Q U E R O
Quero te falar de agonias,
de noites frias, de versos presos,
canções vazias...
De mil amantes
e milhões de instantes,
que te trouxeram, que te levaram,
que me calaram...
Quero te falar destas manias
que eu cultivo na tua ausência,
pois não me livro da tua algema,
que me escraviza,que me avisa,
de mil dilemas
nos meus poemas...
Quero te falar destes amigos
tão "amigueiros",
e de parentes tão insistentes,
Deste amor voraz,
que nada traz,
só pede a gente, com insistência,
e devolve ausência...
É como um gelo
que não derrete,
ou como um espelho
que não reflete;
ou é um conselho que não se liga,
prá curar uma dor
já tão antiga...
Quero te falar desta poeira
dos anos gastos,
e das olheiras que eu amanheço,
e das sentenças que eu não mereço,
e de amores francos
despedaçados bem lá no fundo
de mil barrancos...
Hoje eu te previno
que o amor é mudo,
que o amor é surdo,
jamais se expõe...
Vive nos sonhos
que a gente esquece,
cresce na gente
quando escurece;
e é tão medonho,
assustador,
é preto e branco
às vezes cor,
ou é um encanto...
... ou é um horror...
A DANÇA - Um olhar sobre o amor
Frente ao espelho,
Quando te despes
Em gestos lentos,
Teus movimentos
Fazem-te palco e eu platéia
Dos teus eventos...
Meus olhos dançam
Com o teu corpo,
E a tua dança é um ritual
Que me alcança
E incondicional
Me contagia...
Frente ao espelho
Nua e solta,
Refletida em frente e verso,
Bebes vinho
Enquanto danças,
Desvairada em teus excessos...
E de repente
Teu beijo louco
Morde minha boca com euforia...
Depois escapa, se multiplica,
Pelo meu corpo,
Com ousadia...
E frente ao espelho
Onde dançavas
E eu assistia...
... agora o amor
Revela o quanto
Tu me querias...
P E N S A R
Na essência do pensar,
devo te amar...
Devo te amar sim,
solidão...
E te entregar meu eu
mais puro
e meu olhar
mais sombrio e escuro...
Mas devo guardar,
num canto de mim,
um lugar de festa...
pra viver por lá
quem me encanta...
pra ficar por lá
quem me vê,
e ao meu som,
meu sol,
meu ser...
Deve existir por lá
muita paz,
pra embalar a presença
bem vinda
da tua voz...
e o "meu seu",
o "teu eu",
o "meu nós"...
Lá me delicio
com a tua poesia
de verso arredio,
E me envolvo
nas manias
do nosso sexo,
teu beijo,
teu corpo,
teu cio...
PRESENTE
Quando numa tarde furtiva do calendário
Teu abraço ansioso me alcançar,
E eu, guerreiro vencido e sem itinerário,
Em teu coração me refugiar...
Quando teu olhar me fizer de novo respirar
O ar puro dos caminhos teus...
Quando me conduzires pelos corredores
Dos sonhos meus...
E deles me deres, enfim,
O mapa, a posse, o destino, o sim...
Quando fatalmente então me seduzires,
Envolvendo-me como ingênuo menino,
Nos laços do teu corpo quente,
Eis que inventaremos um amor
Tão exagerado e indecente,
Que talvez até se apague,
Envergonhada,
A luz do sol poente...
Mas Deus, numa benção,
Imediatamente,
Nos dará um luar e um ceu estrelado,
De PRESENTE...
DESABAFO
Ao Deus verdade ou mito /
Que existe ou consiste no infinito /
Escrevo o meu libelo poema /
Pois não é justo esta era ser julgada /
Pelos mesmos padrões da era passada /
E estes versos são o teorema...
Não é justo julgar com igualdade /
Em várias eras a mesma humanidade /
Há que se levar em conta tempo e espaço /
Para que todos com parcialidade /
Gozem o bendito céu da cristandade /
Um peso e medida só é muito escasso...
Era mais fácil viver sem odiar /
Na noite antiga, serestas a cantar /
Sob a pálida luz de um lampião /
Lua de hoje não inspira serenata /
Lua de hoje é meta de chegada /
Onde Luniks e Apolos pousarão...
Corpo a corpo ontem eram as guerras /
Para a conquista ou defesa das terras /
Os generais garbosos lá na frente /
O átomo foi então desintegrado /
E manobrado em teleguiados /
Matam soldados generais ausentes...
Destrói, não destrói, eis a questão /
Da nossa era em decomposição /
A radioatividade pairando pelo ar... /
E os seres desta era clamam aflitos /
Não sei se revoltados ou contritos /
Pelo simples direito de respirar...
Ah ! O ar puro dos campos, inalado /
Nas manhãs de tempos tão passados /
Dos convescostes alegres da vovó /
Os saraus, os acenos, o “bom dia” /
Que desconhecem os da geração vazia /
Que por ter mais gente está mais só...
A cibernética facilitou a vida /
Paradoxalmente mais difícil de ser vivida /
Ao toque milagroso dos botões /
Porque o ser humano vaga renegado /
Na parte material sempre lembrado /
Mas sempre esquecido em suas emoções...
Os cedros do Líbano se extinguindo /
Parecendo profecia admitindo /
Que dos tempos chegamos ao final /
Guerras, mortes, doenças, invasão /
Crianças morrendo por inanição /
É todo dia manchete de jornal...
Por isto, Deus verdade ou mito /
Se nos julgares, como está escrito /
Não coloques no prato da balança /
Os desvairos e a nossa omissão /
Na fé, no amor, na dor, na compaixão...
Somos a geração sem esperança...
L E M B R A S ?
Veste o teu antigo olhar felino /
E vigia meu caminhar inseguro /
Pois preciso muito andar contigo, menino !
Sou aquela ingênua menina, cheia de paz... /
Te olhando como um anjo sereno... tu lembras ? /
Guardando teus sonhos e os meus sonhos iguais !
Lembras como tudo nos separava ?/
E teus olhos me procuravam, envergonhados /
Escondidos de tudo que nos cercava ???
E daqueles longos silencios... tu lembras ? /
Nos quais mergulhávamos, lado a lado, medrosos... /
E a vida nos ofertando um ao outro... lembras ?
Então, anjo meu, vem comigo ! /
Afasta-me deste mundo doentio /
Acolhe-me no teu bendito abraço... menino !!!
E descobre um refúgio pra nós /
Acomoda-me em tua solitária paz /
Em teu corpo, teu calor, tua voz ...
Porque hoje, menino, muito mais te quero meu /
Longe das invejas deste mundo insano /
Ao qual jamais pertencestes... e nem eu !
TRANSFUSÂO
Viajo no brilho
Do olhar ausente
Que me rodeia ...
Desnudo os horizontes
Do corpo sedutor
Que me anseia...
Sou prisioneiro
Declarado
Em tua teia...
Vou rumo norte,
Remo e rio
Da morte...
Pegadas de sangue
Lavam o grito meu
Que ecoa...
Tonteio, esvaio,
Tropeço no próximo
Desmaio...
Exausto me deito
E vejo tua mão
Num sinal em cruz,
Tocando meu peito...
E eis que o sangue teu
Do qual me aposso
Enche minhas veias,
Transfugido
No beijo nosso...
E abençoado
Com teu abraço
Eu sobrevivo
porque sou amado...
FOCOS II
Eu me quero pra mim,
Não real,
Não abstrato...
Só meus fragmentos,
Sem ansias
Sem sentimentos...
Quero taças refinadas
Pra beber a dor
Num só gole...
A enferma dor
Fatal e suave
Da liberdade...
Sentir o vento livre
Das feridas antigas
Que não doem mais...
Guardar nas veias
O meu sangue
Que não sangra mais...
Resgatar-me em mim,
E ser eu
Assim como estou
Em mim...
Sem vestígios,
Sem fim, sem início,
Sem ilhas...
Caminhar sem rastros,
Sem passado,
Sem vícios...
E gastar meu amor
No teu amor
Sem trilhas...
E em mim me atrever
A viver só por ti
Em mim...
Porque em ti
Não desabo
Com meus próprios abalos...
E me embebedo
De ficar só ouvindo
As estórias que contam
Os teus olhos calados...