Poemas, frases e mensagens de Nilson.Barcelli

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Nilson.Barcelli

Hoje não sou

 
Hoje não sou
as margens que te enlaçam
como ninfa mareante,
a vogar arrebatada,
nua e pura, sem miragens,
na corrente do teu rio cristalino,
nem a água que corre sagaz
na pele do teu corpo ainda moço.
Hoje não sou o olhar atrevido
à janela da tua procura
no fundo chão da verdade,
nem gesto de pássaro errante
na tua rota aparente
de gazela perdida,
a viajar acordada na distância
que te aparta de mim.
Hoje não sou fome nem sede,
alvoroço, desejo ou ardor.
Muito menos o bombeiro incendiário
do teu acirrado fulgor,
ou mente de boca insana
que percorre, consistente,
a carne dos teus loucos segredos.
Hoje sou o silêncio
que escuta na concha
o mar do teu grito,
sou o sussurro do vento
sem distâncias
que te enroupa de concórdia,
sou o murmúrio da chuva miudinha
que te chama para a margem certa
num rio de janelas luminosas.

Hoje sou o teu amo, o teu escravo,
sou o recato escondido
do teu segredo encontrado.
 
Hoje não sou

Agarrados a bóias de chumbo

 
Sabemos dos medos
que nos desviam da rota
sem roda do leme,
a frio, de cores despidos.
Sabemos do retorno
às amarras dos afectos
no nosso mapa quente e colorido
do começo original.
Porque sentimos na pele
o que edificamos de fio a pavio
num tempo marginal,
em três tempos desfeito,
na incapacidade de acostagens
a ancoradouro algum.
Porque o nosso bote,
eternamente inacabado,
sem leme, sem norte, sem costado,
resvalaria,
repetidamente,
em águas madrastas sem fundo.
Porque beberíamos de novo
a onda do naufrágio final
nas vagas de desacertos,
à vela de palavras submersas,
agarrados a bóias de chumbo.

12 de Maio de 2005 - Poema publicado em
http://nimbypolis.blogspot.com/
 
Agarrados a bóias de chumbo

ATIRO NO PRIMEIRO QUE FALAR

 
ATIRO NO PRIMEIRO QUE FALAR
 
Entro armado no palco e grito:
- Atiro no primeiro que falar.
Faz-se silêncio. As luzes acordam,
encarniçam-se e procuram o homicida em fuga
na minha fronte de amante suicida.
Declaro-me, exponho-me, mostro-me.
Não me defendo, estou inocente
mas lanço granadas de fumo.
O drama e a trama, sem ponto,
são metáforas polimorfas esboçadas
à luz de espelhos curvos da memória.
Ela entra em cena,
duplicada de mel e fel suplicantes:
- Faz-me tua… ou MATA-ME…!
Acaricio as suas formosuras, trapos vivos
atados ao anzol para engodar peixes famintos,
levanto a pele de um fruto proibido
e devoro a polpa até ao tutano.
Ouvem-se rumores…
- Atiro no primeiro que falar.
Faz-se silêncio de novo. Ela fica com aquele
olhar cortejado, diria maroto, de um qualquer
filme mudo de animatógrafo obsoleto,
que é apenas o olhar simples e intrincado
de mulher desarmada, que tanto irrita
outras mulheres por saberem que esse olhar
perturba espectadores-homens, de olhos,
mãos e nariz insolentes,
habituados a avaliar os melões apenas pela casca.
A serpente, já entorpecida, agora num
êxtase melancólico de leoa empanturrada:
- Faz-me tua… ou mata-me…!
E eu, todo nu, sem deixa que me valha:
- Atiro no primeiro que falar.

O pano cai, de repente. Na plateia
morrem olhos a procurar uma serpente.

Poema: Nilson Barcelli © Dezembro de 2006
Publicado em: http://nimbypolis.blogspot.com/
 
ATIRO NO PRIMEIRO QUE FALAR