Poemas, frases e mensagens de Mauro Gouvêa

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Mauro Gouvêa

Carta aberta de um psicótico à um Basofiador Literário

 
Sob o risco de ser expulso de uma comunidade na qual acabei de me inscrever, deixo o texto exposto como chaga que me atormenta pois a opinião é livre e eu defendo a liberdade de expressão. Mas à democracia não se estende o direito de ofender as pessoas.

Tudo começou com um comentário sem graça sobre um texto meu. Não foi uma crítica, foi um gracejo aparentemente inofensivo da parte de quem o fez. Mandei uma mensagem particular e creio que fui contundente no meu parecer. Daí resultou isso: Lamentavelmente eu não tenho o conteúdo da minha primeira mensagem e a pessoa com quem estou debatendo pode colocá-lo à vontade.

Achou minha defesa violenta? Parece-me que és mais sensível do que eu.
Não sei qual sua formação literária ou acadêmica, mas psicótico é algo extremamente agressivo quando o autor não tem a intenção de transmitir essa idéia. E a luz da psicanálise este meu poema, por menos valor literário que tenha na sua sábia concepção, está longe de ser psicótico.
Ao gracejar temos que saber com quem gracejamos.
Se me taxasse de ignorante ou analfabeto eu não me ofenderia. Se criticasse minhas pretensas qualidades literárias, me arrasasse, me rasgasse o verbo e usasse meus versos como papel de limpar a bunda, tampouco me incomodaria. Chamar-me de filho-da-puta, veado, paneleiro ou qualquer outra palavra que lhe pareça bem ofensiva não me faria nem cócegas.
O termo psicótico é ofensivo para mim, agressivo, desnecessário. Você não sabe nada da minha vida e eu não o convidei para participar. Talvez eu seja mesmo psicótico. Já parou para pensar no sofrimento mental de quem tem esta psicopatologia?
Eu nem vou perseguí-lo em busca de sua literatura para saber do que é capaz de escrever por preferir esquecê-lo.
Sinto muito por existir para você. Não perca seu precioso tempo comigo. Eu sou menos do que nada e seus olhos e intelecto merecem coisa melhor.

Foi isso aí. Se terminar por aqui, ótimo, se continuar... tentarei argumentar da melhor forma possível.
 
Carta aberta de um psicótico à um Basofiador Literário

Na margem do rio

 
Na margem do rio

Curvo-me
na curva do rio
e em vão
procuro o coração
que dizem
lá estar enterrado.

Quantas lágrimas
seguem nestas águas?
Quantas mágoas
deságuam no mar?

Ouço o cântico das lavadeiras
na beira deste rio
as águas a murmurar entre as pedras
segredam a mim
o que tu não segredas.

Lavo meu espírito
lavando-me
nas águas deste rio
onde banho meus olhos
onde umedeço meus sonhos
e sigo a correnteza,
esta corrente de incerteza
que me arrasta
sem libertar-me deste corpo
preso à sua margem.
 
Na margem do rio

Qual sua motivação?

 
Qual sua motivação?
E você? Como encontrou a resposta? Fez sua aposta na métrica ou na rima? Enalteceu a morte ou o amor? Falou do que carrega no peito ou do despeito pelas tristezas do mundo? Foi ufanista? Positivista? Niilista? Filósófico? Prosáico? Existencialista?
Qual a tradução da poesia? Podemos ter um ou muitos estilos. Podemos ser porta-voz de nossas dores internas ou denunciar as dores do mundo. Tudo podemos. A poesia pode ser romântica, crítica, social, irônica, melancólica, mórbida. Só existe uma regra, uma lei que eu ao menos tento seguir. JAMAIS SER VAZIA
 
Qual sua motivação?

Às almas irmãs

 
Às almas irmãs

Nada mais lindo do que uma alma irmã
Sentimos que nossa busca não é vã
e não é vã a esperança.
Crianças que somos brincamos de ciranda
e o tempo disfarçado em horas anda
e quando percebemos já é tarde.
Arde a chama do que fomos um dia
a inesgotável força da rebeldia
e a infinita inspiração do poema.
Pena que o tempo passa de arrasto
e o que era floresta vira pasto
e chão bruto de solo repisado.
Enfado, é tudo que sentimos então
teria se esgotado aquela paixão?
E sem resposta dormimos o sono dos justos.
Sustos nos acordam no meio da noite
sentimos o frio do açoite
e nossa pele se ressente.
Acende pois o candeeiro para a chama breve
carregue o tinteiro e que a pena lhe seja leve
para escrever o que a vida te cobra.
Eis aí a tua obra.
Adormece.
 
Às almas irmãs

Escrevo por vício

 
Escrevo por vício

Nada, absoluto vazio.
Pode correr por minha caneta
um rio de tinta
que as palavras me fogem.

Milhões de palavras soltas;
verbos, advérbio, pronomes,
substantivos, adjetivos
e alguns nomes largados em vão
sem a necessária conexão.

Assunto em falta
vazia a pauta
vazia a alma
olhar perdido.

Escrevo por vício.
Já neste ponto
mal recordo o início
mas o fim é o mesmo.
Nada, absoluto vazio.

Mauro Gouvêa
 
Escrevo por vício

Inter-rogações

 
Inter - rogações

Qual o sentido da vida?
O prato vazio, a fome, a comida?
Qual o mistério do universo?
O texto, a fala, o verso?

Qual a razão de tantas questões?
As vítimas, os heróis, os vilões?
Por quê escrevo tanto?
Para secar a tinta ou o pranto?

O que faz parte do jogo?
O ar, a terra, a água, o fogo?
Qual o sentido da poesia?
O amor, o sonho, a utopia?

O que dá sentido a Deus?
A fé dos crentes ou a descrença dos ateus?

O que me faz sentir tão só?
É saber-me carne ou adivinhar-me pó?

O que difere o destino da sorte?
É a sede de vida ou o revés da morte?

Mauro Gouvêa
 
Inter-rogações

Armas femininas

 
Palavras,
luvas de pelica
com que tu replicas
meus bruscos destemperos.

Olhares,
instrumentos de tortura
com que tu procuras
meus íntimos segredos.

Sorrisos,
recursos que tu usas
e por certo abusas
por saber-me teu cativo.
 
Armas femininas

Terra Brasilis

 
[i]Terra Brasilis[i]

Quem diria que um dia
iriam me descobrir
e cobrir minha nudez
e me ensinar o português.

Eu que vivia pelado, despreocupado
ao som do mar e à luz do céu profundo,
fui obrigado, mesmo forçado
a me abrir para um novo mundo.

E num breve tempo,
um contratempo me incomodou
me dividiram em pedaços, com simples traços
começando assim a exploração.

Me tomaram de assalto, num sobressalto
de alto a baixo me arrasaram.
Este ato, tão insensato
bem maltratado me deixou.
E, apesar de ser um mau tratado
tão cedo não acabou.

De outros costados, acorrentados
trouxeram o sangue que me deu ritmo.
Nas minhas costas largas, varonis,
me fiz índio, negro, mestiço, tantos brasis.

Um dia, que ironia,
resolveram me coroar
e o meu reinado, breve e envergonhado
teve que se acabar,
assim, às margens de um regato cristalino
num grito súbito, repentino
Eu, tão menino, de repente
me vi Nação.
 
Terra Brasilis

Espelho Turvo

 
Espelho turvo

O espelho reflete o rosto
cansado das noites em claro,
a boca guarda desagradável gosto
de restos, bebida e cigarro.

A pele, ressequido pergaminho
de traçados mapas, rotas de fuga.
A barba cerrada, espeto, espinho
cobrindo desleixada cada ruga.

Os olhos sanguíneos, dilatados
de assustadas pupilas que tanto vêem
testemunhas de homens condenados
que nada têm, nada querem, em nada crêem.

As mãos trêmulas condenam, acusam
os excessos das noites e madrugadas,
são trêmulas as mãos que abusam
dos carinhos falsos das mulheres perfumadas.

A arma jaz silente na gaveta,
no tambor, a pílula da cura imediata.
A trajetória é única, fatal e reta
e o espelho testemunha o homem que se mata.
 
Espelho Turvo

La Maja Desnuda

 
La maja desnuda
(inspirado na obra de Goya)

Eu tento te desvendar
pinto teu retrato com minhas cores.
A tela, o clarão lunar,
e o pincel riste de meus amores
pronto para te sujar.
Ao mesmo tempo em que negaceia e me finta
sei que me espera carregado de tinta.
 
La Maja Desnuda

Três desejos apenas

 
Três desejos apenas
 
Três desejos apenas

Dance comigo enquanto ainda tenho coragem
de pisar com os pés nus sobre a terra
enquanto não há terra sobre este corpo.
Não serei o bailarino adolescente e ágil
sinto tocar na coxa as dores da idade.
Peço compreensão e tolerância
até estar pronto para outra dança.

Venha se deitar comigo, enquanto ainda me restam forças
Teste-me como se jovem eu fosse e atente-se para a ciência:
Nas tribos amazônicas, nos confins do sertão, e na Patagônia
até os idosos
buscam o sexo antes da morte
buscam o prazer a qualquer custo
Entenda que a paciência é um suporte
antes de se chegar ao derradeiro leito.

Veja, quando o álcool me sobe e julgo-me jovem e palhaço
Posso até ensaiar uma bananeira
e tentar, de cabeça para baixo
reconhecer o mundo
Fazendo uma parada de mão, então, nesta posição
-Realizar-me olhando como um ponto de interrogação.
mas o corpo não ajuda
e fico só na vontade.
Frustrado, me curo da bebedeira sem nem mesmo uma ressaca.

Meus três desejos resumem-se em dançar, fazer amor e plantar bananeira.

Se puder acrescentar mais um, unzinho desejo só. O último desejo:
Escrevam em minha lápide:
“ELE NÃO ESTÁ AQUI”
 
Três desejos apenas

Mensagem de passagem dos dias

 
Mensagem de passagem dos dias

Pelo calendário romano, apropriado há séculos pelos cristãos e outros povos ocidentais, o dia 31 de dezembro marca o fim de um ciclo inexato de 365 dias que se convencionou chamar “ano”.
Seja pelo calendário romano, hebreu, chinês ou marciano, o tempo sempre passa inexoravelmente.
O tempo de nossa civilização é marcado pela rotação da Terra em torno de si mesma ou em torno do Sol. É marcado ainda pela subjetividade das esperanças humanas que fazem a cada ciclo mais uma época de promessas e intenções.
Cinicamente eu creio na imbecilidade da raça humana que seguirá o mesmo padrão, seja em 2012 ou 3500.
Farei previsões fáceis e óbvias que se concretizam no exato momento que teclo estas mal traçadas linhas. Morrerão motoristas imprudentes na estrada, inocentes também morrerão por conta desta imprudência egoísta e epidêmica.
Jovens embriagados morrerão ao volante matando outros jovens embriagados ou não. A morte é um fato consumado para esta geração que se julga invencível e que o pior só acontece com os outros.
Guerras eclodirão aqui e ali, como sempre por séculos e séculos até o final dos tempos. É o fardo da raça humana, tentar de todas as formas caminhar para o extermínio.
Crimes continuarão a acontecer, assassinatos, assaltos, tráfico de drogas. Mais jovens se drogarão e farão besteira e as mães chorarão tarde demais.
Estes mesmos crimes que são alimentados por aqueles que “recreativamente” usam drogas de todos os calibres, sejam elas “legais” ou ilegais.
Mais corruptos serão denunciados pela imprensa enquanto os corruptores de sempre navegarão em águas tranquilas. E nós, meros mortais, corruptores e corruptos em pequena escala, cinicamente nos escandalizaremos sem nos dar conta que jogamos o jogo sujo da sociedade ocidental.
Pois é... 2012 entra pela porta dos fundos, as boas almas pedem por paz, alegria e riqueza (pois o materialismo é inerente à condição humana).
Nosso planetinha azul dá suas voltinhas em torno do sol, alheio aos nossos desejos. Ele já existia antes e continuará a existir depois que nos formos.
Eu só posso desejar, uma vez que meu cinismo não me impede de ter esperança, que você que bebe, não dirija. Que você que usa drogas, saiba que são as drogas que te usam, que você que é brigão, seja menos imbecil antes que um imbecil mais forte ou armado apareça pela sua frente.
Desejo ainda que a ética sirva para todos, que antiético não é só aceitar suborno, mas também colar na prova ou roubar no troco, ou trocar etiquetas de preço, ou mentir por qualquer motivo, ou trair o (a) namorado (a) ou esposo (a), ou dar uma “cervejinha” pro guarda, ou..., ou... tudo aquilo que normalmente se faz como e só é condenável se alguém nos flagra.
Desejo do fundo de meu coração amargo como fel, que ninguém julgue sem antes julgar seus próprios atos, desejo que os homens sejam menos fúteis e as mulheres menos vulgares, que os cristãos usem a palavra de Cristo olhando para o espelho antes de olharem para a vida alheia.
Desejo que os políticos não roubem o futuro de nossas crianças com a anuência bovina de eleitores que só se indignam de tempos em tempos e esquecem tudo nas próximas eleições. Os políticos são nossos empregados e nós somos péssimos patrões.
Desejo que nossos impostos tenham um bom destino e que os sonegadores sejam menos hipócritas e parem de condenar os atos alheios, uma vez que justificam sua incapacidade de contribuir com a sociedade pelos altos valores dos impostos sonegados. Estes mesmos, que ainda que tivéssemos um sistema tributário justo, ainda assim sonegariam.
Enfim, como bom macaco, desejo que olhemos para o nosso próprio rabo, antes de olharmos para o rabo alheio.

Mauro Gouvêa
 
Mensagem de passagem dos dias

Poema para a mulher amada

 
Poema para a mulher amada

Amo-te como sempre te amei.
Já me perdi em poesias,
em rimas tortas me embrenhei.

Desejo-te como sempre desejei.
Nas insônias de meus dias
em carícias tantas te toquei.

Desfruto-te como sempre desfrutei.
No desvario de minhas fantasias
em teu mel me lambuzei.

Calo-me, como nunca me calei,
para ouvi-la no que dizias
enquanto vivo o que sonhei.

Mauro Gouvêa
 
Poema para a mulher amada

Apenas Sombra

 
Apenas sombra

Caminho
pelo fino fio da navalha
a tempestade
que castiga a terra
a mim apenas orvalha.

A linha que meu destino tece
encordoa tantas almas
que minha mente esquece.

Meus passos
vacilam temerosos
deixo sob meus pés
espaços tortuosos
trilhas cobertas de relva
que escondem a selva
que habita o meu ser

A chuva cai em grossas gotas
que mal molham
minhas roupas rotas.
Sou sombra intocável,
vulto indecifrável
que se mira no espelho quebrado
e finalmente, em silêncio
permito que minhas lágrimas
deixem meu corpo encharcado.
 
Apenas Sombra

Boas Festas

 
Sem poesias ou prosas melosas, uso este espaço para agradecer a existência deste maravilhoso abrigo para almas sensíveis, críticas, filosóficas, debochadas, românticas, sensuais, eróticas, ponderadas...
Enfim, a multiplicidade, o amálgama de emoções que encontrei aqui me fez sentir em casa.
São tantos que não declinarei o nome daqueles que admiro por receio de omitir alguém.
Boas Festas. Simples assim.
Saudações poéticas
Mauro
 
Boas Festas

Poeta, Viajante das Estrelas

 
Este meu poema, editado e publicado em 1986 pela Ed. Carioca, Rio de Janeiro, Brasil, começou a circular pela internet em 1999 e ganhou mundo, modificações, mutilações e plágios dos mais diversos. Estando ele já registrado em livro há 21 anos, atingiu plena maioridade e faço gozo de seus direitos. Não me importo que o usem, importo-me quando apropriam-se dele.

Poeta, Viajante das Estrelas

Meu destino é ser solitário,
coração errante,
eterno navegante sem porto
habitante das cidades ilusórias
nascidos sem dores de parto.

Sou filho do sol e da lua
no meu coração batem rimas,
no meu sangue circulam versos
e meu sorriso traduz poemas
jamais escritos por medo ou incerteza.

Cresci no meio de olhares,
alimentei-me de sentimentos diversos.
Crescendo dentro de almas estranhas
sou o poeta das rimas provisórias.
Meu alimento é paixão, ódio, amor
e todo sentimento existente
nas entranhas humanas
seja ele qual for

Sou filho do céu e do mar,
minhas veias são estradas infinitas
por onde passam caravanas ciganas,
minha mente imenso espaço
com profusão de estrelas e astros,
minhas mãos são pergaminhos sagrados
revelando segredos antigos,
meus olhos espelho de alma tímida
traduzindo versos que eu não quis escrever
por uma razão qualquer.

Meu destino é seguir eternamente
sem rumos ou guias,
por estradas vazias
que levam sempre ao meu lugar.

Sou filho do tudo e do nada,
da beira da estrada,
do chão e do ar.
Minha voz é doce balada,
cantiga suave para o mundo sonhar.
Sou som e sou cor
sou ódio e amor
sou vida, sou morte
sou sangue sem corte
Poeta eu sou.
 
Poeta, Viajante das Estrelas

A Lei de Talião e a Inviolabilidade da Vida Humana

 
Publicado originalmente no jornal Gazeta de Ouro Fino em 17/02/2002

Olho por olho, dente por dente. Esta é a famosa Lei de talião. Em nossos momentos de revolta pensamos imediatamente em vingança e, ousamos em nossa ira, declamar que “bandido bom é bandido morto”.
Consideramos a frase acima como um aforismo de desabafo, pois é muito triste acreditar em sã consciência que queiramos ser senhores da vida alheia por mais desprezível que esta nos possa parecer.
Os sociopatas, criminosos irrecuperáveis, autores de crimes hediondos, devem ser afastados de forma definitiva do convívio com a sociedade, mas seria a pena de morte uma solução ou apenas um paliativo para aplacar a dor das vítimas?
Nenhum outro meio penal tem sido mais ardentemente combatido e, por outro lado, defendido com mais convicção, nem mais universalmente aplicado que a pena de morte.
Sendo a favor da pena capital estaremos sob a veste legal, sob a mais requintada forma de homicídio deliberado e a sangue frio. Sua aplicação renega a mais indeclinável das normas de cultura: a inviolabilidade da vida humana. Em que nos diferimos dos assassinos? Apenas nos justificando com o apoio legal, o que torna a morte sobremaneira cruel e premeditada, sem nos esquecermos que a vida não tem retorno e um erro judiciário transformaria juiz e júri e, muitas vezes, a opinião pública, em assassinos.
Podemos confrontar a questionável eficácia da pena de morte através dos índices de criminalidade nos países que a conservam, com os dos países que não a aplicam ou que já a aboliram. O valor das estatísticas é relativo, mas sem dúvida demonstram a inutilidade da pena capital.
As estatísticas levantadas concluem que a persistência da pena de morte não diminui em nada a criminalidade e, por outro lado, ressalta-se que o número de execuções é extremamente inferior ao número de homicídios praticados.
Os sentimentos de humanidade e respeito à dignidade do homem que imperam modernamente nos países civilizados, repudiam a pena capital, visto que esta não corresponde ao moderno propósito das penalidades, que não é a de castigar, mas de readaptar o ser humano à sociedade. Repito: a pena de morte não é uma reação de legítima defesa, como dão a entender seus partidários, mas sim uma vingança fria, demoradamente premeditada.
A pena de morte não se apóia em nenhum direito, é uma guerra declarada pelo país a um cidadão. O rigor do castigo faz menor efeito sobre o espírito dos homens do que a duração da pensa, pois a sensibilidade social é mais fácil e constantemente atingida por uma impressão ligeira mas freqüente, do que por um abalo violento, no entanto passageiro.
As análises psicológicas das execuções públicas mostram que estas exercem perniciosa influência na população, despertando instintos sanguinários e tendências mórbidas para o crime.
A delinqüência tem que ser tratada por meios clínicos e não cirúrgicos e, por mais insensível ou cruel que seja um criminoso ele é fruto de seu meio, um homem por refazer e não a destruir. A justiça penal não pode reconhecer a própria falência aniquilando os delinqüentes, contra o dever de solidariedade humana e cristã, ao invés de procurar, na medida do possível, reajusta-los ao convívio social.
Em particular, no Brasil, se a pena capital não existe de direito, vemos em qualquer mídia, que é um fato consumado, através das ações dos grupos de extermínio, justiceiros e da própria polícia muitas vezes despreparada. As chacinas fazem parte do nosso dia-a-dia e nossa sensibilidade, embotada pela violência, transforma esse caos em estatísticas e, como deuses satisfeito com a imolação das vítimas proclamamos: bem feito! Ao mesmo tempo verificamos que a violência aumenta de forma incontrolável.
A criminalidade começa nas altas esferas, através da corrupção do poder público, que desavergonhadamente condena diariamente toda uma população inocente à morte por fome, sede, doenças que seriam facilmente erradicadas e à morte lenta e gradual pela ignorância consentida.
 
A Lei de Talião e a Inviolabilidade da Vida Humana

Tom Pastel

 
Tom pastel

Vejo as pessoas paradas
grudadas em frente à vitrine
olhando as coisas coloridas
que nunca irão comprar.

Eu fumo vadio
sozinho na mesa amarela,
de branco na tarde cinza,
fumando pálido e em paz

Vejo as pessoas sentadas
estagnadas nas cadeiras do bar
olhando a vida multicor
que não sabem acompanhar.

E eu bebo vazio
sozinho na mesa amarela
de branco na tarde cinza,
bebendo pálido e em paz.
 
Tom Pastel

Estudo do Silêncio

 
Estudo do silêncio

O poeta embriaga-se
imerso em solidão planejada.
Com poses estudadas
o poeta afasta-se da balburdia.
Distancia-se meditabundo
encontra-se ao fim de cada copo
perdido em tédio profundo.
Não carrega ele a cruz de todos nós
nem tampouco as culpas do mundo.
Por ser poeta ele se faz
de poeta entediado com todos.
E por ter o dom da palavra
e a vontade de falar de tudo
é que o poeta se embriaga
e bêbado permanece mudo.

Mauro Gouvêa
06/11/1987 – Ouro Fino
 
Estudo do Silêncio

Alma India

 
Alma Índia

Através da janela do trem
que perdi
passeiam imagens
que não vi.
Meus dedos dedilham
um violão imaginário
com canções
de um repertório
que inventei para mim.
É mato, poeira,
rede, esteira,
naquela cabana
no meio do mato
em sonhos e fatos
que me embalam.
Meu corpo é selva, é relva
onde meu espírito índio habita.
Minha tribo já não existe
e a voz de Tupã insiste: - “Pegue o trem”.
Mas a estação está tão longe
e absolutamente vazia
e minha preguiça ancestral
ignora a voz que dizia: - “Aqui não é sua terra natal”.
Que Tupã me perdoe
e outros deuses da mata
mas vou perder este trem
e o outro que vem
e os outros que possam vir.
Ficarei por aqui,
índio sem taba, sem tribo,
cavalo sem estribo
não quero prédio ou parede
meu abrigo é esta rede
que meu corpo aquece.
O resto...
bem, o resto esquece!

Mauro Gouvea
 
Alma India

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