A porta que eu julgava entreaberta
A porta que eu julgava entreaberta
Aos poucos, devagar, se vai fechando.
Eu vou metendo o pé, mas até quando
Suporto esta dor que me aperta?
A frincha era pequena, é verdade,
Mas mesmo assim de lá saía luz
Que dá brilho aos meus olhos, me seduz
E dá fogo à paixão e à vontade.
Sozinho, no escuro, eu cá fora
Adio a decisão de vir embora
E olho para a porta com ternura.
Depois eu me alegro, esperançado,
Nem tudo está perdido ou fechado,
Há luz que ainda sai da fechadura.
É manso este vento que enfuna
É manso este vento que enfuna
As velas que eu iço a céu aberto.
O porto de abrigo já está perto
E é pra lá que levo a minha escuna.
O sol aquece agora a minha alma.
Depois do frio e forte tempestade,
De ondas e marés de ansiedade,
Navego numa espuma de água calma.
Agora é esperar que o futuro
Me traga num murmúrio, num sussurro,
A paz que eu desejo e mereço.
Depois um novo embalo da maré
Que faça aumentar a minha fé
E vire a minha vida do avesso.
Soneto para Olema
Eu já lhe adivinhava e conhecia
o jeito doce, afável de falar,
a mão sempre disposta a entregar
um gesto de inefável simpatia.
Mas não imaginava a beleza
que sai de suas mãos habilidosas,
as formas subtis e graciosas
que molda sobre o barro com destreza.
E ontem de surpresa, de repente,
eu tive em minhas mãos, como presente,
um pouco desse mundo delicado.
Por isso, para si Marília Olema,
compus eu, neste simples poema,
um sentido e sincero Obrigado!
Perfume mal gasto
Tu és um desperdício de perfume,
Do meu dispendioso elixir,
Das gotas que gastei ao aspergir
Pensando atiçar esse teu lume.
Mas não, só encontrei a cinza fria,
O gesto enfadonho, calculado,
O corpo tão quieto, ali deitado,
Cansado, um bafo frio ao fim do dia.
Devia gastar menos, ou melhor
Devia ir cheirando a suor
Depois de mais um dia de trabalho.
Por isso vou deixar de aparecer
E dar subtilmente a perceber
Que és já carta fora do baralho.
Por vezes, sem sequer eu dar por isso
Por vezes, sem sequer eu dar por isso,
atrevo-me a pensar como seria
dar asas a esta doce fantasia,
que cresce no meu peito, qual feitiço.
Eu tento adivinhar, olhos fechados,
as formas do teu corpo, nu, despido,
até de preconceitos, atrevido,
fremente, com os pêlos eriçados.
Eu quase me imagino ao teu lado
tremendo eu também, todo excitado,
urgência em te ter e em me dar.
Eu sei que é tudo pura fantasia,
que nunca saberei como seria,
contigo, conjugar o verbo amar.
Promessas
Florescem-te na boca distraída,
promessas que esqueces bem depressa.
Eu quero que o que dizes aconteça
mas fico só, num beco sem saída.
Espero que me envies um sinal
e conto os minutos sem ter fim,
pensando que te vais lembrar de mim,
mas tu já me esqueceste. Afinal
eu sou simples poeira, leve pó,
que tu sempre sacodes, sem ter dó,
sem ver que me magoas, bem no fundo.
E eu que não te peço o universo...
Só quero ser a vírgula dum verso,
um simples grão de areia do teu mundo.
Por certo não te lembras mais de mim
Por certo não te lembras mais de mim,
depressa te esqueceste que eu existo.
Eu sei que não passei de um imprevisto,
efémera flor no teu jardim.
Aquilo que eu recordo com saudade
há muito se apagou na tua mente.
Seguiste teu caminho indiferente
deixando-me amorfo, sem vontade.
Agora vou melhor um bocadinho
e penso sempre em ti com um carinho
que nunca poderás apreciar.
Eu guardo-te no fundo do meu peito,
envolta em ternura e respeito.
Quem sabe se decides regressar.
Parabéns
A uva não revela, na videira,
o vinho cor de sangue, encorpado,
que bebo distraído, descansado,
ao lado do calor desta lareira.
A árvore, de raízes bem no chão,
esconde nos seus veios a beleza
dum fino violino que a destreza,
fará nascer nas mãos de um artesão.
Mas tu sempre mostraste que serias,
com o passar do tempo e dos dias,
um poço de beleza e sedução.
À porta do clube dos quarenta,
tu és belo demónio que me tenta,
e enche o meu peito de ilusão.
Pirómanos
Eu vejo tudo escuro à minha volta,
um traço negro a fumo e fuligem.
Um grito da Mãe Terra quando a atingem
os fogos que provocam a revolta
dos Verdes. Dos azuis, dos encarnados,
não há cores diferentes nesta luta,
na caça a esses filhos duma puta
que roubam o futuro aos verdes prados.
E pintam de cor negra o dia a dia,
levando-nos a pouca alegria
dum povo assim pobre e tão carente.
Faremos excursões organizadas
para ver as árvores negras e queimadas,
sentir nas mãos a cinza ainda quente.
Nasceu o Francisco
O Francisco nasceu e eu aqui partilho convosco as emoções e alegrias deste acontecimento maravilhoso.