Poemas, frases e mensagens de AntonioCarvalho

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de AntonioCarvalho

Um site de poesia à beira-mar plantado

 
Credo, um poema novo, vou já ler. Minha nossa, que coisa tão linda, que poema de amor tão forte, penetra na minha alma, como se noutro sítio fosse. Amor à primeira leitura. Apeteceu-me agarrar na fotografia vaga da escritora e possuí-la, já ali, com todas as forças psíquicas que tinha.

Cinquenta pessoas a achar que o parágrafo acima foi a sério. Outras cem a achar que foi irónico. Outras vinte a achar que foi uma calúnia, uma ofensa pessoal, e que este texto se dirige única e exclusivamente a elas. Quem me dera fazer amor com os seus egos, num orgasmo gigantesco como o tamanho dos amantes.

Quem me dera ter duzentas e cinquenta e seis imagens à disposição para espalhar por este poema sem ordem. Quem me dera ter vídeos e animações, para criar o ambiente de intensa paixão que quero viver com alguém.

Mas um dia, decidi expelir o meu espírito e levá-lo a passear. Surrealizei-me, inventando palavras que não existem, encarnando o escritor que não sou. Pisei terras desconhecidas em sapatos do tamanho de outro. Doeu, mas os meus pés encolheram. E quando voltei a mim, tinha os pés pequenos. E gostava de meter imagens nos meus poemas. E gostava que me comentassem os poemas, como se me amassem de uma forma absoluta e única. Também gostava de fazer tudo e mais alguma coisa e porra nenhuma também.

Tudo porque os pés encolheram tanto que me faziam tropeçar e cair. E eu nunca tinha caído antes. Antes, não percebia que tinha os pés grandes e equilibrados, calcanhares feios e robustos que faziam de mim pessoa simples e afável. Mas também posso ser estúpido, incrível, absolutamente espantoso na minha idiotice. Que será fantástica para mim, dependendo do tamanho dos meus sapatos.

A moral da história é: todos cometemos erros e devemos aceitar toda a gente como ela é.

Oi? Espera... Não é isso, coisa nenhuma! Tenho direito a odiar pessoas. Tenho direito a meter cascas de banana espalhadas por este texto, para que vocês possam todos cair na porcaria que as formigas fazem e não se vê. Tenho também o direito a ser odiado, o direito a ser desprezado e o direito sádico de gostar que me odeiem e me mandem uns tabefes na cara, sentindo o poder de outra pessoa que me domina com um chicote e a cara tapada. Não sei que tamanho de sapato teria de usar para isso, no entanto.

O meu objectivo é fazer-vos perder dois minutos da vossa vida a ler este texto que diz muito e não diz nada. Lição de auto-estima? Talvez. Moral e ética? Hmmmm... Sermão sobre a diversidade? Nunca tive jeito para padre.

Mas vá, se querem mesmo um propósito... Eu não tinha mais nada que fazer. Estava aqui sentado, a pensar numa forma de continuar a minha existência doentia e incómoda para a sociedade, afogado num oásis de auto-estima e um deserto de falta dela, pensando num amor que devia ter e não tenho, no dinheiro que gastaria se o tivesse, no livro que faria se não calçasse o 42.
 
Um site de poesia à beira-mar plantado

Guerra autotrófica

 
Coitado daquele
Confinado ao espaço do seu ser,
Que para não se entregar
Se deixa cair no conto do parecer...

Morde a morte com as mãos,
Como os cães em busca de pulgas,
Como o sol desencontrado
Num aguaceiro mal amado.

Desvia os olhos,
Come as palavras,
Injecta paragens
Involuntárias,
Fantasias
Sanguinárias
Nos intervalos da profissão.

Depois, olha em frente. Desvia o olhar para a frente. Apenas olha em frente. Conhece tudo em seu redor. Já viu tudo em seu redor. Apenas ignora tudo em seu redor.

Posição irredutível essa,
De arrependimento grotesco.
Primeiro, leva as mãos à boca,
Domado pelo intenso silêncio.
Depois vira as costas a si próprio,
Esperando ver alguém de frente.

E se depois alguém faz o mesmo? São dois de costas viradas para alguém, hoje e sempre. São guerreiros perdidos em busca de uma causa, procurando razão onde não há.

Olham para dentro,
E vêem o inimigo.
 
Guerra autotrófica

Cansei-me

 
Hoje prometi à minha alma
Que seria optimista.
Teria um bom ponto de vista
Do livro que agora fecho,
Com um sorriso na cara.

Escrevi-o com muito cuidado.
Tranquei-o a sete chaves mais uma.

Cansei-me de ter um sorriso falso.
Cansei-me de esboçar sorrisos
A quem não os devo.

Cansei-me de trancar tudo o que faço.
Haja rasto ou traço
Do que fui ou fiz enquanto o sou.

Usei todas as chaves que tinha.
Para abrir tudo o que tinha.
Mandei as chaves fora,
Para que não me fechassem de novo.

E li. Li sem parar.
Li até ao último poema,
Li até chorar.

E chorei. E sorri.
E por um momento na vida,
Fui verdade, fui derrotado,
Fui vencedor na perda reconhecida.

Vi quem era, vi quem sou.
Apenas não vi para onde vou.
Mas os versos que fiz e faço
Nunca o dirão.

Apenas me disseram
A infelicidade natural
Que enfrentamos todos.
E por um segundo,
Fui feliz porque sei
O quão infeliz sou.
 
Cansei-me

Dedicado a Carlos Cordeiro

 
Vem aí a saloia de vanguarda,
Caída no charco com a sua pedrada.
Fica a boiar pendurada na vara,
A gozar com a tua cara.

É arte, é estupidez,
É Portugal.
Cante-se então o nosso país,
Que é nosso, da ponta dos cabelos
À respectiva raiz.

Admiro o teu atraso épico
Que dormiu latente,
Vinte e cinco anos depois
Anda na boca de toda a gente.

Dedicado a Carlos Cordeiro, também conhecido por Farinha Master (1957-2002)

"Dinheiro, fama, estatuto e poder fazem do ego o cego que quer ver"
 
Dedicado a Carlos Cordeiro

Canteiros e cantinhos

 
Às farpas, a minha sentida homenagem:
Sem elas não se trespassava
Nem se conheciam fronteiras
Hoje desprezadas.

Às rosas, o meu sincero nojo:
A textura dos seus espinhos
É o que de melhor se tira
Da mensagem perene que jorra.

Aos canteiros, a minha duvidosa condescendência:
Não é questão de obediência esta coisa
De achar que tudo o que de lá sai
É cheiroso e prestável,
É mesmo convicção que até de lá sair,
E mistura de algo que não existe.

Ao amor, cumprimentos!

E depois, aquelas coisas...
Velhotes sentados à beira da estrada,
Cestas de verga,
Caminhos e cabras teimosas!
Não digam que deturpo a vida,
Pois o que digo, desminto:
Do amor saíram canteiros,
Cuja falta de tratamento inspirou rosas
A trespassar as mais dolorosas carcaças.

Não digo que diga a verdade dita aqui,
Desmentida depois para não confirmar.
Mas que dá que pensar, a cesta de verga
Com uns furos aleatórios...
Dá que pensar.
Não falo em pensamento fútil
Daquele que dizemos antes de pensar em dizer;
Seria quase útil que desses
Nascessem canteiros vergados pelo caminho...

Falo apenas em coisas curtas,
Cuja brevidade se valoriza no leito de morte.
Às coisas longas, deixo canteiros,
Deixo farpas,
Deixo rosas,
Pouco mais que cumprimentos
Vagos, inúteis, necessários.
 
Canteiros e cantinhos

Visão... ficção?

 
Subo rapidamente as escadas
Em fuga do pesadelo da perseguição
Que nunca mais acaba,
E sempre que acaba
Termina na sala fechada.
A porta é de metal e é verde,
E fecha-se em pânico.

O desfecho é sempre o mesmo.

No entanto, anos e anos passam
E os pesadelos se ultrapassam
Com um novo caminho.

Desta vez encontrei saída.

Subi em direcção à luz.
Havia luz, muita luz, muita gente.
A chuva caía, muita coisa se via,
Muita gente sorria.

Vejo um sorriso para mim,
Sorriso banal,
Tensão sexual,
Tentação carnal
Que vira meus olhos
Para o horizonte.

Não é para isso que aqui estou.
Sei de onde vim e para onde vou,
Vou até onde a rua me levar,
Sei onde a rua vai acabar.

Passei pela igreja e pela rua da renovação,
Ignorei a mensagem que não passa de má intenção,
Segui porque sabia onde queria ir.

Cheguei ao largo que era a meta,
Cheguei ao sítio da magia
Que me leva no braço
E nem sabia o que eu sentia
Nem o que aqui faço.

A mente tratou de tudo mudar.
Na casa da frescura residia agora
A história de uma vida de penar,
As figuras que odiei e aprendi a amar,
Tudo o que alguma vez vi ou deixei de ver.

Convite não havia mas a porta estava aberta.
Entrei na casa em que havia tudo,
Vasculhei com sorriso mudo
O que não encontrei antes de aqui chegar.

Vi no entanto a pessoa feliz
Em prados de amor e felicidade
E falei com ela sem lhe dizer
Que nunca a quis perder.

Mas algo estava errado.
Estava frente a frente com o fado
Que nunca tive mas desejei,
E só queria olhar para a esquerda.

Esquerda onde estava a porta
Que não tinha porta
Mas espaço aberto e luz
Para quem quer entrar.

Eu só queria sair.
Não queria partir
Sem antes dizer adeus,
Mas chovia tanto
E deixei de rezar a Deus
Para viver naquele canto.

Lá fora chovia e chovia mais.
A água corria pela rua,
Era água minha e tua
E estavas lá longe.

Estavas muito longe,
A correr em direcção a mim,
Nunca te vi assim,
Nunca me senti assim,
Tirei o casaco em urgência
De te ajudar.

A casa estava linda antes de eu sair.
Soava a música, cheirava a perfume,
Não havia lareira mas havia lume
De dias que passaram,
Vidas que se interceptaram.

Mas não quis ficar.
Eu só queria ajudar.

Corri e corri com o casaco na mão,
Só queria oferecer protecção,
Não sei bem a quem,
Pois ao correr não parava de sentir
A minha vida a fugir
Para outro lugar e outro alguém.

E chovia mais e mais,
E o vulto que eu ia proteger
Desapareceu na porta distante.

Subitamente, parou de chover.
Lentamente deixei de ver
Tudo o que antes lá estava.
Procurei proteger
E acabei por me perder.

Voltei para trás à procura de abrigo.
Tudo estava mais pequeno.
A casa acolhedora era agora
Um labirinto que outrora
Me abrigou folgadamente.

De certeza que me perdia se lá entrasse.
Era um sítio com menos brilho,
Menos classe e num impasse
Entre um beco sem saída
E uma hipótese de uma nova vida.

A nova vida ficou-se na chuva.
Eu via mais na chuva que ao sol.
Eu era mais feliz a correr de casaco na mão
Que naquela casa a ver passar o serão.
Eu era mais feliz a ver-te correr
Mesmo se o teu futuro for desaparecer.

A casa ainda tinha lá gente,
E não fiquei feliz com o que vi.
Pouco ou nada senti
Na casa que deixou de fazer sentido.

A pessoa feliz ainda lá estava,
Com prazer se entregava nos meus braços
Mas entregar-me a ela não fazia sentido.

Quero chuva. Quero frio.
Quero correr à chuva naquela rua.
Viver naquela casa deixou de fazer sentido.

E dias e dias passaram,
E agora desço escadas
Em perseguição que nunca mais acaba,
À procura de portas e janelas para sair.

Só quero voltar a ver aquela rua…
É mais real do que podia imaginar,
Só é preciso esperar
Por melhores dias…
Só é preciso ficar a ver
E encontrar alguém para proteger…

Sei quem é o vulto que à chuva corria.
Sei onde estava.
Agora visto o casaco numa correria
Pois sei onde estou.
 
Visão... ficção?

Par ou ímpar

 
A vida é par ou ímpar.
Não há meias pessoas,
Meio amor que sirva
A duas metades que não existem.

Existimos unitariamente,
Somos todos um todo,
Estamos juntos ou sozinhos,
Partilhamos ou reservamos,
Singular ou plural.

São duas hipóteses,
Não há mais.
Ou estamos com alguém
Ou sem alguém.
Ou estamos completos
Ou temos um vazio.

Digo isoladamente,
Vazio, mais que incompleto,
Sem alguém nem ninguém,
Que estou numa das hipóteses.
Só há duas, e o único conforto
É saber que pior é impossível.

Não consigo fugir dos números ímpares.
Alguém me ajuda a chegar ao par?

23 de Novembro de 2008
 
Par ou ímpar

D. Sebastião

 
Ela voltará um dia.
Voltará como D. Sebastião,
A pé, suja, despida de sonhos,
Como quem se esgueirou
Da masmorra moura!

Esta é a verdadeira
História desse rei.
Não tenho culpa que ela
Tenha imitado cada passo
Da sua ignorância...

D. Sebastião, cego de soberba,
Dormente do bagaço manhoso,
Foi irónicamente o que caiu
Nas malhas dos mouros
Que só queriam o que era deles.

Não sei se ela sabia da história,
Mas como não acredito em coincidências,
Presumo que ela seja, além de imitadora,
Pouco criativa e ainda menos inteligente.
Eu bem lhe disse...

Tudo o que sobe desce,
Se hoje és servida amanhã vais servir,
Se hoje dás esmola amanhã vais pedir!
Voltarás como o rei dos reis,
A rastejar e a suplicar pelo que desprezas.

1 de Novembro de 2008
 
D. Sebastião

Minha cara senhora

 
Diga-me, minha cara senhora,
Quantas vezes já lhe dedicaram um poema?

Imagino quantas foram.
Foram tantas quantas
As zero frases que lhe escreveram.

Já muito lhe disseram,
Minha cara senhora...
Já muito lhe fizeram.

Agora diga-me...
Quanto lhe faço se lhe escrevo?
Quanto lhe importa se o faço?

Sou mero peão
Na estrada do remorso
Onde a senhora conduz sem controlo.

Diga-me, minha cara senhora,
Quantas vezes já me atropelou,
A mim, aos meus poemas,
À sua própria consciência.

Quantas vezes?
Diga-me! Aqui e agora!
Não deixe de fora
Os caprichos que seguiu
E agora a perseguem.

Eu sou um mero peão.
Você vai a conduzir...
Minha cara senhora.
 
Minha cara senhora

O farol

 
Num canto do passado,
Adormecida de tanta moleza,
Vivia uma palavra que temias,
Que dizias baixinho
Para te ouvires a falar,
Que gritavas em silêncio
Para não se escutar.

Deixaste o passado passar,
Mas o tempo não voa,
Aterra e esmaga a mente,
Fica e dura e não apaga
O que toda a gente sente.
Apenas muda o presente
E as profecias do futuro,
Ditas por um louco carente
De sanidade, de falta de excesso
De sanidade.

O louco não encontra o equilíbrio,
A guerra não encontra a paz,
E como os rios morrem no mar,
Morrerás no caminho que escolheste,
Desaguando na saudade
Do que nunca tomaste.

No meio, está o farol
Que alumia o vazio,
Buraco negro onde se tenta viver,
Que nunca será real,
E nunca se consegue esquecer.

Lá em cima na torre
Apenas vive o verso
Que se ri de nós,
Como hiena emparelhada,
Só, a cruzar o poema
Da nossa incapacidade.
 
O farol

A tua normalidade dava uma novela mexicana

 
A tua vulgaridade é um romance de cordel. És tão normal que metes dó, divides-te em dois pedaços, um em cima o outro em baixo, com traço de fracção no meio, só para te anulares melhor. Atrevo-me até a dizer que quando se inventou o zero, já estavam a prever o teu nascimento. E quando o homem pensou o que era a esquerda e a direita, era já a prever onde te ia colocar.

És tão vulgar a falar. Jurei um dia ver um tremoço a cantarolar no meio dos teus dentes, a fazer uma gentil serenata à mini que explorava as caves do desconhecido. As tuas unhas são normais, nada mais. Julguei por momentos ver um sinal estranho no teu braço, mas depois vi que não era nada. A tua vulgaridade mete nojo mesmo.

Dizem que és vulgar na cama. Não te experimentei, de tão vulgar que és. Dizem que gemes como um disco riscado, que gritas como um botão cansado de ser carregado. Pelos vistos, até aí és mecânica, previsível. Até que chegou o dia em que percebi a tua magia. A tua vulgaridade era única. Quase especial, de tão vulgar que era. E aí, deixaste de fazer sentido. Acordei e percebi que te tinha sonhado, na mais pura vulgaridade do meu pensar imaginado. Era impossível existir alguém assim...

Mas isto não ficou por aqui. No dia seguinte, mal dormido, e queixoso da comida também, e por sinal da bebida, vi-te a passear, vulgar, no passeio dos comuns pedestres. E já te tinha visto todos os dias. Eras um enigma especial, um tesouro por abrir, um ser tentador, e por sinal tentado também. Aquele sinal da bebida, que uma coisa leva à outra, e por aí adiante.

Ficava então a questão: eras sonhada? Real? Enigma? Tremoço entalado na dentuça vulgar?

Eu acho que és tão vulgar como a minha imaginação. E tenho a certeza que nessa noite não dormi bem.
 
A tua normalidade dava uma novela mexicana

Minha cara amiga

 
Minha cara amiga,
Olho-te nos olhos
E vejo o que não quero.
Por trás da tua beleza e simpatia
Vejo tristeza, ódio e apatia
A tudo o que vivemos.

A tua dor é a minha multiplicada.
Não digas que é como
Se não sentisses nada.
Sente a minha mão segura,
Perde todos os teus medos
E voa para bem longe daqui.

Voa para onde quiseres,
Longe ou perto, tanto me faz.
Se fores feliz, eu serei feliz,
Por mais longe que estejas.
Abre as asas e voa, para sempre alegre,
Minha cara amiga.

17 de Outubro de 2008
 
Minha cara amiga

O meu horóscopo diz que vou morrer hoje

 
Chegou a hora de enfrentar
O cartomante em que tanto confio.

Há uns tempos,
Apostei na chave dele
E ganhei o Euromilhões.
Fiquei a confiar nele,
Apesar de só ter ganho quatro tostões,
Entre cinco milhões de totalistas.

Ontem à noite,
Ele contou-me pessoalmente
Pela televisão
Que aquele seria
O meu último serão.

Iria morrer na tarde seguinte,
Com um avião aterrado
Na minha cabeça.

Todos os meus colegas de signo
Me telefonaram,
Chorámos todos em pranto
O nosso último dia.

Decidimos juntar-nos todos
Numa sala de convenções
Junto ao aeroporto,
Para vivermos as vidas e acções
Em conjunto, até ao fim.

E já vejo o destino em chamas,
A cair na nossa direcção.
Que pena... o cartomante
Era o piloto do avião.
 
O meu horóscopo diz que vou morrer hoje

Até à próxima

 
Quando olhei para ti,
Numa manhã quente sem nome,
Vi os teus olhos e a tua prisão.

Olhaste nos meus olhos
E se neles te revês,
Então muito mal vês.

Não te posso salvar,
Apenas acalmar a tua dor
Com um sorriso pré-fabricado.

Voltaremos a ver-nos noutro dia,
Se a coincidência assim quiser,
E se por intenção o teu olhar
Poisar na calma que aparento,
Aquela que procuro e sempre tento,
Vou olhar de volta e vou-me calar,
Dizendo dessa forma...

Que te conheço melhor do que ninguém.
És alguém para mim e para ti sou alguém.
Não procures o amor leve
Aéreo que vai e vem,
Olhando nos olhos de quem te entende.
 
Até à próxima

A coragem que te falta

 
O que nos é estranho
Assusta-nos, não é?

Não estás assustada?
Não tens pesadelos à noite?
Fugir ao hábito é difícil,
Quando em mil
E uma noites
És humana e o deixas de ser!

Vocês chocam-se com facilidade.
Deve ser da idade,
Não passam de estúpidos e estúpidas
De pé leve e mão pesada,
Felizes sem saber.

Viver é o contrário de morrer
Quando se está na tua situação.
Poderás dizer que não,
Mas sei que mentes todos os dias,
A mim, aos outros e a ti própria.

Li o teu olhar,
Vi a tua voz
A chorar para dentro
Por não seres capaz de admitir
O universo à porta de mim.

Podes olhar, podes fugir,
Podes até afogar-te em mil abraços,
Mas a sensação não vai passar
Porque não admites que a fuga existe.

O mundo que tinhas desapareceu,
Restam restos do que não sou eu,
Do nada que é teu,
Dos pesadelos que tens noite após noite.

Eu sou indiferente ao que dizes,
Pois sei que nada mudará,
Serás sempre assustada, sempre real,
Sempre cobarde no meio do mundo.

Um dia, morrerás afogada nele,
E eu já não estarei por perto
Para te salvar.
 
A coragem que te falta

Maravilhosa

 
Gostaria de captar a tua perfeição
Num poema tão perfeito como tu.

É simplesmente impossível.
O poema não tem o suave aroma
E a frescura de uma manhã de Primavera,
O poema não tem a suavidade
E a doçura da tua voz.

Não é possível igualar
A tua figura angélica
Que tem a beleza do mundo
No bater das suas asas.

É impensável demover-te
De seres a maravilha que és.
És a delicada perfeição
Do céu até aos pés.

Não te posso cantar
E hesito em declamar
A perfeição que és.
Nenhum poema chegará jamais
Perto de ti.
 
Maravilhosa

Dedicado a quem ler

 
Estou farto que o verso
Continue a cair em saco roto,
Estou farto que não fique retido,
Esse não é o destino glorioso
Destinado ao verso mais sofrido...

A decadência engoliu a elegância
E o melhor verso é agora
Aberração de circo itinerante.
Esse não é o destino glorioso
Destinado ao verso mais elegante...

Somos aberrações aberrantes
Cuspidas de berços comuns.
Resta-nos a ideia frenética
De declamar, mesmo que só para nós,
Esta rígidez poética...

A poesia é evangelho impotente
Num mundo perdido.
Apenas no transeunte tocamos,
Nunca conseguimos chegar
Aos que mais amamos...

Resta-nos a dor e a saudade
De tudo o que não temos,
Resta-nos o estranho que leu
Todo o verso até ao fim,
Se o nosso amor a esse trabalho não se deu!

6 de Dezembro de 2008
 
Dedicado a quem ler

Dueto comigo próprio

 
- (metade de mim nº1)
És lado oposto que me atrai,
E que faz aquele todo
Que aqui escreve...
Olá, tudo bem?

- (metade de mim nº2)
E tu, és o cínico irónico
Raposa matreira afónica,
Não te entregas ao amor,
Raio de sol repleto de furor...

- (metade de mim nº1)
Para quê? Estou muito bem
A ler o jornal no sofá,
Nada vai mal nem aqui nem lá,
Nada me incomoda senão tu...

- (metade de mim nº2)
O meu lado ama aquela rapariga
Que anda por lá e aqui e acolá,
Sentimento tangível, muito mais
Que a inteligência...

- (metade de mim nº1)
Pois mas temos um empate que eu
Comodamente voto contra!
Sou eu que pago os impostos
E alimento esta casa...

- (metade de mim nº2)
Não te podes ao menos abster?
Deixa-me alimentar-te
De outras emoções,
Não te vais arrepender...

- (metade de mim nº1)
O meu lado nunca te fez sofrer.
Fui sempre competente,
Desempenhei soberbamente
Tudo o que me mandaram fazer.

- (metade de mim nº2)
Nunca foste espontâneo.
Nunca foste verdadeiro.

- (como um todo)
Sinto aqui um choque
Bem no meio do corpo
Como parlamento em balbúrdia
E chinfrineira aguda,
De tal modo impróprio,
Que já faço duetos comigo próprio...

7 de Novembro de 2008
 
Dueto comigo próprio

Isto de viver do lado de cá é uma porcaria

 
Queria passar a fronteira. Isto do lado de cá era uma pasmaceira, não havia feira nem parque de diversões, apenas uma montanha russa dos tempos do russo que cá andou.

Travei conhecimento com uns gajos da alfândega, fui jantar com eles (almôndegas das boas) e depois fomos jogar poker. Quando descobriram que eu até sabia jogar mas era jogador de sábado, acharam-me judeu e deram-me um pontapé no cu. Desesperei por um passaporte com bom aspecto, perguntei aos camionistas, fiz o que pude.

Passados uns tempos, lá conheci um contacto interessante que me podia desenrascar. Fumava cigarrilha albanesa, vestia à do lado de lá, falava as línguas todas. Incluindo a de cá.

Combinámos a transacção, no cais 11, às oito, numa noite escura. O contacto nunca apareceu, pelo menos sem trazer a ramona aperaltada atrás. Daquela vez vieram mesmo à frente, que em vezes de estreia não gostam de ir à traição.

Estive preso seis meses, e quando saí voltei a casa. Mimlândia, população: um. Terra de ninguém. Mas não ia desistir.

Aprendi a jogar poker nos outros dia da semana. Fui à alfândega ganhar uns trocos e voltei para construir uma urbanização. Contratei o russo que fez a montanha. Quando apareceu o primeiro inquilino, disse-lhe logo que não pagava água nem gás. E ele zás, assinou e ficou.
 
Isto de viver do lado de cá é uma porcaria

Às quintas anda-se de olhos fechados

 
Era uma vez um país muito distante, sem nome pronunciável. Nesse maravilhoso país vivia Eleutério, anónimo cidadão que pautava pela mais discreta normalidade. Cumpria todos os dias as leis ditadas pelo Conselho Geral Provisório de Supervisão Especializada Nacional: às segundas comia tarte de natas, às terças andava de bicicleta, às quartas usava sapatos de salto alto, às quintas passava o dia de olhos fechados e às sextas havia uma grande festa dedicada ao líder. Aos fins de semana, todo o povo rezava nas igrejas com calções de banho amarelos vestidos ao contrário. Cada cidadão era autorizado a cometer cinco irregularidades antes de ser enviado para uma instituição de normalização, onde praticava todas as acções devidas acumuladas ao longo da semana, todo o dia.

Certo dia, Eleutério dedicou-se ao estudo das correntes anárquicas, que eram conhecidas na sua terra por “chateísmo”, uma religião banida durante duzentos milhões de anos-luz. Depois de adquirir todos os valores que estudou, decidiu cometer todas as falhas possíveis, para sempre. Era domingo à noite e foi-se deitar, sonhando com todos os crimes que ia cometer daí em diante.

Segunda-feira. Chegaram as quatro da tarde, hora de comer a tarte de natas. Eleutério pegou na tarte e atirou-a à cara do polícia mais próximo. Alegou de imediato que a tarte lhe escorregou das mãos quando já tinha comido metade. O polícia perdoou-o rapidamente e seguiram a sua vida.

Terça-feira. Todos foram andar de bicicleta, menos o Eleutério. O polícia aproximou-se, e rapidamente ouviu:
- A minha bicicleta furou, certamente o Conselho Geral Provisório compreenderá a minha situação, que não depende da minha enorme vontade de andar de bicicleta.
O polícia perdoou-o rapidamente e seguiram a sua vida.

Quarta-feira. Todos foram andar pela rua de saltos altos, contentes da vida. Excepto o Eleutério, que ficou descalço na avenida principal, a fumar o seu pensativo cigarro. O polícia aproximou-se, e rapidamente ouviu:
- Um salto partiu-se. Fico coxo e se caio em cima de alguém posso magoá-lo, o Conselho Geral Provisório não deve querer danos pessoais para impor simplesmente as suas boas práticas.
O polícia perdoou-o rapidamente e seguiram a sua vida.

Quinta-feira. Todos andaram por todo o lado de olhos fechados, menos o Eleutério. Ele abriu os olhos, e viu todos a apalpar as paredes, querendo chegar a lado nenhum. Apalpavam-se outras coisas também. No entanto, ele ficou chocado com outra coisa. Em todas as casas, a polícia mexia em tudo e levava todo o dinheiro e outras posses de valor. Foi imediatamente detido por um polícia, e disse:
- Estou com um problema nervoso que me impede de fechar os olhos com consistência…
O polícia espancou-o e torturou-o até ele aceitar levar uma injecção que o faria submeter-se a todas as vontades do Conselho Geral Provisório.

Sexta-feira. Tudo correu normalmente, com Eleutério a celebrar fortemente a vitória e permanência dos seus queridos líderes e regras vigentes.
Sábado. Eleutério ajoelhou-se na igreja para rezar aos deuses definidos pelo Conselho Geral Provisório. No entanto, todo o povo se chocou e gritava “Polícia!”. Ela não tardou em chegar e algemou Eleutério, que ostentava um fato formal azul. Ele também não tardou em dizer:
- Oh, desculpem… Pensava que era quinta-feira!

O povo apupava o vil cidadão à medida que ele era afastado pela polícia, em direcção à instituição de normalização.

A um canto da igreja, rezava um experiente advogado sorridente e revoltoso.

Um pouco mais à frente, uma mulher levantava os braços fanaticamente aos seus deuses, elaborando um plano de assassinato do nojento cidadão.

Na primeira fila, rezava um famoso louco, que apenas ria para si, para dentro, por dentro, com a calma convicção que aquele cidadão seria o primeiro de muitos.

O Presidente da Câmara recebeu um telefonema e começou a arrumar as malas em direcção à merecida reforma numa praia ainda mais distante. Convocou o polícia para ocupar o seu lugar… “Já viste tanta coisa que vais ficar muito bem neste cargo”.

O polícia não voltaria a ser visto com vida após a noite da revolução de quinta-feira de 27876, calendário distante.
 
Às quintas anda-se de olhos fechados