem o amor que ele sente pelo meu corpo.

Procuro nos sonhos encontrá-lo isento,
Tocar-lhe, acaricia-lo, senti-lo.
Procuro ser outro eu,
Procuro,
Quero,
Desejo.

Diário de uma jovem prostituta. pat.IX

Depois de uma noite,
Um estofo,
Um sentimento sem pensamento,
Uma palavra sem conversa,
Um desejo apenas com prazer…
Acordo.
Um banho frio, espera-me.
Para limpar o meu corpo,
A minha lida,
Pelo qual sobrevivo.

Um cigarro, dois.
Por momentos penso que são os únicos que me ouvem,
Mesmo que não repliquem.

Espero, espero que a noite chegue.
Para me tornar outra vez o objecto,
O grito de aprazimento,
O explodir da cólera,
O corpo… pago.

Diário de uma jovem prostituta. pat.X

Desta vez ele veio, sentou-se.
Comecei-me a despir, mas ele apenas disse “Não”.
Tocou-me na mão, abraçou-me.

Fez-se silêncio durante um período de tempo,
Passados largos minutos, começou a falar.
Resmungava pela sua vida,
Chorava,
Gritava.

Ali não havia prazer nem actos sexuais,
Apenas uma conversa,
Um desabafo entre fumo de cigarros.

Diário de uma jovem prostituta. Pat.XI

O rapaz com os olhos cor-de-mar voltou.

Desta vez não me olhou da mesma maneira.
Apenas me viu despir,
Roçou as suas mãos a redor das minhas ancas,
Empurrando-me para trás.
Deitou-se sobre mim,
Balanceou-se.
Desta vez não me tratou com doçura,
Era rude,
Forte.
Tacteava-me os seios com força.
Apertava-me os cabelos grosseiramente,
Mordiscava-me o pescoço de um modo gélido.

Deixou em mim marcas,
Marcas… de memórias passadas,
Não do seu novo ser, arrogante.

Diário de uma jovem prostituta. pat.XII

Pedra.
É isso que sou,
A pedra que atiras para a estrada,
A lágrima que choras sem sentimento,
O prazer que devoras sem amor.

Não me arrependo de te adorar,
Temo, apenas, adorar-te ainda mais.

Sinto falta de tocar no teu cabelo macio,
Sinto falta das tua mãos delicadas a viajar pelo meu corpo,
Sinto falta do teu olhar que me sufoca.

Sinto falta do ar bruto com que me tocaste anteriormente,
Sinto falta da doçura com que te balanceavas em cima de mim.

Desespero por te ter aqui,
Por te imaginar deitado ao meu lado,
Como o meu amor.
Como a pessoa com quem acordarei ao amanhecer,
Entre as flores do campo,
Entre o vento que nos escapa entre os cabelos...

Diário de uma jovem prostituta. pat.XIII

Os teus olhos azuis,
Esboço de bondade e ao mesmo tempo rancor,
Pairam sobre as minhas pernas.
As tuas mãos viajam sobre elas,
Num toque macio, acariciante.

Fecho os olhos,
Sinto-me amada.
Sim, amada.
Como tu amas aquela mulher
Com que te deitas maioria das noites,
Aquela que te deu frutos de um amor.

Mas apenas o sinto,
Em breves momentos de utopia,
Porque o que tu amas,
É o prazer que te dou,
O estouro que sentes ao possuir-me,
Ao fazeres de mim delito das tuas magoas.

Diário de uma jovem prostituta. pat.XIV

Sonhei, sonhei contigo…
Andávamos sobre um arco-íris, descalços.
Riamo-nos entre nuvens de amor,
Beijávamo-nos, sentia-me voar.

O teu rosto, pálido, magro,
Os teus olhos azuis,
O teu cabelo claro, que se confundia com o Sol,
O teu jeito distraído,
A tua voz… doce, calma e ao mesmo tempo alta e ordenada.

Deitamo-nos sobre a relva,
Os nossos pés tocavam-se,
As nossas salivas trocavam-se,
Os nossos odores misturavam-se.

Os nossos corpos… eram um só.

Um sonho, claro, um sonho.

Diário de uma jovem prostituta. pat.XV

Vieste,
Repentinamente.
Rogaste,
Para fugir.

Fugir para o eterno,
Fugir para conhecer o amor,
Fugir para ficares comigo,
Para me amares.

Os meus olhos… brilharam.
As lágrimas, sentia-as chegarem-me ao canto da boca,
Com um sabor salgado, mas ao mesmo tempo de vitória.

Abraçaste-me, fortemente.
Disseste que me virias buscar em breve.

Os teus olhos azuis despediram-se para um reencontro.

Diário de uma jovem prostituta. pat.XVI

Sinto-me rainha,
Tenho a bagagem arrumada.

Espero por te ver chegar por aquela porta,
Antiga,
Repleta de memórias passadas.

A cada instante que passa,
Espreito pela janela para te ver chegar,
Anseio pelo momento em que te veja
Ao fundo da rua.

Diário de uma jovem prostituta. pat.XVII

Passaram-se dias,
Não apareceste.

Não tenho nem um tostão,
Não aceito dinheiro em troca dos meus prazeres,
Enquanto não me vieres buscar.

Sento-me sobre a cama e como as míseras migalhas de pão,
Que sobraram de um almoço escasso.

Adormeço,
À espera que venhas,
Que me leves para o odor das flores,
Para o arco-íris repleto de amor,
Que me leves…
Para ti,
Só para ti.

Diário de uma jovem prostituta. pat.XVIII

Ouvi três batuques na janela.
Eras tu,
Desculpaste-te pela demora.

Deste-me um pão e um jarro de água,
Disseste que amanhã pela madrugada me virias buscar.

Beijaste-me,
Apertaste-me até me sentir sufocada.

Sussurraste-me ao ouvido, calmamente:
“Amo-te…”

Agora, anseio pelo momento em que apareças de mala na mão,
E me perguntes: “Vamos?”

Diário de uma jovem prostituta. pat.XIX

Imagino-me contigo,
Imagino-me casar,
Imagino-me ser uma mulher comum.

Desejo ter-te,
Desejo adorar-te ainda mais,
Desejo dar-te um prazer feito de amor à noite,
Desejo dar-te frutos do nosso amor.

Espero por morrer abraçada a ti,
Espero por ti, espero.

Diário de uma jovem prostituta. pat.XX [Final]

Bateste à porta, levemente.
Levantei-me repentinamente.

Apenas te pedi largos minutos,
Para me despedir de tudo.

Da minha cama,
Repleta de odores.
Do meu quarto,
Repleto de prazer, angustia e agora esperança.
Da cozinha pequena e desarrumada,
Da cinza de cigarros deixada sobre a mesa.

Do diário que deixei sobre a cama,
Para um dia alguém me descobrir.
Para um dia alguém sentir por palavras o que eu senti…
… Até hoje, o dia em que me levaste do Inferno para o Paraíso.
 
Diário de Uma Jovem Prostituta

Cabaret

 
Este é o cabaret das coisas mortas.
A donzela prostituta dança entre penas vermelhas, o seu movimento é o sussurro das bugigangas cintilantes que tem presas a uma saia que levanta quando o piano acaba, as suas pernas são pequenas deusas com uma liga de noite.
O bobo serve copos aos enfatados que deixaram a cartola e a bengala na forquilha da menina feia de barbas.
Os anões mascarados de esqueletos são os garçons da noite, com os redondos e pequenos olhos pintados de negro, riem-se dos assuntos que não lhes pertencem.

Eu? Eu sou mais um morto neste cabaret.
 
Cabaret

violência cor-de-rosa.

 
hoje acordei e vi mais umas destas manchas roxas que me marcam a pele sempre que chegas a casa com esse teu odor nauseabundo a vinho.
hoje acordei e senti uma raiva negra no meu corpo, quis desfazer-me de todas as tuas peças, de todas as tuas memórias, de todos os teus gestos.
fui capaz de pegar em mim e fugir dessa tua violência que me prega lágrimas na cara sempre que te vejo, à janela, a vir direito a casa para um jantar que nunca te faço.
és o frio que nunca veio para me aquecer.
amo-te, perdoa-me este nome. e pelo amor sou capaz de me esconder atrás de todas estas marcas que me deixas na carne, se algum dia me matares… eu direi que morri por amor.
 
violência cor-de-rosa.

Olhos Aterrorizantes

 
Finalmente chegamos aquela cidade por que ansiavas há anos que se dá pelo nome de Buenos Aires.
Procuramos apanhar um táxi e reparamos nuns preços a que não estávamos habituados, ali os dinheiros eram outros, as gentes eram mais alegres, a vida era mais difícil naqueles subúrbios periféricos.
Chegamos ambos ao hotel completamente estafados de uma viagem tão longa, porém, reparamos os dois nuns olhos pobres de uma pedinte que se encontrava encostada e gélida perto da porta do hotel. Fingimos não reparar no terror que o seu olhar nos enterrou no pensamento.
Foram dias a suportar aquele olhar nos meus sonhos, não te queria preocupar, estavas feliz de mais por estarmos ali os dois, naquela cidade repleta de tudo e nada.
Passaram-se meses, o sonho começou a afastar-se de mim, estava agora repleta de júbilo, íamos ter o nosso bebé em breve, as dores maternais apertavam cada vez mais e o momento do parto estava cada vez mais próximo até chegar a bendita noite.
Eu não reparei logo, a estafa daquela noite deixou-me completamente cansada, porém, a primeira frase que disseste quando viste o pequeno fruto do nosso amor, foi "Eu já vi estes olhos em Buenos Aires..."
 
Olhos Aterrorizantes

Morta

 
Dorme, dorme nesse leito sobrenatural repleto de mentiras onde matas a sede de viver o que não consegues.
Estás tão farta desta esfera armilar onde vês corpos a moverem-se com uma força que não te convence, ouves palavras que te rodopiam na mente, calam e rodopiam outra vez para um esquecimento profundo.

Querias que o mundo fosse teu, não é.
A ingenuidade das tuas crenças é patética, encontras sempre rivais na tua mente e crês no que te dizem, crês nas palavras que não atendes, o fingimento persegue-te e acreditas no mais fundo poço de calúnias.

Misturas os sentimentos com as sombras e aí descobres... é tudo tão perfeito quando estás morta.
 
Morta

Lixeira do Amor

 
Tentaste escrever o amor no papel que balanceava no teu bolso enquanto andavas.
Entre riscos, palavras impercebíveis, corações nos quatro cantos da folha, tinhas umas quantas ideias sobre o amor que não faziam qualquer sentido, sabias que existiam e que era fruto de algo que germinava em ti, mas não fazia sentido, o amor não faz sentido.

Amachucaste a folha, voltaste a repetir a sensação de escrever, mas desta vez estavas um pouco irritado, as palavras deixavam, aos poucos, de fazer o sentido que querias e faziam nascer algo novo, uma frieza que surgia vagarosamente, tal e qual como a tua irritação ao ficares, por vezes, sem palavras ou elas ficarem sem um pouco de ti.

Paraste após numerosas tentativas, tinhas as folhas amachucadas em cima da cama, querias desfazer-te delas.
Pegaste em cada uma e fizeste pontaria para o balde do lixo que tinhas junto à secretária velha e com cheiro a tinta, acertaste todas as vezes.

Tiro certeiro, sabias que o amor estava bem… no lixo.
 
Lixeira do Amor

O Custo da Inocência

 
Está frio.
Fica sempre frio quando nos lembramos da criancice.
As flores deixam de fazer sentido quando se perde o deleite inocente,
das tardes passadas no pátio, com o sol a bater nas costas.

As memórias são frias.
As memórias mordem o pensamento quando nos deitamos,
à noite,
e procuramos o futuro nos vincos dos lençóis.

A perda da inocência dói.
Olhar para os baloiços onde,
outrora,
sorrimos,
dói.

Pânico.
 
O Custo da Inocência

O Céu é Menina

 
A menina pequena das sardas na cara, dos olhos azuis em forma de concha, pulava pela praia à procura dos búzios, das alforrecas que ficavam em terra, da conquilha por apanhar.
Encontrou uma estrela, não uma qualquer. Era repleta de cores, o seu tamanho aumentava e diminuía conforme a força do vento, as suas pontas giravam de acordo com uma dança, a dança das estrelas, mas só daquelas estrelas.
A menina pequena e inocente, sem se aperceber ao certo do que se passava, comeu-a. Parecia-lhe um doce, mas não um doce qualquer, um daqueles que sabe a amor e enche o estômago de alegria.
Sentou-se à beira-mar enquanto ainda saboreava os restos que lhe ficaram na boca, presos aos dentes de leite que começavam já a abanar.
Repentinamente, tudo nela se transformou, os seus braços tornaram-se um azul transparente, a sua voz morreu, os seus olhos criaram nuvens, da sua boca saíam agora pequenas estrelas idênticas à que comera. O seu corpo, agora azul, dispersou-se pelo ar.

O nome da menina? Céu.
 
O Céu é Menina

Fugir de Si

 
Ela fugia. Eram súbitos ataques de raiva, era a voz que a enervava, o olhar que lhe batia, os passos do caminho que lhe faziam aumentar o nervosismo com o seu eco.

Corria pelas ruas, procurava abrigar-se no que os olhos lhe mostravam, no azedo das casas antigas, nas crianças que riam, corriam, gritavam, enquanto subiam uns degraus para entrar numa porta com uma chamada em cima "Escola".
E depois os cheiros, o cheiro a pão quente emanava nas ruas vindo das pastelarias, o cheiro doce e matinal das pessoas acabadas de tomar banho, perfume.
A voz, a voz atenciosa dos vendedores de jornais, a voz ainda meio adormecida dos adolescentes que entravam em carreira, conversando, nos autocarros.

Eram as vendedoras de peixe, carne, frutas e legumes que montavam as bancas logo pela manhã naquela praça antiga onde outrora se cruzaram guerras, eram os taxistas vindos do aeroporto levando os empresários para os melhores hotéis da cidade pelas estradas de pedra onde caminhara o guerreiro da cidade.

Era tudo tão perfeito quando ela fugia assim...

...de si.
 
Fugir de Si

Inútil Para Amar

 
És inútil para amar.

Fechas os olhos à realidade que te acolhe e gritas as consequências que nunca viveste, ambicionaste um dia desejar a pequena sociedade de palavras que habita em ti, submeteste-a à fraqueza que reside na discordância da tua voz.

És vulnerável para amar.

Crês no que os teus olhos te mentem, nos pedaços de chuva que ficaram por sentir, tornaste ingénua por cada flor que colhes nesse resíduo líquido que se move na tua boca para disparar o mais sagrado dos disparates.

És patética, tu e os laços que mantens com esses seres imaginários.
 
Inútil Para Amar

Momento de Ti

 
Eu sigo as estrelas dos teus olhos
quando o sentimento eléctrico de te ter me faz despentear os cabelos
seguindo um ritmo musical sobre um sorriso de prazer.

Mordo os lábios na esperança de ainda sentir um pouco dos teus,
o desejo intenso de te ter no meu leito outra vez
persegue-me como uma criança à procura de um olhar maternal.

A pressão submete-me a uma procura intensa do teu ser em todas as chamas da memória,
é delinquente,
obsessivo.

A nitidez da tua figura permanece perfeita num momento tão meu.
 
Momento de Ti

Medo - Sem ti

 
As pedras da calçada gritam silenciosas para sentir o teu andar.

Oh, se soubesses como o medo se perde nos teus braços, as horas arrepiam no teu olhar, o tempo morre na tua boca.
O pensamento delinquente quer-te aqui, o tempo morde a escala da paciência, eu sou impaciente.

Gelo, cada ápice sem ti é vazio, a cama torna-se fria mesmo com o calor infernal do Verão.
Quando te vais embora, o receio percorre-me as veias e penetra-me o peito e trinca-o, rebola e volta a trincar, é fatal.

Insípido, apático, escuro.
Não me deixes aqui.
 
Medo - Sem ti

O mundo gira numa adolescência perdida.

 
Eu abanava a cabeça enquanto o cigarro que tinha na mão movia comigo de acordo com aquela música que fazia aquele mundo girar.
Era eu, uma pequena percentagem de droga e uns quantos vultos dançantes num rodopio gigante de gente. Ria-me sem pensar no depois, não conseguia concentrar-me integralmente nos momentos que vivia, o tempo parou ali entre luzes de discoteca e roupas coloridas que se balanceavam lentas na minha mente.
Enfim, acabou.
Acordei despida sobre a cama, mais uma noite perdida no esquecimento da monotonia.
 
O mundo gira numa adolescência perdida.

Paredes da Morte

 
Entre aquelas quatro paredes não tinha braços, tinha uma espera imperatriz pela picada do senhor luzidio que me faria adormecer fatal.
Tentava com a força do corpo derrubar os muros brancos, mas era em vão, toda a força era em vão, toda a esperança era em vão.
Os arrepios percorriam-me o corpo quando pensava em ti, quando sabia que me tinhas deixado ali sem sequer te lembrares de nós.
Eu sei, eu deixei-me levar pelo brinquedo branco que encontraste um dia sobre o lavatório quando me viste desmaiada junto à cama, perdoa-me, eu não queria, mas foi inevitável, tu ias-te embora todas as manhãs deixando-me ali presa à espera do teu olhar, à espera dos beijos que nunca me deste. O frio instalava-se em mim, eram pedras de gelo que se entranhavam no meu peito e o brinquedo, oh, o brinquedo salvava-me de ti, ele fazia-me embriagar em lembranças que se tornavam reais por momentos, imaginava que estavas ali ao meu lado, deitado e sorrindo como nos primeiros tempos e brincavas com o meu corpo, os teus dedos mastigavam-me o corpo e eu sorria, eu sorria e mexia nos cabelos, mordia os lábios imaginando que eras tu que o fazias, oh, e sabia bem, sabia a tempo, amor e afecto.

Porque me fechaste entre as paredes brancas da morte?
 
Paredes da Morte

Em Ti Vivem As Memórias

 
Ficamos ambos perdidos nas perguntas do passado.
Guardamos memória dos pés enterrados na areia, penetrados nas pequenas ondas do mar que iam e vinham desenhado linhas curvas por onde deambulávamos, riamos e corríamos.
Sentamos a mente no tempo e procuramos as recordações de tempos antigos, eu conto-te sobre a minha infância, tu riste-te da ingenuidade permanente dos meus actos antigos, tu falas-me dos teus pecados, eu, insatisfeita, tapo a boca com a palma das mãos e, seguidamente, aperto-te as bochechas como que um arrelio.
Silêncio.
Pegas-me nas mãos e tocas-me no corpo e todas as memórias antigas são em vão, o nosso momento torna-se os Verões de criança, as estrelas que contávamos pensando que eram antepassados, os sonhos repletos de magia de ironias de fadas inconscientes.
 
Em Ti Vivem As Memórias

A Palavra É Tua

 
Não digas nada.

Deixa-me tocar, com a mente, na tua essência.
Quero admirar cada pedaço de ti, cada pedaço da tua fala, dos teus gestos, do teu olhar; quero reparti-los e mistura-los com o meu ser.

Deixa-me escrever-te nos livros caros, nas vozes jornaleiras, nos tempos verídicos.
O teu aroma obriga os tempos a imortalizar-te.

Não digas nada,

Que o tempo já não dorme e fica acordado para te ver sonhar, que o mundo já sucumbe aos teus passos, que o frio aquece quando te aconchegas nos lençóis.

Diz tudo,
num silêncio universal que se cria para te ouvir.
 
A Palavra É Tua

Amo-me

 
Eu amo-me, de facto. Fecho os olhos e imagino-me a beijar-me. No meu ventre dança a emoção das borboletas que voam para mim, vagueiam-me nos cabelos e beliscam-me as faces rosadas.
Perdoa-me.
Mas o prazer que sinto ao falecer com os dedos nos meus lábios é distinto, é puro, injusto e feroz.
A míngua reside no meu corpo quando a nudez se vê ao espelho. É um mar. Eu navego-o.
Conduzo as mãos, os olhos, o toque pelo corpo. São flores que me nascem entre as pernas. Pequenas luzes fazem-se apagar e eu sei, eu sei que sou eu, eu sei que nasci para mim e isso chega para me amar.
 
Amo-me

MEU.

 
não é um pesadelo, amor. não é um pesadelo quando te digo que cada vez que abro os olhos me esqueço mais um pouco de ti.
crescem novas flores no MEU horizonte e, quando te fores embora, não te esqueças de levar uma delas para te lembrares sempre de mim. não plantes nenhuma das tuas, amor. não quero que o MEU horizonte deixe de ser só MEU.
não quero que marques os MEUS passos nesse caderno onde registas as palavras que te ensinei a escrever, nem que faças desenhos da MINHA voz a deambular nas tuas orelhas sempre que te recitava uma poesia daquelas que a paixão nos obriga. foi só paixão, amor.
não me obrigues a mandar-te embora enquanto finges que não me percebes, este espaço é MEU.

só te peço uma coisa, quando pedir para voltares, volta. trás o TEU jardim e a flor que levaste do meu.
 
MEU.

Jazz Do Amor

 
Ouvimos o jazz vindo das ondas do mar,
que nos ilumina a mente numa vertigem de lembranças descontentes,
deambulantes nos passeios vagos.
O sol põe-se sobre os nossos risos soltos no vento,
quentes de alegria numa correria que se alastra até ao pontão.
Calamo-nos adormecidos numa dose de droga que nos asfixia a alma e enche os olhos de vermelho.
Ficamos horas deitados sobre o sentimento da areia lisa,
levada pelo vento que nos assalta os cabelos.
A praia torna-se casa, um espaço nosso, crescente num ápice nosso, numa memória nossa, que nos abre as asas para a imaginação.
Latido de ondas.
Dormimos, agora.
 
Jazz Do Amor

les fleurs mortes.