Ana e os Sóis Interiores
(para a minha filha Ana, que nasceu hoje!)
Deixei a vida de escravo para ir trabalhar para o campo.
Foi uma decisão tomada num impulso momentâneo. Que surpreendeu toda a gente! Era um dos que tinham capacidade produtiva, sendo, por isso, considerado valioso. Isto apesar de sempre ter sido sonhador. Apenas a minha mulher me apoiou.
Mas os sonhos concretizam-se quando a semente germina. E o futuro vinha aí. Uma filha aproximava-se!
Alguns amigos, bastante curiosos, perguntavam-me:
- Que vais fazer para o campo? Nada percebes de agricultura.
E eu sempre respondia:
- Vou plantar dentes-de-leão azuis! Vou crescer vida! Vou ser feliz!
- Dentes-de-leão azuis!? - Retorquiam - Mas estás doido? Isso não existe! Ao menos, planta algo que te dê pão.
Mas eu não ouvi. Limitei-me a persistir.
Foi num pequeno planalto, protegido pelos braços dos montes e que logo pela manhã era acarinhado pelos raios de luz, que decidimos semear os nossos sonhos. E instalamo-nos numa pequena casinha de madeira.
Passados uns meses, as cegonhas cor-de-rosa chegaram. A Ana nasceu e a nossa família cresceu. Para agradecer a bênção recebida, plantamos uma romãzeira ao lado da casa. Aí, mais tarde, colocar-se-ia um baloiço para a nossa filha voar.
A chegada da Ana renovou a nossa esperança e reforçou o carinho com que tratávamos a terra.
A nossa filha foi crescendo e amava a terra. Tinha uma ligação especial com a romãzeira, que tratava por irmã. Deliciava-se com as nossas histórias e vibrava com os dentes-de-leão azuis.
Mas o tempo foi passando e nada de dentes-de-leão. Muito menos azuis.
Avizinhavam-se novas mudanças e decisões eram necessárias. Numa noite, após o jantar, disse à minha mulher:
- Querida, a nossa filha vai para a escola e necessitará de mais apoio e de material escolar. Até hoje mantivemos o terreno dos dentes-de-leão livre, mas se calhar chegou a hora de isso mudar. Que achas?
A Ana, que ouvia a conversa, agarrou-nos as mãos e, levando-nos até ao campo vazio, disse:
- Pai, Mãe, não desistam. Aqui haverá sóis interiores! - e libertou, sobre o lugar dos nossos sonhos, as lágrimas que tinha no rosto.
Comovidos, pegamos na nossa filha e, sem nada dizer, confortamo-la no nosso abraço e, fomos dormir.
Talvez fosse mero acaso, talvez fosse pelas lágrimas. Mas, no dia seguinte, os dentes-de-leão floriram azuis.
Ah! Eram qualquer coisa de fantástico. De noite, faziam a aurora sorrir. De dia, entoavam as melodias do vento.
Tinham características especiais. Pois nascidos do amor, quando colhidos com ternura, libertavam o pólen da luz e o calor da renovação. Eram, tal como a Ana havia dito, autênticos sóis interiores.
Em pouco tempo, éramos notícia internacional. E eram tantas, as pessoas que os queriam ver e comprar.
No entanto, a Ana dizia:
- Não são para vender. São para oferecer aos que necessitam de sonhos.
também disponivel em:
http://inatingivel.wordpress.com
http://plenoazul.wordpress.com
O Infinito precisa de dois
no ondular da brisa
moldam-se as curvas das dunas.
frescuras diárias.
breves afagos.
verbos soltos.
e assim escorre o relógio da vida.
o infinito precisa de dois!
in √81 = IX ?
Penso em Ti
Penso em ti
e parece
que tudo aquilo que é
e não é
acontece,
existe
e permanece.
Simples
e selvagem.
Tal e qual a natureza,
plena de sensação.
Cuja mensagem,
perfumada em pureza,
é uma visão
de tanta beleza,
que o meu ser
agradece
esta tua dádiva
que a minha vida
enriquece,
e o Meu Teu
enaltece.
in 30 Mensagens de Amor e Uma Recordação
Ser Amado
Amo ser amado.
Porque ser sem ser amado
não é ser,
é viver sem ser.
Amo a dor do amor.
Porque amor sem dor,
não é amor,
é sentimento sem fulgor.
Amo o teu respirar.
Porque respirar sem o teu respirar,
não é respirar,
é expirar o respirar.
Só,
amo,
sinto
e sou,
ao ser amado por ti.
in 30 Mensagens de Amor e Uma Recordação
Transfiguração
renova o todo que te faz.
sê o próprio furacão!
faz amor com as palavras,
funda a alma ao corpo
e beija com o coração em pureza.
é no turbilhão dos sentires
que todo o verbo se conjuga.
e o que é, ser-te-á retribuído
em amor e criação
in Comentários na face da Noite
Em Silêncio
entre nós,
jamais haverá esquecimento. só Amor!
e a dor
que o faz pulsar.
≈
beijo-te. em silêncio!
in Comentários na face da Noite
Regressões
ecos bamboleiam no horizonte.
murmúrios,
as breves vibrações em crescendo
que avançam do que foi
e procuram o que sou.
espirais de lava descaem aos céus,
flutuando em ondas de escuridão.
e nos sussurros vislumbrados,
por todo o espaço
e interlúdios do acontecido,
curva a melancolia do templo.
toda a fecundidade passou,
bafejando bálsamos suspensos.
e nas cornucópias ressequidas
ou nas grutas de cirros relampejantes
qualquer brado é mudo.
só nas cordas
se lamentam os violinos
e os ilesos fragmentos da solidão.
estremeço.
o meu corpo é muralha.
tardia confissão.
suspiro no profundo!
e na vã cupidez de tentar evoluir.
in Da Natureza e Afins
Sonhar
Sonhar
é
o horizonte alcançar
e o impossível tentar.
É
obstáculos ultrapassar
e talvez – os sonhos – concretizar.
Sonhar
é
a imaginação
ousar,
e desejar
uma visão
que origine criação.
Sonhar
é
uma faculdade
moldar.
É uma ténue tentativa
de uma realidade
cativa,
emancipar.
Sonhar
é
um impulso criador.
Algo
que não se consegue sem dor.
Acordar?
Só para atingir
o sonho,
que anseio repetir
aqui,
por ti,
sem nunca deixar de o abraçar.
in Letras, Palavras e Linhas: Gestos pela diferença
Soubesse eu que eras ténue!
soubesse eu que eras ténue!
brisa dos cinco elementos.
formada no rompimento dos tecidos humanos
ou em desejos momentâneos.
já idos! em Março.
vislumbrei-te sem halo.
intacta!
como a lua despida ao Outono.
e aceitaste-me com um sorriso de estrelas.
foi no hausto do instante,
inebriado pela miríade dos sentires,
que me deixei,
despercebidamente, sucumbir.
o tempo foi-se, exausto.
e nem sequer, os teus lábios provei.
Soubesse eu que eras ténue!
mas não soube.
e despojando-me das vestes artificiais,
fui pregar às areias do vento.
o voo das aves corria no fluir das lágrimas
ou na força vital que pulsa nas artérias,
e foi nas águas do deserto
que reencontrei a dupla hélice da vida.
a lembrança? deixou de estar corrompida.
falhei o teu breve partir.
mas sei-te ténue, sei-te minha.
no profundo das sequóias vermelhas.
in Comentários na face da Noite
QUANTO TEMPO, QUANTO AMOR
Tantos anos passados!
Quantos dias,
por vezes contados?
E segundos?
Quantos não foram amarfanhados,
quantos não se revelaram mundos?
Quantos meses afastados?
Quantas horas de desentendimentos?
Sabes quanto tempo ao certo?
Quanta vida
não teria conhecido
se a ti não estivesse unido?
E momentos?
Quantos teria desperdiçado
se a ti não estivesse ligado?
Quanto encanto,
foi por nós descoberto?
Quanta dor,
infligida e sentida?
No entanto,
ainda agora te quero
com o mesmo fulgor.
Quanto tempo,
desejamos para amar?
Quanto amor,
suspiramos, ainda, desvendar?
in 30 Mensagens de Amor e Uma Recordação