Poemas, frases e mensagens de Pablo Neruda

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Pablo Neruda

Posso escrever os versos mais tristes

 
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
 
Posso escrever os versos mais tristes

O Vento na Ilha

 
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O Vento na Ilha

O vento é um cavalo
Ouça como ele corre
Pelo mar, pelo céu.
Quer me levar: escuta
como recorre ao mundo
para me levar para longe.

Me esconde em teus braços
por somente esta noite,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para me levar para longe.

Com tua frente a minha frente,
com tua boca em minha boca,
atados nossos corpos
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa me levar.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopandanto eu, emergido
debaixo teus grandes olhos,
por somente esta noite

descansarei, amor meu.
 
 O Vento na Ilha

DÓNDE ESTÁ EL NIÑO QUE YO FUI

 
EL LIBRO DE LAS PREGUNTAS
XLIV
DÓNDE ESTÁ EL NIÑO QUE YO FUI

Dónde está el niño que yo fui,
Onde está o menino que eu fui,

sigue adentro de mí o se fue?
continua dentro de mim ou se foi?

Sabe que no lo quise nunca
Sabe que não o quis nunca

y que tampoco me quería?
e que tampouco me queria?

Por qué anduvimos tanto tiempo
Por que andamos tanto tempo

creciendo para separarnos?
crescendo para separar-nos?

Por qué no morimos los dos
Por que não morremos os dois

cuando mi infancia se murió?
quando minha infância morreu?

Y si el alma se me cayó
E se a alma caiu-me

por qué me sigue el esqueleto?
por que me segue o esqueleto?
 
DÓNDE ESTÁ EL NIÑO QUE YO FUI

DÉJAME SUELTAS LAS MANOS

 
DÉJAME SUELTAS LAS MANOS


Déjame sueltas las manos
Deixa-me soltas as mãos

y el corazón, déjame libre!
e o coração, deixa-me livre!

Deja que mis dedos corran
Deixa que meus dedos corram

por los caminos de tu cuerpo.
pelos caminhos do teu corpo.

La pasión -sangre, fuego, besos-
A paixão -sangue, fogo, beijos-

me incendia a llamaradas trémulas.
incendeia-me a labaredas trêmulas.

Ay, tú no sabes lo que es esto!
Ai, tu não sabes o que é isto!

Es la tempestad de mis sentidos
É a tempestade de meus sentidos

doblegando la selva sensible
de mis nervios.
subjugando a selva sensível
de meus nervos.

Es la carne que grita con sus ardientes lenguas!
É a carne que grita com suas
ardentes línguas!

Es el incendio!
É o incêndio!

Y estás aquí, mujer, como
un madero intacto
E estás aqui, mulher,
como uma madeira intata,

ahora que vuela toda mi
vida hecha cenizas
agora que voa toda minha
vida feito cinzas

hacia tu cuerpo lleno, como
la noche, de astros!
para teu corpo cheio, como
a noite, de astros!

Déjame libre las manos
Deixa-me livre as mãos

y el corazón, déjame libre!
e o coração, deixa-me livre!

Yo sólo te deseo, yo sólo te deseo!
Eu só te desejo, eu só te desejo!

No es amor, es deseo que se
agosta y se extingue,
Não é amor, é desejo que se
esgota e se extingue,

es precipitación de furias,
é precipitação de fúrias,

acercamiento de lo imposible,
proximidade do impossível,

pero estás tú,
porém tu estás,

estás para dármelo todo,
estás para dar-me tudo,

y a darme lo que tienes a
la tierra viniste-
e para dar-me o que tens para
a terra viestes-

como yo para contenerte,
como eu para conter-te,

y desearte,
e desejar-te,

y recibirte!
e receber-te!
 
DÉJAME SUELTAS LAS MANOS

Tercer Libro de Las Odas

 
Tercer Libro de Las Odas


Dai a mim os verdes labirintos,
as esbeltas vertentes dos Andes,
e sob as parreiras,
amada,
tua cintura de guitarra!

dai-me as ondas
que sacodem
o corpo cristalino de minha pátria,
deixai-me ao Este ver como se eleva
a majestade do mundo
num colar altivo de vulcões
e a meus pés só o selo da espuma,
neve do mar, eterna prataria!

Amor dos meus amores,
terra pura, quando volte
irei correndo à tua proa
de embarcação terrestre,
e assim navegaremos
confundidos
até que tu me cubras
e eu possa contigo, eternamente,
ser vinho que regressa em cada outono,
pedra de tuas alturas,
onda de teu marinho movimento!
 
Tercer Libro de Las Odas

É assim que te quero

 
É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.
 
É assim que te quero

A DANÇA

 
Não te amo como se fosses uma rosa ou um topázio
Ou a flecha de cravos, que o fogo lança.
Amo-te como certas coisas escuras devem ser amadas,
Em segredo, entre a sombra e a alma.
Amo-te como a planta que não floresce e carrega,
Escondida dentro de si, a luz de todas as flores.
E, graças ao teu amor, escura no meu corpo
Vive a densa fragrância que cresce da terra.
Amo-te sem saber como ou quando ou de onde.
Amo-te tal como és, sem complexos nem orgulhos.
Amo-te assim porque não sei outro caminho além deste
Onde não existo eu nem tu.
Tão perto que a tua mão no meu peito é a minha mão.
Tão perto que, quando fechas os olhos, adormeço.
 
A DANÇA

Notas de Rui Oliveira e Sousa

 
Chile – Pablo Neruda e a Isla Negra

A visita que fiz a Isla Negra foi um dos momentos mais agradáveis, e, igualmente, mais emocionante, desta minha última deslocação à América do Sul.

Na ida até Isla Negra, a mais famosa das casas de Pablo Neruda, que, como já escrevi em anterior artigo, não é uma ilha, e se situa a cerca de 120 km de Santiago do Chile, fiquei quase que fascinado com tudo o que vi, mas, também com o que senti!

Encantou-me a beleza do lugar, o enquadramento paisagístico, a casa, a decoração interior, o porquê de certos pormenores que a vivenda possui, mas também julgo ter sentido a força, a ternura, o poder da imaginação e do amor desse Homem (sim, com letra maiúscula!) que foi, e é, Pablo Neruda, pois homens com esta dimensão são imortais.

Porventura, em outras "NOTAS DE VIAGEM" já terei escrito que não sou apreciador de Poesia.

Gosto muito de ler, mas, indiscutivelmente, prefiro Prosa.

Logicamente, que para afirmar que não gosto de Poesia, tenho de já ter lido diversas obras escritas nessa forma, e, de tudo o que li, apenas fiquei a gostar de Pablo Neruda, Sophia de Mello Breyner Andresen e Al Berto, bem como de alguns sonetos de Luís de Camões.

O escritor Chileno não possui somente uma obra poética magnífica, tem também uma vida muito rica e interessante

Logo, é perfeitamente natural que eu me sentisse particularmente bem naquele local de uma espectacular beleza, que é Isla Negra, e, simultaneamente, pleno de testemunhos do que foi a sua vida, uma vida apaixonada, e apaixonante, mas polémica!

O poeta, filho de um operário ferroviário e de uma professora primária, nasceu em 12 de Julho de 1904, na cidade de Parral, tendo como verdadeiro nome Ricardo Eliecer Neftali Reyes Basoalto.

Dois anos depois, muda-se para a cidade de Temuco, e, ainda na fase escolar, publica os seus primeiros poemas no jornal "La Mañana".

Mais tarde, em 1920, começa a colaborar na revista literária "Selva Austral", utilizando então o pseudónimo Pablo Neruda com que viria a alcançar fama mundial.

A escolha que fez deste pseudónimo, já espelha, claramente, a sua enorme paixão pela Poesia, se não vejamos: Paul Verlaine foi um importante poeta francês do século XIX, cuja obra era muito admirada pelo Chileno, e Jan Neruda, um poeta checo, também do século XIX, igualmente por si muito apreciado.

Logo em 1924, já em Santiago, para onde fora habitar três anos antes, publica uma das suas obras de maior impacto, e que ainda hoje em dia, é procurada por muitos admiradores da poesia de Pablo Neruda, "Vinte poemas de amor e uma canção desesperada".

Poucos anos mais tarde, em 1927, Neruda inicia a carreira diplomática, que se virá a revelar determinante para toda a sua vida, inclusive, no particular aspecto que serve de tema às "NOTAS DE VIAGEM" de hoje, a casa de Isla Negra.

O poeta percorre diversos postos diplomáticos, começando por Rangoon, na antiga colónia britânica de Burma, cidade que hoje se denomina Yangon e é a maior urbe do Estado Asiático, que em Junho de 1989, se passou a chamar Myanmar, em vez de Birmânia, seguindo-se Colombo, no antigo Ceilão, hoje Sri Lanka, Batávia, em Java, que presentemente faz parte da Indonésia, Singapura, Buenos Aires, Barcelona, Madrid, é ainda Cônsul para a imigração Espanhola em Paris, e, pouco tempo depois, Cônsul Geral no México.

É esta vida de diplomata, que lhe proporciona contactos e encontros com muitas pessoas importantes no mundo cultural, e que também lhe vai permitir conhecer Delia del Carril, 20 anos mais velha que ele, oriunda de uma abastada família de fazendeiros Argentinos, e possuidora de uma larga experiência na cena internacional.

Pablo Neruda, que se casara em 1930, em Batávia, com Maria Antonieta Hagenaar, e de quem se divorciaria em 1936, apesar do êxito que tinha em círculos prestigiados, mas de algum modo restritos, não conseguia que a sua obra se publicasse com a repercussão que merecia.

Foi pois o mundo de relações e a inteligência da pintora Delia del Carril, que o conseguem tornar conhecido e familiar junto de todos os seus contactos.

É também Delia del Carril, que compra para Pablo Neruda o embrião da hoje mundialmente célebre casa de Isla Negra.

Contudo, não foi Delia que partilhou com Neruda este autêntico "ninho de amor".

Tal aconteceu com uma cantora chilena, chamada Matilde Urrutia, que em tempos foi contratada para trabalhar na casa do casal, em Santiago do Chile, a fim de tratar do poeta, que recuperava de um acidente de automóvel.

Neruda, apesar de continuar casado com Delia del Carril, casamento esse que tivera lugar em 1946, inicia a grande paixão da sua vida com Matilde, acabando por se divorciar de Delia, em 1955.

Dado que o tema deste artigo é a Isla Negra, a mais conhecida das três casas de Pablo Neruda, tendo em anterior artigo, quando escrevi sobre Valparaíso, mencionando uma das outras suas casas, La Sebastiana, que se situa naquela cidade portuária, agora que citei a terceira mulher do poeta, será oportuno referir que a outra das três casas de Neruda, está em Santiago do Chile e foi por si mandada construir para Matilde Urrutia.

La Chascona, localiza-se na base do Cerro San Cristóbal, na zona central que envolve o jardim zoológico da Capital, e foi assim baptizada por Pablo Neruda numa alusão clara a Matilde - chasca é uma palavra da Língua Quechua muito popular no Chile, que significa "cabelo emaranhado", sendo esta a raiz da ligação com a sua mulher.

Por curiosidade, é de notar, que após o sangrento golpe de estado de Pinochet, em 11 de Setembro de 1973, a ditadura mandou destruir La Chascona, e a outra casa, La Sebastiana, em Valparaíso, também foi pilhada e vandalizada.

Sublinhe-se, que quando o regime ditatorial executou mais estes actos de barbárie, já Pablo Neruda alcançara renome mundial, fundamentalmente como poeta, e tinha um extenso passado político.

Por vezes, existem pessoas, nos mais diversos domínios de actividade, mas, principalmente, no campo das artes, que só após a sua morte, se tornam conhecidas e alvo de admiração.

Porém, tal não foi o caso de Pablo Neruda.

Cedo se envolveu na actividade política, tendo sido eleito senador da República em 1943, pré-candidato à Presidência da República em 1969, e muitas vezes se manifestou pela melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos.

Este comportamento, nos tempos do Presidente Gabriel González Videla, que presidiu aos destinos do Chile entre 1946 e 1952, acabou por levá-lo ao exílio, caso contrário seria preso.

Curiosamente, González Videla foi conselheiro de Estado durante a ditadura de Augusto Pinochet - as coincidências que a vida nos traz...

Todavia, é conveniente destacar, que o activismo político de Pablo Neruda foi, muitas vezes, polémico e controverso, e, apesar de sempre se ter mantido fiel à mesma ideologia, por exemplo, a sua posição perante alguns dos principais intervenientes políticos de então, não foi sempre a mesma, visto que algumas contradições se verificaram ao longo da sua vida.

Ainda quanto ao passado de Neruda, mas agora no domínio literário, como poeta já publicara inúmeras obras, entre as quais me permito destacar, a anteriormente mencionada "Vinte Poemas e Uma Canção Desesperada" (1924), "Os Versos do Capitão" (1952), "Odes Elementares" (1954), "Cem Sonetos de Amor" (1959), "Memorial da Isla Negra" (1964) e "Cadernos de Temuco" (1996), tendo recebido o título honoris causa da Universidade de Oxford, em Inglaterra, e o Prémio Nobel da Literatura, em 1971.

Nas próximas "NOTAS DE VIAGEM" concluirei estes apontamentos sobre a Isla Negra, dedicando-me com mais detalhe à casa e ao local onde a mesma se situa.


Novembro de 2006
Rui Oliveira e Sousa
 
Notas de Rui Oliveira e Sousa

Antes de amar-te

 
ANTES DE AMAR-TE


Antes de amar-te, amor,
nada era meu:
vacilei pelas ruas
e coisas:
nada contava,
nem tinha nome:
o mundo era
do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,
túneis habitados pela lua,
hangares cruéis que se despediam,
perguntas que
insistiam na areia.

Tudo estava vazio,morto e mudo,
caído, abandonado e decaído,
tudo era inalienavelmente alheio,
tudo era dos outros e de ninguém,
até que tua luz, teu sorriso
encheram minha alma.
Nomes e prenomes tive
beijos, caricias e
carinhos me deste,
e tua beleza e tua
pobreza de dádivas
encheram meu outono,
meu inverno,
minha primavera,
meu verão

e agora,

sem o outono de volta...
 
Antes de amar-te

EXCERTOS- Canto Geral

 
XXXVIII
(8)
(NOTURNO)

Chega ao circuito do deserto,
À alta noite área do pampa,
Ao círculo noturno, espaço e astro,
Onde a zona do Tamarugal recolhe
Todo o silêncio perdido no tempo.

Mil anos de silêncio em uma taça
De azul calcário, de distância e lua,
Lavram a geografia nua da noite.

Eu te amo, pura terra, como tantas
Coisas amei contraditórias:
A flor, a rua, a abundância, o rito.

Eu te amo, irmã pura do oceano.
Para mim foi difícil esta escola vazia
Em que não estava o homem, nem o muro,
[ nem a planta
para apoiar-me em algo.

Estava só.
Era planura e solidão a vida.
Era este o peito varonil do mundo.
E amei o sistema de tua forma reta,
A extensa precisão de teu vazio.

...................................................
Pampa del Tamarugal, zona del valle Longitudinal chileno, localizada entre las regiones de Tarapacá y Antofagasta, al norte del país. Sus límites son la quebrada de Tana, al norte, y el curso medio del río Loa, al sur. La altitud oscila entre los 900 y 1.200 m en el este y los 1.300 y 1.700 m en la zona de contacto con el macizo andino. El clima y la vegetación son de tipo desértico, destacando los bosques de tamarugos, mimosácea adaptada a los suelos salinos, en vías de extinción, protegidos en la reserva del Parque nacional Pampa del Tamarugal (108.000 ha). Existen yacimientos y explotación de nitratos y yodo, y numerosos salares (Bellavista, Pintado, Miraje, Llamará). El poblamiento es escaso y distribuido en función de los recursos hídricos y mineros.
 
EXCERTOS- Canto Geral

POSSO ESCREVER OS VERSOS...

 
POSSO ESCREVER OS VERSOS...

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,

e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.»

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Eu amei-a, e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a eu nos meus braços.

Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.

Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.

E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.

A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.

A minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.

O meu coração procura-a, e ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.

Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas tanto que eu a amei.

Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.

A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.

É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta a tive nos meus braços,

a minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Embora esta seja a última dor que ela me causa,

e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

(Fonte: "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada")
 
POSSO ESCREVER OS VERSOS...

SI TÚ ME OLVIDAS

 
SI TÚ ME OLVIDAS

Quiero que sepas
Quero que saibas

una cosa.
uma coisa.

Tú sabes cómo es esto:
Tu sabes como é isto:

si miro
se olho

la luna de cristal, la rama roja
a lua de cristal, a folhagem vermelha

del lento otoño en mi ventana,
do lento outono em minha janela,

si toco
se toco

junto al fuego
junto ao fogo

la impalpable ceniza
a impalpável cinza

o el arrugado cuerpo de la leña,
ou o enrugado corpo da lenha,

todo me lleva a ti,
tudo me leva a ti,

como si todo lo que existe,
como se tudo o que existe,

aromas, luz, metales,
aromas, luz, metais,

fueran pequeños barcos que navegan
fossem pequenos barcos que navegam

hacia las islas tuyas que me aguardan.
para as ilhas tuas que me aguardam.

Ahora bien,
Agora bem,

si poco a poco dejas de quererme
se pouco a pouco deixas de querer-me

dejaré de quererte poco a poco.
deixarei de querer-te pouco a pouco.

Si de pronto
Se de repente

me olvidas
me esqueces

no me busques,
não me procures,

que ya te habré olvidado.
que eu já terei te esquecido.

Si consideras largo y loco
Se consideras excessivo e louco

el viento de banderas
o vento de bandeiras (*)

que pasa por mi vida
que passa por minha vida

y te decides
e te decides

a dejarme a la orilla
a deixar-me à margem

del corazón en que tengo raíces,
do coração em que tenho raízes,

piensa
pensa

que en ese día,
que nesse dia,

a esa hora
a essa hora

levantaré los brazos
erguerei os braços

y saldrán mis raíces
e sairão minhas raízes

a buscar otra tierra.
a procurar outra terra.

Pero
Mas

si cada día,
se cada dia,

cada hora
cada hora

sientes que a mí estás destinada
sentes que a mim estás destinada

con dulzura implacable.
com doçura implacável.

Si cada día sube
Se cada dia sobe

una flor a tus labios a buscarme,
uma flor a teus lábios a buscar-me,

ay amor mío, ay mía,
ai amor meu, ai minha,

en mí todo ese fuego se repite,
em mim todo esse fogo se repete,

en mí nada se apaga ni se olvida,
em mim nada se apaga nem se esquece,

mi amor se nutre de tu amor, amada,
meu amor alimenta-se de teu amor, amada,
y mientras vivas estará en tus brazos
e enquanto vivas estará em teus braços

sin salir de los míos.
sem sair dos meus.
..................................................

(*) "Viento de banderas" - metáfora usada por Neruda significando um acontecimento que passa mas que deixa marcas.
 
SI TÚ ME OLVIDAS

Trecho do Poema O Carteiro e o Poeta - Filme

 
O Carteiro e o Poeta (Trecho)


"(...) Mas também queria
pedir uma coisa, Mario,
que só você pode cumprir.
Todos os meus outros amigos
ou não saberiam o que fazer
ou pensariam que sou um
velho caduco e ridículo.
Quero que você vá com
este gravador passeando
pela Isla Negra e grave todos
os sons e ruídos que vá encontrando.
Preciso desesperadamente de algo,
nem que seja o fantasma da minha casa.
A minha saúde não anda
nada bem. Sinto falta do mar.
Sinto falta do mar.
Sinto falta dos pássaros.
mande para mim os sons
da minha casa. Entre no jardim
e faça soar os sinos.
Primeiro grave esse repicar suave dos
sininhos pequenos quando o
vento bate neles, e depois puxe
o cordão do sino maior cinco, seis
vezes. Sinos, meus sinos! Não há
nada que soe tão bem como a palavra
sino se a penduramos num
campanário junto ao mar. E depois
vá até as pedras e grave a
arrebentação das ondas.
E se ouvir
gaivotas, grave.
E se ouvir
o silêncio das estrelas siderais, grave.(...)

Trecho do Poema de Pablo Neruda
do filme O Carteiro e o Poeta
 
Trecho do Poema O Carteiro e o Poeta - Filme

A noite na ilha

 
A Noite na Ilha

Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão,
vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,
porque tu és a taça que só esperava
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.
 
A noite na ilha

OS TEUS PÉS

 
Os teus pés

Quando não te posso contemplar
Contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
Teus pequenos pés duros,

Eu sei que te sustentam
E que teu doce peso
Sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
A duplicada purpura
Dos teus mamilos,
A caixa dos teus olhos
Que há pouco levantaram voo,
A larga boca de fruta,
Tua rubra cabeleira,
Pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.
 
OS TEUS PÉS

AMIGA

 
AMIGA


Amiga, no te mueras.
Amiga, não morras.

Óyeme estas palabras que me salen ardiendo,
Ouve estas palavras que me saem em chamas,

y que nadie diría si yo no las dijera.
e que ninguém diria se eu não as dissesse.

Amiga, no te mueras.
Amiga, não morras.

Yo soy el que te espera en la estrellada noche.
Eu sou o que te espera na noite estrelada.

El que bajo el sangriento sol poniente te espera.
O que sob o sangrento sol poente te espera.

Miro caer los frutos en la tierra sombría.
Vejo cairem os frutos na terra sombria.

Miro bailar las gotas del rocío en las hierbas.
Vejo dançarem as gotas de orvalho sobre a ervas.

En la noche al espeso perfume de las rosas,
À noite sob o intenso perfume das rosas,

cuando danza la ronda de las sombras inmensas.
quando dança ao redor das imensas sombras.

Bajo el cielo del Sur, el que te espera cuando
Sob o céu do Sul, o que te espera quando

el aire de la tarde como una boca besa.
o ar da tarde beija como uma boca.

Amiga, no te mueras.
Amiga, não morras.

Yo soy el que cortó las guirnaldas rebeldes
Eu sou o que cortou as grinaldas rebeldes

para el lecho selvático fragante a sol y a selva.
para o leito selvagem perfumado a sol e a selva.

El que trajo en los brazos jacintos amarillos.
O que trouxe nos braços jacintos amarelos.

Y rosas desgarradas. Y amapolas sangrientas.
E rosas despedaçadas. E papoulas sangrentas.

El que cruzó los brazos por esperarte, ahora.
O que cruzou os braços para esperar-te, agora.

El que quebró sus arcos. El que dobló sus flechas.
O que quebrou seus arcos. O que dobrou suas flechas.

Yo soy el que en los labios guarda sabor de uvas.
Eu sou o que guarda nos lábios o sabor de uvas.

Racimos refregados. Mordeduras bermejas.
Cachos amassados. Mordidas vermelhas.

El que te llama desde las llanuras brotadas.
O que te chama desde as planícies floridas.

Yo soy el que en la hora del amor te desea.
Eu sou o que te deseja na hora do amor.

El aire de la tarde cimbra las ramas altas.
O ar da tarde arqueia os altos ramos.

Ebrio, mi corazón. bajo Dios, tambalea.
Ébrio, meu coração, submisso a Deus, cambaleia.

El río desatado rompe a llorar y a veces
O rio transbordante põe-se a chorar e às vezes

se adelgaza su voz y se hace pura y trémula.
afina-se sua voz e se faz pura e trêmula.

Retumba, atardecida, la queja azul del agua.
Ressoa, entardecida, a lamuria azul da água.

Amiga, no te mueras!
Amiga, não morras!

Yo soy el que te espera en la estrellada noche,
Eu sou o que te espera na noite estrelada,

sobre las playas áureas, sobre las rubias eras.
sobre as praias douradas, sobre as loiras eras.

El que cortó jacintos para tu lecho, y rosas.
O que cortou jacintos para teu leito, e rosas.

Tendido entre las hierbas yo soy el que te espera!
Estendido sobre a relva eu sou o que te espera!
 
AMIGA

O POÇO

 
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O Poço

Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.
 
O POÇO

CEM SONETOS DE AMOR

 
Soneto XXVII

Desnuda eres tan simple como una de tus manos,
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,
tienes líneas de luna, caminos de manzana,
desnuda eres delgada como el trigo desnudo.
Desnuda eres azul como la noche en Cuba,
tienes enredaderas y estrellas en el pelo,
desnuda eres enorme y amarilla
como el verano en una iglesia de oro.
Desnuda eres pequeña como una de tus uñas,
curva, sutil, rosada hasta que nace el día
y te metes en el subterráneo del mundo
como en un largo túnel de trajes y trabajos:
tu claridad se apaga, se viste, se deshoja
y otra vez vuelve a ser una mano desnuda.



Soneto XXVIII

Amor, de grano a grano, de planeta a planeta,
la red del viento con sus países sombríos,
la guerra con sus zapatos de sangre,
o bien el día y la noche de la espiga.
Por donde fuimos, islas o puentes o banderas,
violines del fugaz otoño acribillado,
repitió la alegría los labios de la copa,
el dolor nos detuvo con su lección de llanto.
En todas las repúblicas desarrollaba el viento
su pabellón impune, su glacial cabellera
y luego regresaba la flor a sus trabajos.
Pero en nosotros nunca se calcinó el otoño.
Y en nuestra patria inmóvil germinaba y crecía
el amor con los derechos del rocío.

XXVII

Nua és tão simples como uma de tuas mãos
Lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,
Tens linhas de lua, caminhos de maçã,
Nua és magra como o trigo nu.

Nua és azul como a noite em Cuba,
Tens trepadeiras e estrelas no pêlo,
Nua és enorme e amarela
Como verão numa igreja de ouro.

Nua és pequena como uma de tuas unhas,
Curva, sutil, rosada até que nasça o dia
E te metes no subterrâneo do mundo

Como num longo túnel de trajes e trabalhos:
Tua claridade se apaga, se veste, se desfolha
E outra vez volta a ser uma mão nua.

XXVIII

Amor, de grão a grão, de planeta a planeta,
A rede do vento com seus países sombrios,
A guerra com seus sapatos de sangue,
Ou melhor o dia e a noite da espiga.

Por onde fomos, ilhas ou pontes ou bandeiras,
Violinos do fugaz outono atormentado,
Repetiu a alegria dos lábios do copo,
A dor nos deteve com sua lição de pranto.

Em todas as repúblicas desenvolvia o vento
Seu pavilhão impune, sua glacial cabeleira,
E logo regressava a flor a seus trabalhos.

Mas em nós nunca se calcionou o outono.
E em nossa pátria imóvel germinava e crescia
O amor com os direitos do orvalho.
 
CEM SONETOS DE AMOR

POEMAS DIVERSOS

 
Quando eu nasci a minha mãe morria
com uma santidade de alma em pena.
Seu corpo era translúcido.Ela tinha
sob sua carne um luminar de estrelas.
Morreu. Mas eu nasci.
Por isso levo

um invisível rio em minhas veias,
um invencível canto de crepúsculo
que me estimula o riso e mo congela.
Ela ajuntou á vida que nascia
o estéril ramalhar de vida enferma.
A palidez das mãos de moribunda
amarelou em mim a lua cheia.

Por isso, irmão, está tão triste o campo
atrás dessas
vidraças transparentes...
... Esta lua amarela em minha vida
faz com que eu seja um abrolhar da morte...

Pablo Neruda in O Rio Invisível
Poesia e prosa de juventude
Tradução: Rolando Roque da Silva
DIFEL, São Paulo,1982

15

Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ,ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma,
emerges de las cosas llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza.
Déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

15

Gosto quando te calas porque estás como ausente
e me escutas de longe; minha voz não te toca.
É como se tivessem esses teus olhos voado,
como se houvesse um beijo lacrado a tua boca.

Como as coisas estão repletas de minha alma,
repleta de minha alma, das coisas te irradias.
Borboleta de sonho, és igual à minha alma,
e te assemelhas à palavra melancolia.

Gosto quando te calas e estás como distante.
Como se te queixasses, borboleta em arrulho.
E me escutas de longe. Minha voz não te alcança.
Deixa-me que me cale com teu silêncio puro.

Deixa-me que te fale também com. teu silêncio
claro qual uma lâmpada, simples como um anel.
Tu és igual a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão remoto e singelo.

Gosto quando te calas porque estás como ausente.
Distante e triste como se tivesses morrido.
Uma palavra então e um s6 sorriso bastam.
E estou alegre, alegre por não ter sido isso.

Pablo Neruda in 20 Poemas de Amor e uma canção desesperada
Tradução :Domingos Carvalho da Silva
José Olímpio Editora- RJ -1974

XIII

Cresce o homem com tudo que cresce
e se acrescenta Pedro com seu rio,
com a árvore que sobe sem falar
por isso minha palavra cresce
e cresce:
vem daquele silêncio com raízes,
dos dias do trigo,
daqueles germes intransferíveis,
da água extensa,
do sol cerrado sem seu consentimento,
dos cavalos suando na chuva.

XVIII

Os dias não se descartam nem se somam, são abelhas
que arderam de doçura ou enfureceram
o aguilhão: o certame continua,
vão e vêm as viagens do mel à dor.
Não, não se desfia a rede dos anos: não há rede.
Não caem gota a gota de um rio: não há rio.
O sonho não divide a vida em duas metades,
nem a ação, nem o silêncio, nem a virtude:
a vida foi como uma pedra, um só movimento,
uma única fogueira que reverberou na folhagem,
uma.flecha, uma só, lenta ou ativa, um metal
que subiu e desceu queimando‑se em teus ossos.

Pablo Neruda in Ainda
Tradução:Olga Savary
José Olympio Editora – RJ-1978

XXXVII

OH AMOR, oh raio louco e ameaça purpúrea,
me visitas e sobes por tua viçosa escada
o castelo que o tempo coroou de neblinas,
as pálidas paredes do coração fechado.

Ninguém saberá que foi a delicadeza
construindo cristais duros como cidades
e que o sangue abria túneis inditosos
sem que sua monarquia derrubasse o inverno.

Por isso, amor, tua boca, teu pé, tua luz, tuas pernas,
foram o patrimônio da vida, os dons
sagrados da chuva, da natureza

que recebe e levanta a gravidez do grão,
a tempestade secreta do vinho nas cantinas,
a chama do cereal no solo.

Pablo Neruda in Cem Sonetos de Amor
Tradução de Carlos Nejar
L&PM Editores –Porto Alegre-RS –1979

Em Pleno Mês de Junho

Em pleno mês de Junho
me aconteceu uma mulher,
melhor uma laranja.
Está confuso o panorama
Bateram à porta
era uma lufada,
um látego de luz,
uma tartaruga ultravioleta,
a via com lentidão de telescópio,
como se fosse ou habitasse
esta vestidura de estrela,
e por erro do astrônomo
houvesse entrado em minha casa.

Todos

Eu talvez eu não sei, talvez não pude,
não fui, não vi, não estou:
― que é isto? E em que Junho, em que madeira
cresci até agora, continuarei crescendo?

Não cresci, não cresci, segui morrendo?

Eu repeti nas portas
o som do mar,
dos sinos,
eu perguntei por mim, com encantamento
(com ansiedade mais tarde),
com chocalho, com água,
com doçura,
sempre chegava tarde.
Já estava longe minha anterioridade,
já não me respondia eu a mim mesmo,
eu me havia ido muitas vezes.

Eu fui à próxima casa,
à próxima mulher,
a todas as partes
a perguntar por mim, por ti, por todos
e onde eu estava já não estavam,
tudo estava vazio
porque simplesmente não era hoje,
era amanhã.

Porque buscar em vão
em cada porta em que não existiremos
porque não chegamos ainda?

Assim foi como soube
que eu era exatamente como tu
e como todo mundo.

Pablo Neruda in Últimos poemas
(O Mar e os Sinos) - 1973
Tradução: Luiz de Miranda
L&PM ditores –Editado no Brasil 1983 -RS
 
POEMAS DIVERSOS

JÁ ÉS MINHA

 
JÁ ÉS MINHA

Pablo Neruda
1904-2004



Já és minha.

Repousa com teu sonho em meu sonho.

Amor, dor, trabalho, devem dormir agora.

Gira a noite sobre suas invisíves rodas
e junto a mim és pura
como âmbar dormido...

Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.

Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.

Nenhuma viajará pela sombra comigo, só tu.

Sempre viva. Sempre sol. Sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados e

deixaram cair suaves sinais sem rumo.

Teus olhos se fecharam como duas asas cinzas,

enquanto eu sigo a água que levas e me leva.

A noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,

e já não sou sem ti senão apenas teu sonho...
 
JÁ ÉS MINHA

Pablo Neruda
( 12/07/1904 — 23/09/1973)
Autores Clássicos no Luso-Poemas