prece de perfume
entorte minha alma com gestos geométricos
multiplique o fel, os sentidos, as facas.
oferte-me o beijo de Judas até a face perder a inocência
escreva temporariamente coisas de falar...
depois queime metade grego, metade egípcio.
à meia voz, minta como toda boca faz.
com suavidade estudada
desorganize meus nervos, povoe o sangue.
mude o verbo de lugar, separe-o do sujeito.
com uma vírgula alva para não viciar a palavra
apreenda o afago das linhas
que em noites sem cor atravessam o papel
empunhe uma fé, pelo fogo, pelo ar, pelo mar.
enquanto lapido abismos
com o quê os canivetes suíços ensinam
prepare o prato para tua poesia que pede roubo,
garganta inundada de lembranças.
declama a fina ameaça de fazer vento aos jardins
como se fosse prece, desenho de perfume.
Vania Lopez
50 tons de chuva
guardei nossas lágrimas de chuva
embrulhadas em papel de bala
o céu toca o mar no quintal
o calendário jaz não tem dias
está oficialmente ferrado!
a palavra doida para sair
por decoro, tornar certo o errado
o céu, é mais azul do que se lembra
a quilômetros de distância da realidade
permita-me desiludi-la, uma vez mais
deitar o amor, nas estrelas do seu vestido
na árvore, tem uma luz que brilha
pois você demora
o Natal está de boca em boca
agitando os jornais
só falta sua alegria entrar
pedir uma faísca
para acender nosso abraço em lar
Vania Lopez
Nunca mais olhei as horas
mesmo antes de ti
o vento soprava como uma sinfonia
tudo que consigo pensar
(segue arrumado e bonito)
dentro da caixa no armário
lembra a chuva
e uma agenda agitada
comprada na concorrência
(nem frágil, nem temporária)
basta me aproximar do armário
sentir sua respiração
rastejando dentro da caixa
como celular angustiado
pouco importa...
(é que somos a mesma pessoa)
nela guardo
as partilhas de alma
no café da manhã
o calor de seus braços
a cor, o ar e o sabor...
as roupas suas não estão
(jamais voltou, nunca morreu)
Vania Lopez
Haverá dias assim
chegue com seus defeitos
mais bonitos
pra gente espalhar
pela casa feito serpentina
corrigir o equilíbrio
do tempo despido
que nossas gargalhadas
sejam a maior desforra na rotina!
vamos acrescentar reparos
à indefinição
traga o que ainda não é verdade
perca a semelhança
dos dias ainda sendo escritos
sem que se proponha nada
regados de tranquilos silêncios
que não cabe em nenhuma descrição
de sei lá quantas coisas mais
o que me agrada em ti
são as orações desses seus cabelos
prontos pra impressionar Deus
e o paraíso
Vania Lopez
sílabas em seu fino véu e gesto acabam de cair...
dar-te-ia um exílio
uma casa com nuvens e sol
um lar para tua alma
pernoite com café da manhã
comprando o jornal
e o hoje em letras minúsculas
e tu voas amor de todo tempo
um evangelho resguarda tua pele
tua unha veste os caminhos
(como um quadro de Frida)
dar-te-ia uma rede
para caçar moinhos de vento
esses, que escapam de seus olhos
o mais obstinado perfume
urrando o inferno de tua boca
com uma faca entredentes
suspirando um céu de intensidades
dar-te-ia o tempo
mas é um mero gracejo em movimento
mal se dá conta que cabe em uma bolsa
como um poema bupreste
mas tu... tu eras homem eterno
e te queimei sem luto
e teu rosto sereno de tempo algum
recolhe desatinos
despertando em mais uma manhã do meu peito
como quem espera o chamado de um voo
Vania Lopez
pode virar poesia...
essa carta nasceu na montanha
onde voce desenhava pássaros
ela é como a água que congela nas rochas
e depois as faz rachar
(tem tanta culpa quanto à água)
não era voce quem tinha razão...
essa carta é que foi ingênua
ainda fecha os olhos e pensa em ti
(envia o desespero)
a luz do dia clareia ainda mais suas lembranças
passam perante seus olhos
com toda força da realidade
por favor, fique esperando na varanda
não sei para onde enviar esta carta
e não sei se vai querer recebê-la
(escrevo para mim mesma)
se acaso voltarem, as esconderei
junto às noites que não são contigo
junto à voz dentro dela silenciada
juntamente as coisas que não dissemos
matei todas elas
nessa carta brotam lágrimas
começam bem de leve
depois escorrem a maldição de relembrar
(são lágrimas de mulher, pertencem à mulher,
são sagradas)
naquela noite encontrei a carta
caída no chão, paralisada...
o amor opaco no papel envelhecido
(às vezes ainda sonho que sou a alma dessa carta)
por favor, deixem-me à sós com ela
nessa noite enterrei a carta
e afundei a alma no rio
(a carta dorme, sempre sua,
revirada na inquietude do querer)
Estado imperfeito
a saudade vai à frente
quebra os vasos bordados de girassóis
toca o azul abandonado no ar
enquanto a noite não dorme em casa
me deixa mais perto do nada
pisar os pés onde não há mais para onde ir
hoje, o céu virou poesia.
é só essa tristeza
e uma centena de espinhos pregados na alma
e ainda assim, eu não tenho nenhum castelo,
e o tempo se foi
Para o poeta maior Aquazulis.
Vania Lopez
Para teus cabelos de sol
tinha vontade de te pintar um sorriso nos lábios
a aquarela amarela
em cada porta retrato
um beijo a roçar o ombro por descuido
como se flertássemos sem querer
alinhavar esse céu de azul
talvez o azul que amordaça a minha boca
deixar o vento gritar a noite
enquanto Deus nos namora até a inquietação
ah! tal poder! tivesse eu!...
eu que mal sei pintar
Vania Lopez
Amém
é pra você esse poema
como girassóis pelo caminho
água contra a natureza
a primeira tragada da manhã
é pra você
toda palavra que voa
o pulso que treme
minha colheita de milho
tua alma canto baixinho
como pássaros na borda da veste
um punhado de beleza
que ronda o céu do seu peito
passo a vida com teu cheiro
para molhar meu bordado
de lembrar-te
num sentimento fino
do que quer ficar
enquanto você vai em tantos planos
na pausa da oração
... depois do amém
Vania Lopez
cor de conhaque
olhe pela janela, o ensaio das azaleias
prestes a cair
na doce inconsciência dos vasos
(...) balbuciando orações
o vermelho desconcertado, sem boca
e tudo ao redor ecoando
o redemoinho escoando
os nós os dedos
o choro da cor que vem das almofadas macias
permita que a realidade se intrometa
vestindo apenas uma lembrança minha
queimando alto
fazendo companhia aos navios que passam de noite
no mar que começa e termina em mim
Tal uma saudade
quando estamos longe da saudade.
Vania Lopez