À Procura de Mim
Procuro-me em ti…
No teu ventre de menina, nos teus sonhos desfeitos, nas lágrimas que secavas no lençol mordido pela tua raiva e, com o teu orgulho não as mostravas.
No teu crescimento interrompido, para que eu pudesse crescer em ti…
E o que foi que eu te disse, enquanto acariciava os tecidos do teu ventre?
Não chores mãe, pois tu não vês que eu serei a Estrela que iluminará os teus passos?
Enquanto flutuo na tua dor, eu sonho!...
Não sabes que a cada gesto teu, enquanto puxas a foice ou o arado, eu navego em ti para outros mundos, para onde te levarei?
Procuro-me no teu grito... engolido pela dor que encobriste quando saí de ti e gritei bem alto…estou aqui!
Procuro-me no meu choro,... interrompido pelo teu seio quente ou pela água da cântara, que eu ensolada bebia, sempre que a sombra do castanheiro, teimosa de mim fugia.
Procuro-me em cada gesto teu... no campo de trigo dourado, esventrado pela tua mão, enquanto eu, com grilos e joaninhas brincava e dormia.
Procuro-me na tua beleza de mulher… que cresceu enquanto eu crescia.
Procuro-me nos meus amores de adolescente... escondidos em recados no meio dos livros e nos beijos dados à pressa, que de ti escondia.
Procuro-me na semente do imbondeiro,... tão bondosa e bela como aquela que tão cedo germinou em ti.
E Vês!… Cumpri as promessas…
Levei-te aos mundos que dentro de ti tinha descoberto.
Ouviste o riso traiçoeiro das hienas e o rugido do leão a rasgar o silêncio das noites quentes, na floresta.
Cheiraste a terra molhada e secaste no teu corpo a roupa, também ela molhada pela chuva quente.
Respiraste ar puro, partilhado com gente honesta.
Procuro-me na minha vida a correr... e é a correr que te encontro, que vos encontrava aos dois!…
Procuro-me agora... em cada vinco do teu já marcado rosto e culpo-me, por te mostrar tão pouco, os vincos que vão surgindo no meu.
Procuro-me em ti... e tenho medo de não te encontrar!...
O Grito
Estou inerte
Tenho fome
Quero caminhar e não posso
Perdi as rotações
Com estilhaços de minas
Crateras de explosões
Já não ouço
O chilrear dos pássaros
Em sonhos trocados
Trocaram estações
Tenho os olhos enevoados
Com lágrimas de sangue
Das mães órfãs de filhos
Em fogos cruzados
Estou sequiosa
Em rios contaminados
Peixes sufocados
Espessos cabelos rapados
Pulmões em fumos colados
Sento-me... exausta
Quero caminhar e vacilo
O grito sai num gemido...
Mas eis que
Enraivecida
Me ergo
Grito a Gorak e então
Sismos tempestades vulcões
Incêndios degelos tufões
Bocifero inundo abano
Arraso queimo congelo
E bem alto gritando
De ódios perdida
Vingando
As destruições
http://www.adelaide-monteiro.blogspot.com
Sou
Sou uma alma inquieta
Nos restos de uma quimera
Sou uma ave que migra
Em busca de Primavera
Sou chegada, sou partida
Sou silêncio, multidão
Sou um cometa que brilha
Na noite de escuridão
Mar revolto e tempestade
Sou calmaria e bonança
Sou sonhos e realidade
Sou mulher e sou criança
Sou os destroços do mundo
Banhado em violência
Sou o grito que sai fundo
Da minha pobre impotência
Sou uma alma inquieta
Nos restos de uma quimera
Este céu
Hoje
Pesa-me o céu no meu peito
Dum cinzento que me abate
Porquê que às vezes o céu
Se me envolve que nem véu
Toque de sinos a rebate
Dum sonho que foi desfeito.
Ontem
Vi-o leve, nem sabes quanto
Desse céu que aquece e acalma
Encheu-me de luz, de ternura
Do corpo tirou a desventura
Apagou a tristeza da alma
Um céu bebedor de pranto.
Amanhã
Será azul forte ou claro
Cerúleo ou azul indigo
Um céu a forçar-me à luta
À força, à esperança, à labuta
Sempre terno, sempre amigo
Companheiro e amado.
Este céu onde me evado
Onde sonho, onde me elevo
Onde de manhã me lavo.
.
Morre! Ignóbil Ser...
Querendo matar
Morres sem saber!...
Com as tuas maldades
Ateias fogo
E ardes nas labaredas do ódio
Das tuas vinganças
E das tuas verdades.
Estás enrugado, bacilento
Oco, corroído por dentro
E há momentos
Em que sentes vergonha de ti.
Sim vergonha
Por escassos momentos.
Mas depressa lançarás
As flechas impregnadas
Do veneno do ódio e da vitória
Que a ti próprio vencerão.
Justiça!...
Aqui sim, faz-se justiça!...
O teu inimigo sofre, mas não morre.
O alvo és tu
E és tu que vais perecendo.
Vives...
De alma suja e coração corroído
Pelo ódio que te vai comendo.
Como estames murchos, secas!...
Mataste o Outono
E sem passares o Verão e a Primavera
Vives soterrado no Inverno.
Em nome da tua honra e do teu ódio
Lazarento, vais morrendo.
Morre, ignóbil ser!...
Afoga-te nas tuas vinganças!...
http://adelaide-monteiro.blogspot.com
Danço-te
Danço-te…
Em valsa
Sala dourada
Leveza
Flutuando
Embalada
Danço-te…
Em tango
Paixão
Quando me empurras
Me afastas
Me puxas
E com o olhar
Sedução
Me bebes
Desejada
Danço-te…
No ritmo do samba
Quando vibro
Em movimento
Livre
Extasiada
Danço-te…
Tirem-me daqui
Quando olho para trás
E vejo as montanhas que trepei
As escarpas que escalei
Os vales que percorri
O que aprendi e ensinei
Quando olho para trás
E vejo os amigos que conquistei
As paixões que senti
Em batalhas que travei
Nos caminhos que percorri
Quando olho para trás
E vejo as terras que semeei
Com os saberes que transmiti
Que em heras bravas fixei
E os frutos sãos que colhi
Quando olho...
Sinto-me moribunda
Grito e imploro...
Tirem-me daqui!...
A terra que me dão é infecunda
A norma aplicada é insana
E a semente não germina
E eu...semeando...
Choro de dor
E digo gritando
Tirem-me daqui
Por favor
Dói-me a saudade
Dói-me a saudade
Do tempo
Em que as minhas pernas
Eram rebentos
Os meus braços madressilva
O meu corpo formigueiro
A minha alma macia.
Dos teus olhos
A despirem-me
Em pleno dia
Dói-me a saudade
Do decote
Resguardando os seios
E a seda que os tecia.
Da saia interior de cetim
A refrescar o pulsar
Dum corpo que te pedia
Dói-me a saudade
Do tempo
Em que as letras da saudade
Eu nem sequer conhecia
Libertei as palavras
Desatei as palavras
e deitei-as a voar…
As palavras assim libertas
juntaram-se a uma nuvem branca,
nun poema.
Declamei o poema com vigor
para tu o ouvires,
para fazer sair da tua alma
um sorriso,
ainda que triste…
Mas não!
A tua alma não ouviu o meu poema,
mesmo em gotas duma nuvem…
Esboça um sorriso...
Quero ver os teus olhos a brilhar
ainda que seja com uma luz ténue,
como a luz de uma candeia
que com uma brisa
se possa apagar.
Apagou-se a luz...
Apagou-se o poema...
Procurei-o na noite…
mas o poema voltou para a nuvem branca
e, desiludido...
por falta do teu sorriso,
como uma estrela cadente,
…calou-se para sempre...
Nas folhas onde me deito
Descubro o encanto do outono
nas folhas que vão caindo
onde me deito sorrindo
bem abraçada aos rebentos
do ressurgir de sentimentos
de poema ao abandono.
Perdi-te um tempo,
outono
e em inverno me senti,
precocemente gelado.
Perdeste-te de mim
nem sei como,
em mutismos disfaçado,
à distância dum lamento.
Hás-de ainda devolver-me,
eu sinto-o,
uma primavera tardia
em plenitude florida.
Saltando o inverno, virá
e do gelo me poupará
em amor fortalecida.
Abraço-me a ti outono,
fito os teus olhos dourados
e enlaçando os meus braços
aos teus braços apertados,
agarro-me às folhas
salpicadas de anseios
e os nossos braços são laços
e as folhas são nossos beijos
Que importa que os nossos ramos
fiquem em breve despidos
se das folhas do meu regaço
fizeres sempre o nosso ninho
e eu tiver o meu corpo
encostado ao teu corpo amigo!?
Outono, ouve só isto!!!
Eu não temo os invernos
se com tuas folhas vermelhas
tu me tiveres aquecido.