Poemas, frases e mensagens de Fernando M. Pereira

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Fernando M. Pereira

NA DESPEDIDA

 
NA DESPEDIDA
.
Há sonhos plantados
no acordar das manhãs
prenúncio de noites largas renovadas
como serras cortando grades
.
há sabermos de nós a esperança antiga
de quem diz gente
- e o sangue corre pachorrento
nas veias da palavra
.
há o gesto largo como tela pintada
de olhos e pele tornado mundo
sonhado com sonho
de quem tem medo e existe
.
há dos corpos o sabor entrelaçado
da amizade a força dos nossos passos
- e nos punhos erguidos
bandeiras de luta nunca recusada
.
há de nós o corpo da palavra
invólucro desfeito em campo fértil
- como ventre devassado e possuído
na ternura de sabermos não estar sós, nunca!
.
há amanhã presente hoje e sempre
na recordada recordação de noites
de gente de sangue de lutas
de gestos de copos de ventres...
.
na despedida, bom Amigo,
ofereço-te um pedaço deste inferno!
.
FERNANDO MANUEL PEREIRA
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NA DESPEDIDA

DO BECO DOS OSSOS

 
Do beco saiu
um cão mendigo perdido perdido
procurando um osso
e um moço outro moço
correram pró cão
deram-lhe a mão e formaram um trio.

Os moços dois moços
foram aos ossos pró cão irmão
mas perto a noite veio a noite
e os moços dois moços
na noite que é açoite
não encontraram ossos.

E o cão ladrava ladrava gania
os moços dois moços
olhavam olhavam
olharam e pediram
do próprio corpo os ossos
porque o cão morria morria morria.
Morreram os moços.
O cão renascia prá busca dos ossos.

Fernando Manuel Pereira
sempreemluta.nireblog.com
 
DO BECO DOS OSSOS

QUEIMAR UM POEMA

 
QUEIMAR UM POEMA

queimar um poema
como quem queima um cigarro
queimá-lo nas vísceras
como quem queima um dicionário

agitar um gesto
navegar nas águas
duma quimera desfeita

mentir
a deuses
a divas
e a mendigos

beber copos
como quem bebe dedos

que mais será preciso imaginar?

um castelo ao contrário
com um rei feito porteiro?

Fernando Manuel Pereira
sempreemluta.nireblog.com
 
QUEIMAR UM POEMA

INVENTO

 
INVENTO

Retenho com cuidado a arma-cidade
na tempestade perdida das dunas egípcias
gravo em pé real a realeza morta
imolo as piramides à luz da fome
.
forneço as lanças e os arqueiros
o engenho do perfume cleópatra
misturo rodeos com toneios
salsaparilha com pés de salsa
.
valso chicotes ondeio metralhas
óbusos saídos de satélites loucos
caldeio mendigos com gafanhotos puros
abro tumbas de oleiros escravos
.
ouso mendigar execuções em massa
violo maternidades de canibais descalços
sento comensais em varandas acolchoadas
espezinho trigo no celeiro dos tempos
.
proclamo negociações de paz rubricadas
prendo países às luas de marte
canso os rumos atómicos dos relógios de bolso
incendeio as bíblias dos naufragados
.
minto a verdade do guerrilheiro louco
recuso o amor dos leitos dos rios
quebro ampulhetas de violados sorrisos
altero o meridiano do habitual cometa
.
inverto a opaca nuvem de cogumela potência
extravasso vulcões de peitos amamentados
risco andores nos músculos vertentes
tatuo gincanas em grades de povo
 
INVENTO

SONHO QUE MEUS POEMAS

 
Sonho que abres os olhos na minha dor
e que fazes da minha insónia teu esqueleto
quem és que procuras porque me visitas
nestes escassos metros de liberdade e de paz
na permuta das palavras descobertas?
.
vai-te! e que a vida ou a morte
lá na dimensão das coisas irreais
te cative e destrua essa pele minha mas vivida
.
e se à noite me tornar a construir
no corpo d'uma insónia de palavras
não bebas a comunhão dos meus lábios
na métrica da dor dos meus poemas.

Fernando Manuel Pereira
 
SONHO QUE MEUS POEMAS

REVOLTA

 
REVOLTA

.
Voz de cal
e cheiro de garrafas partidas
.
exija-se revolta
de palavras vivas
para os dicionários
limparem as sargetas
porque se suicidaram
as letras
nas tipografias
.
FERNANDO MANUEL PEREIRA
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REVOLTA

CONQUISTANDO O MITO

 
CONQUISTANDO O MITO

Cortando o fumo da madrugada
o cheiro de tudo e de nada
entre gestos de giestas
gritos andantes ambulantes vagantes

por entre pensamentos espessos
sons de silêncio e de plantas
neste celeiro de povo sempre novo
certo e incerto na penunbra do gesto

ergo um grito e meu lamento
minha arma de gume sem fronteiras
acerto o passo tomo o traço
lanço a lança directa ao alvo

construo-me construindo o abraço
digo sim e talvez e talvez não
entre a construção de um Amigo de sempre
na força viva de um Amigo que nunca vi.

FERNANDO MANUEL PEREIRA

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CONQUISTANDO O MITO

PARTE, NÃO VOLTA

 
PARTE, NÃO VOLTA

1
suave brisa amamentando
breves murmúrios
a tarde a descer
até tocar o rio
na praia de algas
adormecem leves suspiros.

2
constelação
a arder evasão efémera
essencial solidão massacre
imprecaução catástrofe
folga de dia santo
café ao pequeno almoço.

3
dilatada estranheza
flutuava
completamente só
alheia ao tempo
amores esquecidos
nos amores que começam.

Fernando Manuel Pereira
sempreemluta.nireblog.com
 
PARTE, NÃO VOLTA

AMOR OCULTO AMOR

 
AMOR OCULTO AMOR

Abriste-me a janela do teu sorriso
e revejo todo o silêncio do mundo
dissimulando as palavras
e os espaços convocados
porque te sei raízes de fogo e d'água.

Dor íntima, extrema, a cortar,
numa quase primavera,
muro de heras, campo trazido, articulado,
caderno onde as escritas ainda frescas
pintam em azulejos, memórias.

Se ouvissem a beleza patética da noite,
saberiam das lágrimas uma canção,
como sonho agitado, assombrado
de saudades quentes,
numa moldura antiga, talhada.
O coração nas mãos, sempre...

Fernando Manuel Pereira
blog do autor - sempreemluta.nireblog.com
 
AMOR OCULTO AMOR

NOVA FAINA

 
NOVA FAINA

Alcateia de ruas
nas fugidias noites dos sentidos
os velhos mareantes amigos
bulindo sons de velas puras

na mesa do vento lento
a deusa nua está perto
sereia urbana em rio desperto
ri e chora no meu lamento

percorro sem saber da seiva matinal
o ruído curvo do céu desfeito
da deusa o quente ventre inicial
no lençol abrasante do meu leito

mulheres amantes de deuses não pensados
outrora luas agitando guitarras
dedilho o som longo ao longo das amarras
cimitaras de guerras em olhos amados

e os lobos percorrem as vielas da noite
já sem ruas e mareantes
a sereia fugidia abraça o rio
e queda no bulício dos amantes
deixando-me liberto de sentidos.

É tempo de nova faina...

FERNANDO MANUEL PEREIRA
sempreemluta.nireblog.com
etcetal.blogs.sapo.pt
 
NOVA FAINA

SÓ EXISTE, SUBVERTE

 
SÓ EXISTE, SUBVERTE

Paisagem transbordando como uma ilha
pontilhada de lugares cheiros contido olhar
labirinto na pele como tatuagem em osso de baleia
correndo atrás de um desejo moribundo
talvez para que só esta noite exista

pintor sem lugares preenchidos fragilidades
tela oceânica de passos apressados
salientes nos nossos olhos riscam poços do mar
fora do alcance das explosões invisíveis
quebram caminhos diferentes estímulos nas nuvens

ilha atlântica em manifesto de fogo contido
fruição nítida soprando erguendo estrelas anãs
seres errantes seculares fixos às pedras nascidas
enraizadas nas areias rugosas do mundo submerso
buscam o que não existe ou se existe não sonhei.

Fernando Manuel Pereira
blog do autor - sempreemluta.nireblog.com
 
SÓ EXISTE, SUBVERTE

NAS CATACUMBAS PÁSSAROS LIVRES

 
NAS CATACUMBAS PÁSSAROS LIVRES

Nas catacumbas dos gestos
desconhecidos vivem
nas paredes
os ninhos
dos pássaros
de voos largos e mansos

embriago-me todas as noites
e canso-me de andar
falar
estar
porque descobri a tristeza
de todos os prisioneiros mortos e vivos
nos voos dos pássaros livres.

FERNANDO MANUEL PEREIRA

sempreemluta.nireblog.com
 
NAS CATACUMBAS PÁSSAROS LIVRES