Poemas, frases e mensagens de José António Antunes

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de José António Antunes

Sonhos

 
O sonho ilumina
é brincadeira dócil do tempo
é o tempo inteiro de uma vida
uma ventania que alivia
outra mágoa que se sente
no revés do dia
pleno e ausente, quente
o ópio do pensamento
que a noite aclama
e o sol acalenta, nu
com o sonho na voz
e os olhos no poente do momento!

Sonhos são lufadas de força
que dão garra à vida
e se lançam à dor, lutam ousados
no calor do silêncio,
em forma de desejos vazios
entre sonos e fantasias
com o coração bêbado de cores,
numa memória que clama voraz
o que sente
nem nunca esquece
por mais que queira e tente!...
 
Sonhos

Herdeira da pobreza

 
A minha herança é pobre
como também eu sou.
Tudo quanto é meu
são livros de poesia
escrita em dilúvios de estranheza,
por momentos
que só eu soube sentir
nas palavras em que meditei.

São alguns
somente
não muitos
para quem houve tantos instantes
dignos de uma ternura!

És tu mulher
a herdeira pobre,
por meu quer nominada!
-porque o poema tem o teu nome
E a tua voz nele gravadas…

Ainda assim,
esta herança não a dou
a outrem que não tu
e a sua miséria
tem o preço que por ela sentires.

A minha herança
são palavras em papel triste,
que a ti endossadas
são certeza de amor
na vastidão em que sou
fiel ao poeta,
que um dia qualquer
morre no sal de uma flor
apaixonada…

…e as cinzas do meu túmulo
serão guardadas em ti
ou doadas ao poema
que mais sintas teu!...
 
Herdeira da pobreza

Ela é assim

 
Ela entra no café de sempre
pelas portas do meu olhar,
abertas de par em par,
e logo o meu sangue berra baixinho
uma paixão galopante, sem freio
nem margens ou centro.
Olha-me levemente, serena
como se distante roçasse em mim um beijo
cálido de silêncios e mil omissões…
Todo o fulgor desmaia ósseo
na fantasia do momento,
o meu desejo bebe o ruído de toda a gente
e sem ela saber, só nós ficamos ilesos
com o sigilo dos amantes presos nos lábios
e no pensamento hilariante que nos veste!

Ela vai e vem pelo tempo
e deixa um rastro de doçura solta
entre searas de momentos singelos
onde o corpo se esquece louco
nas loucuras de tamanha sedução
e os gestos mais exactos inquietam-se
num faiscar de um sorriso
dado com a demora de um olhar!

Ela entra na minha vida
sem esforço nem enguiço
e sabe-o por instinto
quando o coração afoga o motim
por ela em mim…
e no gesto mais singular
céu e terra testemunham
aquele embaraço de um amor amordaçado,
que no íntimo se guerreia
em claustros de sonhos ferozes
pela indiferença que lhe causo
para além do que lhe vejo sem voz!

Ela é uma aurícula sem lugar certo
nos batimentos quentes da minha ilusão…

Procurei-lhe o sorriso que não via
e quando o encontrei, casei com ela…
 
Ela é assim

Quero-te

 
Ainda que ausente
e sem regresso de mim,
quero-te muito
porque o coração vislumbra por ti
um amor que não se desencanta
só porque o tempo aborta
e a vida se farta da paixão…

…e no que fica de nós, amantes
quero que sejas desmedidamente feliz
algures onde te desejes
adivinhar a vida.
embora aquém desse lugar
eu terei sempre distinta a lembrança
com saudade de amor,
(hoje, ardente e vivo
amanhã mais amigo)

Ao olhar no céu o brilho do sol
- é que também tu,
foste um sol da minha quimera
e se o adeus que nos hidrolisa
os sentimentos,
alveja-me de sofrimento,
também o sorrio
por tolerante me teres ensinado a amar.

Ainda que nada se apague
de forma alguma,
é na lealdade para comigo
dizer-te o muito que te devo,
quero-te a de todas, a mais feliz!
Amo-te muito!
 
Quero-te

Poema d’amor no dilúvio da espera

 
O mundo dorme,
com ele
a minha lira,
descansam melodias meigas
no entoar do silêncio
desta longa espera.

Recolho uma lágrima
despedaçada no olhar
em fragmentos de dor
que o sentir oculta no rosto…

O mundo dorme,
a noite é longa…
Sei-o!
e a escuridão esmaga
com garras de solidão
os meus gestos sem sono!

Lanço-me na volúpia do luar
e invado o vazio da noite
com as tuas formas de encanto
que na memória se agitam…
entre ternos desejos
e a vasta ausência,
ardem sentimentos
exaustos de te esperar…

São óbolos reais carrascos
que a distância da vida,
erguem altos muros
onde os meus olhos embriagados,
consentem lágrimas!
 
Poema d’amor no dilúvio da espera

Escritor de desencontros

 
Se por um naco de tempo
eu pudesse governar as palavras
e a lembrança
eu faria do nosso ontem
um livro de dramas e
delírios, silêncios
e risos, amor
para que os amantes
que ninguém ensinou a amar,
pudessem aprender
a amizade e a força do diálogo
que quem é solitário
não destrinça antes do naufragar!
 
Escritor de desencontros

Tu és a mulher que amo

 
Tu és a flor
eu sou o zangão
que te corteja as cores
e rouba o desejo
aos olhos com que abraças
o carinho que te tenho,
por ti somente.

Tu és a ave singela
que esvoaça presa ao céu,
eu sou o caçador
que te lança brados de amor,
arqueiro do teu planar,
guardião do teu sono.

Tu és o rio imenso
em busca do mar
eu sou a maré morena
que embala a tua paixão
loucamente...
sou como a lua
em que bronzeias a vida
e dás força ao sonho amigo!

Tu és mulher serenamente
e eu sou o teu amante sempre
mesmo quando estás ausente
sem mim...
tu és a minha vida
tu és a emoção que amo,
o abraço ardente
a mulher que amo,
por todo o sempre..

(Dedicado à minha mulher)
 
Tu és a mulher que amo

Lugar do meu espaço

 
Havia gaivotas
onde perto era mar,
corriam nos penhascos
meninos de vento e areia,
de braços no ar abertos
vinham na voz
de quem partiu
ficam em segredo
sorrisos e risos
que mais ninguém viu.

A história das águas
ouvi-a contar
na piela de um velho
que de quando em vez
à praia vem chorar
o que a ausência
vai bebendo do lugar.

Dormi nos galhos da rocha
onde as ondas não me chegavam ao sono,
ouvi os passos das aves
descerem pela praia
até à noite,
pelas manhã me encantei bebê-los
com o olhar,
são meninos de vento
que sinto velejar pelo corpo,
num lugar de espanto
em bocejos de sonho.
 
Lugar do meu espaço

Se...

 
Se amanhã me escusar
e num arrabalde de vontade
selar a vida e voar
correr o tempo e a idade,
ou apenas sonhar...
... felicidade.

Se for sério e for leal
e o coração não ultrajar
chegarei certo ao final
com o olhar a abarrotar
pelo riso num arraial...
... assossegar.

Se depois de tudo e tanto
alguma mágoa me ferir
vou ser forte e ter encanto
dar luta e sangrar, colorir
ser rugido e não ser santo...
... carpir.

Se for e não voltar
tenha azar ou tenha sorte
vou tentar aguentar
por demais a minha morte
isto tudo, apesar...
... passaporte.

Se amanhã não for melhor
e por muita dor que seja
não desisto, não senhor
todo o grito que mal veja
brado alto o meu furor...
... inveja.

Se tiver de ser incerteza
e alguns dias sem viver,
deixai-nos a gentileza
de em nós poder escolher
os olhos da nossa beleza
... amanhecer.
 
Se...

Que fazer com a culpa e a desculpa

 
Que fazer?!... Somos culpados na palavra e na omissão... culpados de ter culpa e não ter desculpa para toda a culpa que se culpa, em quantas vezes, sem culpa alguma ou desculpa nenhuma...
... e penenticiamos os dias frios com a ternura de uma funda nostálgia, e, às vezes, até choramos pela mais das vulgares emoções, e o tempo ganha sombras, seja noite, seja dia...
... e sofremos piamente até ao amanhecer, uns mais que outros, mas no fim todos somos ágeis culpados de muita coisa, cada qual à sua maneira e com mais ou menos desculpa...
 
Que fazer com a culpa e a desculpa

Viagem que sou

 
Sou a viagem que sou
sei-o!
Mergulho as mãos
no absurdo.
…Rumo ao irreal,
Como barcos sem leme
Sulcando os mares de azul.

Sei que sou a viagem…
Degrau a degrau
subo as muralhas débeis
da palavra,
e do cume voarei
de braços abertos sobre
as praias de um lençol,
surdamente inspirado
em vezes de estranheza
e tímidos medos…

Sou uma viagem
sem retorno…
-regressos não há.
O fim não sei,
Mas o amor é o meu tempo!
 
Viagem que sou

Dedicatória íntima

 
Porque dei ao meu dia
o teu perfil,
e cheiras a sorrisos
nos meus olhos áridos...
Porque és um mar súbito
no ventre de um desejo, submisso
em que o teu corpo
é um porto marinho
onde calo as águas loucas
de uma solidão altiva...
Porque és fêmea
e dissolves em amor
os momentos mais prementes,
ou porque a tua alma
tem odor a ternura,
dou-te o silêncio carnal
das minhas noites...
... e o meu vazio
também é teu,
o meu sonho é a tua viagem
onde te pertenço.
Porque os lábios
se unem em abraços
num gesto meigo e quente,
húmido até, suspenso na vertical...
Porque és
um segredo meu,
que os dedos acolhem sublimes,
na intimidade
duma brisa que chora
quando as horas passam
em contornos dalguma mágoa existencial...
Porque te confesso
a minha verdade
ou porque o sangue arde
no arfar de cada carícia
e as palavras éteras
ricochetam no peito,
em forma de uma poesia...
Porque adormeces
nas minhas mãos,
e a tua voz
é a distância dum sussurro,
solto em uníssono
no bordo de um sono
que já é apenas nosso...
Porque és a vida
que ejaculo da mente,
a lembrança contínua que fumo,
na mesma ânsia
em que te chamo...
... na mesma névoa óssea
em que o teu nome
é o grito melífluo
dum enorme nodal, suicidado
na textura singela duma dor,
um rumor que cresce
nos acasos que albergo longe de ti...
Porque és a ravina
do meu precípicio,
a chuva colhida
num charco de mágoa triste,
ou a erupção dum vento
que morre em cada despedida...
Porque és o que resta
do meu naufrágio animal...
Porque te amo...
 
Dedicatória íntima

Próximo da mágoa

 
Próximo da mágoa
há um pântano de nenûfares
onde as ninfas do destino
se banham e amam,
entre um bando de vozes
e o pipilar das ausências
num choupal de chilreios.

No interior do seu leito,
dormiam a finitude redentora
inocentes na seiva,
os dedos vegetalmente carnais
de uma amargura
que sonhava crescer
no mar dos seus penhascos.

Na vanguarda dos ângulos rectos
havia um bosque sinuoso
de tremuras e emoções,
escarpadas redundâncias
em dimensões que só os anjos sabem
e aladas pelos ventos,
as noites ensinam as flores
a cavarem com silêncios cúmplices
a fossa das suas derrotas.
 
Próximo da mágoa

Quando lembrares um poeta

 
Se um dia
vires um homem chorar.
E se o seu rosto
for um poema esculpido,
deita-te a seu lado,
repousa teu corpo sobre o seu
e chora com ele,
porque a dor naufraga
também será a tua lágrima.

Se olhares em volta
e vires um poeta sorrir,
então, ama-o
no ímpeto dos seus lábios,
em migrações de um afago
num poema
que é aquilo que dele fizeres!...

Se não vires poeta algum,
nem crianças brincando sós,
senta-te na sua ausência
e aguarda
pois a noite é cúmplice do desejo,
e os poetas calam
mas não morrem,
enquanto os teus braços quentes
forem a tentação dos corpos nus,
pelo suor em que sou poeta
…onde sou por ti possuído,
E tu, mulher amada…

Mas se jamais
foste tocada pelo poeta.
acautela-te
porque os seus seios de macho,
se sugam sublimes poesias,
que no leito do teu sono
contigo fará amor
sempre que o sentires dormir em ti.

- na ânsia do beijo,
Sonha-se…

…no entanto
os poemas serão grilhetas…
e o poeta teu prisioneiro!
 
Quando lembrares um poeta

Memórias

 
Nos degraus das horas
brincam memórias minhas
que só o silêncio também sabe.

À distância de um gesto
a alma é o pastor dos sentimentos
sempre à coca, vigília acesa
que ilumina os gestos mais viris
e os pensamentos mil de uma angústia
sem nome nem sonho, vazio.

No entulho dos momentos maus
as saudades jantam o ouro da memória
em valsas de utopias lilazes
que o coração chora e funga
quando as horas brincam também
pelos chãos das lembranças doces
da vida que nunca é só nossa.
 
Memórias

Pássaro de mimos

 
Lembras-me uma ave bela,
um colibri de luz
bebendo sons de paixão
nos recantos da tua boca,
incandescentes como beijos,
loucos, suados e verves
ardendo estilhaçados
na palma das mãos
em uníssonas formas de desejo,
adormecendo no corpo teu,
que também é meu,
entre rumores do coração
e os cumes enlaçados do sangue,
por lampejos de ternura, amor
caídos do olhar que me lanças
aquecido de ardores,
agasalhado de gestos
e memórias que bem lembro...
deslumbramento,
prenhe dessa paixão
que nunca esqueço!

Lembras-me um pássaro em fogo
na languidez do instante,
correndo pelo alento dos dias
em busca desse carinho,
ramagens de uma emoção
que se aprende com mimos.
 
Pássaro de mimos

Venho da alma

 
Venho dos refúgios da carne,
imóvel no longínquo dos dias
onde os mares cavam rios,
que se abrem em sulcos
até ao acordar dos céus,
nos ninhos inconfessos
de eximias gaivotas,
em cardumes sem garganta…

Venho da vertente dum poema
escrito por meninos de sede,
na distância do meu corpo!

Corri os mares
E os vastos oceanos,
…corri os eflúvios do corpo,
descem à memória
e se debruçam calados
em sombras que se afogam
…deslizei do olhar
por brumas obliquas
onde os homens choram
os crimes dos homens…

Venho d além longe,
da margem…
um ponto fixo
na distância dos séculos
e perto da alma!
 
Venho da alma

Não te esqueço

 
Eu não sei porque não te esqueço
mais do que algumas horas do dia,
um meio-dia apenas no ciciar da distância
que seca o desejo enamorado na boca
e com o tempo cura a saudade
como quem lava das mãos um vício doce
com os odores carinhosos de um perfume
alegre e irrequieto, reactivo
que faz baba nos olhos loucos por ti.

De mãos estendidas
não sei se te mendigo ou regateio
nem se te enrolo nua no meu refúgio
e unidos por penachos de amor,
dar aos destinos a verdade, insubmissa
na firme certeza de acordarmos ilesos
pejados de beijos e dias velozes.

Eu não sei porque não te tiro do sono
quando me esqueço e durmo
de sobrolho na vigília das cores,
mas sei que as plantas e as aves na rua
farfalham entre si as tropelias do desejo
com o olhar ornado de vida.
 
Não te esqueço

Não me ergo, levanto-me

 
Eu não me ergo, levanto-me
quem se ergue sempre caiu
e eu puxo por mim,
agarrado ao desejo férreo
de me ver elevado
por cima das vicissitudes
e à margem da agonia,
caçando alívios e suspiros
de uma estirpe sem raça.

Eu não me ergo, renasço
resgatado de um passado verve
não me estranho, nem entranho
bebo a sede de viver, indígena
não quero desperdiço nem fúteis cores,
amorfas audácias, mordaças
quando me despertar para o amanhã
que me adorna o olhar…
… no capim do dia seguinte.

Eu não me ergo, levanto-me
quem se ergue não caiu, ruiu
e eu levanto-me, persigo-me e expio-me
até encontrar o sossego que me adensa e foge…
 
Não me ergo, levanto-me

A lágrima morreu

 
Num caixão sem soalho,
a lágrima ia nua e singela
ia só nos despojos da vida,
ia sem voz nem beleza,
talvez morta pela míngua
talvez farta pela destreza,
mas no fim, a lágrima morreu…
foi uma septicemia fatal
uma dor ansiando ser tristeza,
ou uma tristeza ansiando esquecer,
mas a lágrima morreu,
morreu boçal e livre
num incesto de emoções,
morreu breve e solteira
como deve uma boa lágrima,
morreu apenas
sem sequelas para o coração,
morreu só, morreu chorando
a vida recauchutada
que lhe deu uma peritonite amiga!
A lágrima morreu,
Ficou o sal…
 
A lágrima morreu