sabes, em boa verdade
sabes, em boa verdade
foi melhor assim
deixei a vida correr
ela o mostrou em mim
e nada tive a perder
sabes, foi assim
e não arrependo o instante
vivi o que vivi
chama-me inconstante
não fui eu que perdi
e o vento a dar-me na idade
navega-me para o outro lado
mas digo-te em boa verdade
vivi o dobro
e sofri metade
se há coisa que não existe é o passado
Daniel Candeias
Bebe o que puderes enquanto é tempo
Bebe o que puderes enquanto é tempo
e empanturra-te disso mesmo
aquilo que não enche a alma
deixa o corpo ficar pesado,
mudo e lento
e quando olhares para isso,
para o que fizeste
e para o que deixaste por fazer
aí já serás só pó selvagem
cadáver carcomido
será o fim da viagem
e não terás vivido
mas se ouves o que digo
então escuta-o bem
para o céu, só as asas
as asas que o amor contém
e se é mesmo isso que queres
então só pedes castigo
as asas são véus de penas
tudo o resto é contigo
Daniel Candeias
Quando me fizeram partiram a forma
Quando me fizeram partiram a forma
Lá no não-ser de onde fui criado
Volvi à terra arejando a proa
Para aqui tentar ser achado
E dessa forma que não há
E desse pensamento refractado
Foi meu vidro juntando bocado
a bocado para fazer gente
mas se mentindo só na mente
for enterrando o arado
talvez o sol m’alimente
e dê espaço p’r’à semente
crescer o seu bocado
Daniel Candeias
Poema descartável
No chão da casa
escura
a peúga desarrumada deita
um cheiro desagradável
torço o nariz
(que eu sou sensível)
e faço um esgar
absolutamente
incompreensivelmente
incompetentemente
sujo
pela peúga que deixei desarrumada
Ai!
Meu deus!
Mas que porco que sou!
Vou morrer de desgosto.
Daniel Candeias
Olha o belo poeta
Olha o belo poeta
Poetando sem pensar
Diz ele que hora certa
É o que tem p’ra dar
Mas pensa por demasia
E do ritmo nem vê-lo
E no cheiro a maresia
Só enjoo pode tê-lo
Ser poeta todos são
Mas ser poema desgarrado
Só o ser que na mão
Abre o que não dá achado
E pensando e sentindo
Cada um faz sua casa
Mas só altura tem asa
Naquele que vai mentindo
Daniel Candeias