LEME
As mãos tisnadas
perseveram.
Gretadas
por vendavais passados,
ainda a laceram
o sal, o sol
e os ecos mesquinhos,
aziagos,
do porto seguro
abandonado.
Mas vão.
Calam o turbilhão
da dor que as feriu
e miram o azul futuro,
refrigério desejado,
rumo a essoutro mar
que as descobriu.
BUSCA
Rola o seixo baio
ao capricho das marés.
Olha de soslaio
a rocha altiva,
tão firme no seu trono de areia
e tão alheia
à sua pequenez.
Ah, como queria a modesta pedra
descobrir-se cativa
num lugar só seu!
Mas… pobre pigmeu!
Quanto mais o mar se agita,
mais o seixo se perde
mais turva a água fica.
ESTIGMA
O vento norte
será sempre vento norte.
Aborrece
se é forte,
não aquece
se é frio
(e um arrepio
é coisa que ninguém merece).
Se se faz quente,
é lume ardente
na pele,
e se por um momento
mui bem se comporta
se suaviza,
se veste de brisa,
pouco importa,
continua a ser vento.
FACES DA LUA
Lá fora
a lua oferece
a cidade recortada,
estampada em paredes
de negro algodão,
e na confusão
das sombras paradas,
num marasmo que aborrece,
logo adormece
e se derrama no mar.
Cá dentro
p’la janela entreaberta
a lua oferecida
rebola, desperta,
no branco algodão
dos lençóis que se inflamam,
e ondula, aturdida,
na confusão dos corpos
que, fluentes,
se derramam.
SENSIBILIDADE
A pele que sente
o subtil frescor
de um salpico do mar
num dia que agosto aquece,
também padece
da mansa dor
vinda de um grão de areia
que o vento arremesse.
Não há malícia,
mas a pele arroxeia
sem razão,
e desenha-se um arranhão
onde antes pousou uma carícia.
ROSEIRA
É a mesma seiva quente
que nos percorre,
o mesmo lume,
o mesmo perfume
da rosa primeira.
Caídos os acúleos da distância,
vivemos a mesma ânsia
das raízes entrelaçadas,
transpiradas de amor.
Crescemos roseira,
e há mais uma flor
naquilo que somos.
DO LADO DE DENTRO DA CHUVA
Deixa-me estar
do lado de dentro da chuva,
onde as bátegas são refrigério
e não guardam mistério
os meus olhos,
pintados de arrebol.
Semicerrados,
são vidros embaciados,
de si mesmos encharcados,
por trazerem dentro a chuva,
cansados de mendigar o sol.
PARALISIA
A emoção escoa,
desbragada,
como areia fina
entre os dedos da mão,
e ao chegar ao chão
é já duro cimento
que prende o movimento
dos pés.
Mais uma vez
um pesar agourento
em derrame aflitivo
é manto infame e cinzento
que cobre aos poucos,
cruento,
o corpo enterrado vivo.
MURALHA
Com seu olhar de granito
fito
na cidade estendida,
é sem farsa
que a abraça,
destemida.
Fortaleza de amor,
é por querer ser guarida
que almeja ser maior.
De si iludida,
parece que esquece
como medra,
como dói
a erosão que corrói
a sua primeira pedra.
MUTANTE
O que se perde
também se transforma.
É depósito azedo e ressequido
no fundo do copo partido
tão cheio daquilo que foi
e não torna.