Poemas, frases e mensagens de Paula Baggio

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Paula Baggio

Viagens do Pensamento I

 
“Roubei da dobrinha do lençol o cheiro dele. A dobrinha de pirraça largou-o”.


“O tecido do amor esgarçou no emaranhado das linhas, nos pespontos distantes, na insistência em cobrir mais camas do que podia”.


“Sentir tédio é mostrar-se incapaz de gozar da própria liberdade”.


“Mostrava-se arrogante com as cobranças e humilde com as ações: arrogante com o que queria ter e humilde com o que podia dar”.


“Julgava a fidelidade da amada pela imensa capacidade de ser infiel”.


“Pensou tanto que a vida se cansou e foi embora”.


“Lastimava-se do que não tinha a ponto de não enxergar o que tinha”.


“Ela o esperava por dias, semanas... Quando ele aparecia perguntava sempre a razão dela andar tão sumida”.


“Ele queria escrever um amor de romance num livro de contabilidade”.


“Tinha uma queda especial por loucas e carentes: só assim poderia exercer seu fascínio”.


“Ele jamais se perdoou a pobreza do nascimento: assim não conseguiu usufruir nenhuma riqueza, só sabia ostentá-la”.


“Esperava dignidade do senador assim como se colocar gasolina de avião num fusca pudesse fazê-lo voar.”


“O homem violento é o mais covarde dos homens diante de qualquer força”.


Cuidado com as mulheres que se mostram frágeis... São sempre as mais fortes”.
 
Viagens do Pensamento I

Escondida

 
Escondida
 
Minha alma se perde,
Esgueira-se em estreitos e escuros corredores,
Fica detrás daquela janela fechada
Protegida na escuridão
Das pesadas cortinas da razão,
Fecha-se em baús de fotos antigas
Procurando instantâneos ruins,
Sobrepõe-se a velha colcha de retalhos,
Quadricula-se, camufla-se nela-
Símbolo de um tempo ido,
Entra pelas frestas ressecadas do assoalho,
Madeira de tantas pisadas...
Mescla-se com o frio da porcelana
Do bibelô sobre a penteadeira escura
Já sem serventia agora,
Embrenha-se na vela da embarcação
Sem leme, perdida pelas mãos
Do vento ponteiro,

Nada, no entanto me esconde,
Do amor sem amarras,
Reavivado,
Aflorado,
Radiante e iluminado,
Pelo som da tua voz
Quando me dizes: te amo.

Autorretrato: Paula Baggio
Crayon Bruynzeel sobre papel canson
21x19 cm
 
Escondida

Brincando de Sonhar

 
Não quero nada que não seja agora!
Não me consola esperar alguma coisa,
Deixar para um amanhã que nem sei se terei...

Ninguém sabe!

Projetar na fumaça é fácil,
Imaginar paisagens surreais mais ainda!
Preciso viver o que me é possível agora,
O meu tempo acaba...

Tornar possível o sonho,
É ato da vontade.
Algo perfeito,
Num lugar perfeito...
Num tempo ideal...
Isso não existe.
Pensar assim é negar-se à vida!

Nada é ideal nem perfeito.
Há sempre um “porém”...

Mas se valer a pena;
Se há um sonho, um desejo,
Então, é chegar-se a ele...
É aproximar-se dele minuto a minuto,
Dia-a-dia...
Até que pelas nossas mãos e braços,
O tocamos!
E aprendemos que viver um sonho,
É um risco e uma construção.

O resto é a vida rasa dos que brincam de sonhar.
 
Brincando de Sonhar

De Tudo que Tive

 
De Tudo que Tive
 
De tudo que tive, pouco me sobra,
De todas as certezas, nenhuma,
De toda a verdade, alguma,
De tudo que tive, pouco me resta.
Resta-me a fatalidade do tempo escasso,
A vertiginosa aventura da vida,
Escoando,
Fina areia coada,
Pelo gargalo do agora.

Mas tive de tudo sim,
Amálgama do ser!

Tive primaveras magníficas,
Águas claras, pastos imensos,
Bois ruminando a paz,
Pássaros cantando o amor,
Azuis, de todas as gamas,
Azuis profundamente azuis,
Verdes luminosos,
Verde esperança...
Mudança,

Mudança é do que mais tive!
Mudança com tudo estático;
Mudança em mim,
Criança,
Projetos de papel,
Casas de areia.

De tudo que tive, pouco resta.
Resta um resto de areia:
Fina areia coada,
Escorrendo implacável as horas,
Resta as mãos quase vazias de tempo,
Restam pedaços, alguns,
Do muito que perdi pela estrada,
Resta a cabeça que não pára,
Quando bem poderia ter parado,
Resta um corpo que sente,
Um coração que pulsa,
A repulsa da vida vã.
Resta o olhar que tortura,
Resta o ouvido que não ouvida,
O vivido.

Do muito que tive, me farto!
Do pouco que tenho, me engasgo,
Travo na garganta,
Descompasso,
Grasno, gargalho,
Choro,
Atalho
O sal das lágrimas,
Nem últimas,
Nem primeiras...

Do sonho que tive, parto.
Sem dor, sem mágoas,
Sem choro,
Sem amanhã,
Sem nada!
 
De Tudo que Tive

Janela

 
Janela
 
Atrás da janela,
A espera,
Fria,
Iluminada,
Pela fraca luz,
Do poste.

Espera crua,
A calma,
A rua,
A alma
Nua.



Ilustração:
Nanquim Aguada
20x25
Autora: Paula Baggio
Texto de interação:
Horroris Causa
 
Janela

Sísifos

 
Sísifos
 
Sísifos

“As coisas começam sempre antes de nos apercebermos.
Seja por acaso ou por destino, o resultado é o mesmo”. António Marques

Quando será que apareceram os sinais
daquele distanciamento,
Quando?
Quando a estrada se bifurcou
duplicando o caminho?
Quando?
Certamente antes das palavras duras;
[Elas vieram depois que foi embora o carinho?]
antes das conclusões não conclusas;
[que só deixaram espinho]
antes das circunstâncias...
[Elas vieram depois: consequentes
da inconsequente alternância]
Quando?
Certamente antes, bem antes...
antes da confiança esvair
[Ela veio antes do corpo admitir?]
antes das teias tramarem
[Elas vieram depois das impaciências chegarem?
Quando o primeiro sinal de não valer?
Foi não querer?
E como no início
que sorrateiro e improvável
instalou-se negando verdades,
cegando adversidades
assim terminou, a escapar por entre os dedos,
por impossibilidades e medos
aquela história de amor
... E vão os dois montanha acima levando apenas a dor.

Bico de Pena - Autora: Paula Baggio
 
Sísifos

Tempo e Espaço

 
De quanto vazio me encho
desde as descobertas perdidas em precipícios sem ecos -
sumidouro de sons, cores e vontades.
Desbotamento do olhar que apenas subsiste,
apenas insiste em firmar a vista calada do nada à vista,
ou cansada de tanta vida.
Reprise de mesmices enfileiradas
catalogadas por cor e dor,
Represas rotas que transpassam limites de tempo e espaço
Transpassam-me mas não vão embora
Tomam espaços do meu corpo como fumaça...
Adoecem-me... Matam-me dia após dia,
Na certeza de que o tempo não me fará esquecer
Na certeza de que o espaço é para sempre seu.
 
Tempo e Espaço

Soneto à Frágil Vontade

 
Soneto à Frágil Vontade

Insignificantes vontades me tangem
Tocando finos tecidos esgarçados,
Estancam-se em janelas que rangem,
Assustam-se em portais destroçados.

Vão quietas, cautelosas,
Inquietas águas caídas,
Banham-se em águas chorosas,
Secam-se em dores sofridas.

Ai de ti, frágil vontade,
Vagando pelo meu peito,
Reage, volta ao calor!

Sonha que é verdade,
Que nada matou o jeito,
De acreditar no amor.
 
Soneto à Frágil Vontade

Para Davi

 
Para Davi
 
Para Davi
Presente duplicado

Sonhos realizados são presentes embrulhados,
Com fitas, laços e flores
para enfeitar nossa vida.
Você chegou pequenino, do sonho desabrochado,
E repetiu a emoção de um sonho duplicado.
Primeiro foi sua mãe, um presente lá do céu,
Enfeitou a minha vida com flores, como um troféu!
Agora você, menininho, de olho grande e sabido,
Fez dobrar no coração o presente recebido,
Veio meio apressado, desembrulhado e sem fita,
Nenhuma caixa enfeitada com uma flor bem bonita,
Mas no instante em que o vimos, magia realizada!
Entendemos que um presente, presente do coração,
Não precisa nenhum laço, não precisa de mais nada,
Só existir, pequenino, como a mais linda canção,
Alegrando com sorrisos, a festa tão esperada,
Realizando o pedido feito em oração,
De outro presente igual ao que a vida já me deu,
No dia maravilhoso em que sua mãe nasceu.

Beijos,
Vovó Paula
 
Para Davi

O Menino Azul

 
O Menino Azul
 
O Menino Azul

Quando deixo as minhas mãos brincando sobre o papel
meus desejos se realizam - materializo a vontade
com lápis e com pincel,
Então desenhei um anjo, boquinha de coração,
pele banhada em lua, cabelo de ouro e prata,
olhos como um clarão do céu azul do sertão.
E Papai do Céu ouviu meus desejos desenhados
Mandou-me mais um netinho de olhos azuis e risonhos
Só que bem mais caprichado do que desenhei em sonhos!

Menino azul venha sempre, venha mostrar seu sorriso
Vem, Felipe, vem rir, essa risada de guizo!
Sorriso que vai deixar muita moça sem juízo!
 
O Menino Azul

Assim Seja

 
Assim Seja
 
Assim seja



Então, leio e espero…
Passei a manhã nessa espera -
Veio a tarde e não te trouxe
mas, vieram os bem-te-vis e a brisa,
veio o silêncio morno e atrevido
do sol pulando a janela.
Mesmo assim você não veio.
Ai de quem me acha triste!
Invento, minto...
Posso dizer de tristezas, escuridões
e ser alegre:
sou exilada de mim...
E veio a noite,
perfumada de jasmins de cabo
grilos cantores e rendas de luz
desenhadas no espaço...
Nenhuma hora te trouxe!
Se eu pudesse elastecer o tempo?
Repetiriam-se os trinados, céus azuis,
flores desabrochadas, descobertas extasiantes
dos escritos de alguém...
Amanhã será assim, senão depois ou depois
Os livros, as melodias estão no canto da sala;
Elastecer o tempo
também elastece a espera,
faz crescer mais as asas da solidão
a descompreensão das escolhas
faz doer o corpo na secura verde do não
Não te encontro nos livros
nas pautas das sinfonias,
nas telas, nos papéis sobre a mesa,
lugares em que você fatalmente não está.
Então espero, como ontem
e mesmo assim, você não vem,
Amém.

Ilustração: Paula Baggio
Lápis aquarelado sobre papel Canson
20x30
 
Assim Seja

Flores sobre a mesa com toalha branca

 
Flores sobre a mesa com toalha branca
 
Olho o relógio com ansiedade;
quase hora dele chegar...
olho a casa procurando
alguma coisa fora do lugar,
Nada. As flores sobre a mesa da sala,
Os lençóis brancos cheirosos,
A água com gás
o vinho e o queijo que ele gosta
o perfume
os cuidados para que me ache bonita.

E quando ele entra
tenho o coração aos pulos
na emoção da falta
na alegria da chegada;
Desta vez, para sempre.
Não haverá mais esperas
Não haverá mais distância
Seus objetos
Seus espaços na casa,
Isso será ao depois...
Agora não quero palavras
novidades, nada!
Quero apenas o seu abraço longo
Seus olhos nos meus
Sua ousada vontade de me amar
O seu carinho ansioso
A tocar meu corpo e minha alma.
 
Flores sobre a mesa com toalha branca

Nada mais Triste

 
“Nada mais triste que o vazio de uma gare mantendo ainda, por instantes, a quentura do tempo [presença] de quem partiu no último trem”. Carlos Rodolfo Stopa

Cenas

Os olhares doíam tristezas de perda,
Olhares cansados dos embates desgastantes,
Nas frustrações das lutas vãs
Passos de chumbo arrastando o tempo,
Um nó sufocando a garganta.

Chegaram silenciosos...
Olharam longe para a gare,
Suspiraram desapontamentos,
Sentaram-se.
Esperaram sem palavras a chegada do trem.

Entrelaçaram as mãos, apertadas...
Mãos cheias de palavras surdas,
Trêmulas mãos frias, nervosas.

Um apito avisa que o trem se aproxima,
As mãos se apertam ainda mais.

Num som quase inaudível,
Ela pergunta procurando os olhos dele:
_ Tem certeza de que é assim mesmo que quer?
_ Não tenho certeza de nada, só sei que preciso ir...

É hora de embarcar.

Levantam-se aturdidos, caminham,
Abraçam-se longamente,
Misturam o gosto salgado,
Das lágrimas em suas bocas,
Ela passa a mão pelos cabelos,
Segura entre as mãos o rosto dele.
Não diz nada... Só as lágrimas, só o olhar.

Ele entra no trem, acomoda-se,
Entreolham-se pela janela,
Tocam as mãos espalmadas no vidro.

O apito,
A quentura de gare...

O trem começa a andar,
Ela fala sem que as palavras tenham som:
_Eu amo você.
Ele não pôde ver...
Ele não pôde ouvir...

O trem,

O som, a gare,

As casas,

Ruas, gentes,

Ela ficou parada ali,
Olhando o trem indo, indo sempre,
Até ficar pequenino... Um ponto.

Um vazio imenso,
Uma dor sem fim!
Amor que fica presente.
Certeza de que trem algum,
Pode levá-lo para longe.
 
Nada mais Triste

Desapontamento?

 
De onde vem esse desapontamento?
Apontado desapontamento...
Seria apontado?... Se apontado é visto,
Seria assim, desapontado apontamento... É?
Dane-se se aponto o sentir,
Se me desaponto tanto...
Pronto!
Ponto!

Se a vontade é ficar quieta, vento no rosto,
Esperando,
Esperar... Esperar que passe o que não passa,
Passar o que já deu de sobra,
(Sobras... Sempre sobras)...
O negócio é despoetizar,
Deslembrar,
Desrefazer o não refeito,
O não feito...
Desanimar,
Isso! Matar a vontade de dar vida,
Ao que já nasceu morto e eu não vi,
Desolhar,
Desolar,
Desrir, se chorar já não posso,
Ficar e esperar...
E não desesperar do esperado,

E como dizia a minha mãe:
_Eu não disse?
Disse?
 
Desapontamento?

Esse Acordar...

 
Esse Acordar...
 
Esse Acordar...
(Com você)

Esse acordar...
Selo e lacre dos sentimentos intensos.
Viagem,
esse acordar!
Fogo
Céu de
velejar as nuvens serenas do azul,
Esse acordar...

_Moço!
_ Deixa eu ver aquele domingo ali?
_ Aquele, à direita da terça cinza, na segunda prateleira,
_ Sim, aquele brilhante!
_ É leve?
_ Deixa eu provar se é...
_É...lindo ele, não? Levinho!
_ Tenho certeza que será durável...
_ Vou levar!
_Embrulha, moço, bem bonito,
_Papel de seda, laço de fita,
_ Sim, ponha numa caixinha!
_ Vou levar prá o meu amor...
 
Esse Acordar...

Cantiga para Pedro

 
Cantiga para Pedro
 
Cantiga para Pedro

Dorme agora menininho,
Fecha teus olhos então,
Dorme como um anjinho,
Numa nuvem de algodão.

Dorme, meu passarinho,
Sonha que está voando,
Saiba que o meu carinho,
Está teu sono velando.

Semente mágica que agora,
Anda em bêbados passos,
Sorriso de luz da aurora,

Será que você não vê?
Se pensas que eu te ensino,
Eu aprendo é com você!

Vovó Paula
 
Cantiga para Pedro

Viagens do pensamento

 
“Navego o dia; remos nas mãos, barco de cera.
Torço por sol fraco, ausência de pedras grandes e pouco peso!”
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“Ouvi a nossa música hoje: harpa de anjo ardendo no fogo do inferno”.
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“Hoje calcei 33! De cima da pipa colorida avistei o amor”.
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“A minha felicidade tem reserva de domínio”.
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“Sacudi os cobertores do meu coração e coloquei para tomar sol na janela dos meus olhos”.
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“Usei as bengalas do que cri para bater na minha cabeça”.
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“Pousei as mãos sobre o seu rosto como asas de borboleta”.
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“Espero essa espera cavando a muralha com colher de plástico”.
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“Tuas traições te traíram”.
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“Esperei à tarde só para ver o sol pular amarelinha com o céu”.
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“Gastei aqueles momentos com moedas de um centavo”.
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”O amor dele me fez tranças e sapatinhos de pulseira”.
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“Rabisquei a vida em lousa mágica”.
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“Suas desculpas são acusatórias. Suas acusações, formas de se perdoar”.
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Viagens do pensamento

Sabe, Pai...

 
Sabe, Pai...
 
Cuns Cus Critus Miratus Pitus
(Ao meu melhor amigo)

Fecho meus olhos, forte, forte,
Aperto assim como que para ver melhor!
Repentinamente meu coração se abre,
E como um pássaro liberto das grades,
Voa longe o meu pensamento,
Voa levando nas asas a sua imagem.
Vejo suas mãos bonitas descascando cana para eu chupar,
Cortando pedacinhos tão caprichosamente iguais,
Tirando os nós e rodando com habilidade o canivete nas mãos.
Vejo suas mãos envolvendo a direção do carro,
Passando os polegares sobre a pontinha dos indicadores,
Sempre da mesma forma...
Perco-me no verde amarelado dos seus olhos,
Olhando longe... Cheirando o vento,
Invariavelmente começando a frase assim:
_ Sabe Paulinha...
E então me olhava no fundo dos olhos,
Para me ensinar alguma coisa,
Que eu nem percebia o quanto estava aprendendo...
Ah... Eu ouço sua voz contando causos,
A proteção cheia de desculpas implausíveis,
Só para que eu não me sentisse diminuída...
A alegria no rosto dele,
Quando tocava seu violão imaginário...
Crim crim, crim...crim crim... crim...
Ou dizia em tom solene:
Cuns cus critus, miratus pitus,
Frase que ele inventou,
Quando não cabia palavra alguma para ser dita.
Meu pai era assim: é assim!
Habita dentro de mim, escondidinho,
E só eu sei que ele não se foi não!
Ficou vivo e aparenta a minha idade hoje.
_ Sabe pai...
Só não se esconde tanto, tanto...
Que eu não consiga te dar um beijo de Dia dos Pais!

Festa de São João - Óleo sobre Tela
Paula Baggio
55x45
 
Sabe, Pai...

Estatuto do Amor

 
Fica decretado para sempre que:

1. Os amantes não se distanciarão mais que alguns metros;
2. Cultivarão as pequenas coisas;
3. Darão prioridade ao amor sobre qualquer circunstância;
4. Jamais se esquecerão dos toques, das palavras suaves;
5. Cultivarão flores no jardim;
6. Serão ombro, asas e plumas;
7. Serão terra, nuvem e sol;
8. Saberão ser formigas, gato angorá, beija-flor;
9. Saberão da sua humanidade e divindade;
10. Tornar-se-ão enormes ouvidos;
11. Saberão ser esparadrapo e algodão;
12. Imprimirão na alma os sonhos feitos a dois, para que todos os dias possam realizar um pouquinho;
13. Serão cais, balsa e barco a velas;
14. Deixarão a liberdade fazer ninhos nas árvores e gramados;
15. Saber-se-ão hospitaleiros aos sentimentos do(a) amado(a);
16. Verão juntos pôr-do-sol e fotografias;
17. Saberão dos silêncios respeitados e dos barulhos partilhados;
18. Não se esquecerão do sorriso, da gratidão e dos chás;

E como artigo final, fica decretado que o amor fará sempre a sua morada no coração e nas mãos.
 
Estatuto do Amor

Contraponto

 
Contraponto
 
Contraponto

Tristes olhos de crianças famélicas...

Aquele olhar manso das rezes...

Diamantes negros,
Pastejando sem pressa,
As narinas úmidas, pretinhas...

Narizes escorrendo misérias verdes,
Que as desnutre e consome,
Deitadas em calçadas imundas,
Cobertas de trapos desbotados...

Os pastos de esmeralda, os trieiros limpinhos,
O descanso sereno,
Sob as mangueiras copudas.
_Você já viu como elas comem as mangas?
Esticam a língua imensa,
Volteiam e revolteiam a fruta na boca,
Até largarem o caroço branquicento pelo chão...

Pobres crianças revirando lixo,
Comendo restos, disputando xepas,
Esquálidos arremedos humanos,
Fadados a multiplicar a dor,
O crime, a miséria...

Os bezerrinhos trôpegos,
Que a mãe cuidadosa lambe,
Amamenta, guia e defende dos urubus,
Dos lobos guará e dos homens...

Órfãos e abandonados,
A promíscua realidade
Que vende virgens magrinhas,
E acolhe fetos marginais e desesperançados,
Em barrigas infantis...

Olhos e dor em dois tempos:
Um olhar à memória doce,
Outro olhar ao presente infame
Dos fatos sem solução...

Ilustração: Paula Baggio
Miséria
Óleo sobre Tela
45x35
 
Contraponto