Poemas, frases e mensagens de Conceição Bernardino

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Conceição Bernardino

Entrei nesta casa a 30-7-2006...sai uma vez, não o voltarei a fazer porque acima da discórdia está o sonho.

Conceição Bernardino - meu pseudónimo literário Mathilde Gonzalez e Carlos Val


PAZ REMOTA

 
aceito a inutilidade que carrego nas mãos,
os quartos são sempre iguais,
o eco das paredes
permanecem terrivelmente sós,
tão sós como as folhas que se mutilam entre as balas perdidas
e os gemidos caídos no chão

o vazio das algibeiras preenchem
este ruído que me desola o peito;
de dentro arranco um rio infindo de esperança,
o pão é talhado estrondosamente
pela febre de bocas que mastigam a minha insanidade

onde quer que poise o olhar
retorno ao apelo da paz,
a essa paz que roga pela vida
dentro de uma ogiva de amor nuclear

ainda moro
no infinito das coisas simples,
onde o mar começa
e a noite acaba,
onde as flores fazem amor ao relento,
e a paz sabe a jasmim

in - ideários
 
PAZ REMOTA

Lágrimas de amor

 
Ajoelho-me a teus pés
Remendo um rosário de orquídeas
E beijo o chão, para que possas caminhar
Sem frio, embalo-me dentro do útero que nunca sai

Tenho medo mãe, que não voltes acordar,
Que os teus braços tombem
Sobre o meu corpo desprotegido
E naufrague sobre o deserto dos meus olhos

Os passeios ficarão manchados
De passos desconhecidos, e eu espessura voraz,
A impiedade que ascende de todas as pedras
À procura dos teus passos

Agora, recordo essa criança que ferve no teu sangue,
Correndo pelos teus anos, levados pelo seu canto confidente.
Um dia serei como tu, talvez, quando as andorinhas chegarem.

Conceição Bernardino
 
Lágrimas de amor

Dueto de HorrisCausa e Conceição Bernardino - Marias das procissões

 
Quantas Marias Deus pariu e filhos
Bastardos lhes deu.
Tão cheias de princípios e bem-me-queres
Em nome de crucifixos, pia batismal, precipícios.
Marias das procissões
Marias dos pregões
Marias dos calões
Marias sem nações
Marias mãe
Marias filhas
Marias meninas
Marias meninos
Marias vulgívaga
Marias, Marias, Marias

Avé Marias
Com terços feridos, arrebentados
Contas espalhadas desde os céus à terra
Devoção ou sacrifício erguem punho
Cerrado enquanto com a outra mão mergulha
em água benta
Não mata
Não cura
É crença
Graça que idolatra

Passos de andor urgente lento
Excomungados em ato de punição ajoelham-se,
Oram de véu rasgado, nome de Deus em vão
Enquanto sinos trovejam, tocam na igreja,
Hoje aberta e festiva
Repleta de Marias bem aventuradas
Missal de luxo encadernado,
Tão castas, copulam bem
Após mantilhas de rendas finas,
Vestidas nos seus acostumados
Aprumos do mal dizer
Conspurcam mantos de Maria mãe de todas as Marias

“Que Marias somos?...Marias vai com contos”

04-05-2023
 
Dueto de HorrisCausa e Conceição Bernardino -  Marias das procissões

Aromas capitalistas

 
Sou eu o teu papel,
Que te incita e te outorga
Sulcando a ondulação do espaço
No fértil movimento deste imenso desígnio,
Onde nos consumimos fodendo,
Nas orlas tranquilas da sabedoria egocêntrica

Sou eu o papel mais raro,
Rasgado a meio, feito de carne e palavra,
Porém cativo no seu denso capricho,
Fogo dos aromas capitalistas
Rendido à salvação da alma,
Manipulando a qualquer preço o túnel onde o sol nos espera

Sou eu ou tu,
Tantos faz, o papel branco sujo,
Que invoca de pé a nossa história
E aplaude o verbo “saudosista” das disparidades,
E o esquecimento de um gozo que sofre em esquecer-se,
Algures, num território dentro de nós

Conceição Bernardino
(inédito)
 
Aromas capitalistas

Céu de Cal

 
Céu de cal

Os lobos já se deitaram
Mastigam com os dentes uma morte íntima
Em redor a terra saturada
E a fértil noite, abraça-me,
Prenuncio-me às estrelas que pintaste no céu
As veredas abrem-se húmidas
Sacio-me no silêncio da tua boca
Enquanto engoles a sombra
E o choro das amoras.

A cicatriz roça-me os dedos
Incendeia-se antes do tocar dos corpos
Como duas folhas no meio da paisagem
À espera de um porto seguro
Prenuncio-me de novo,
Mas as estrelas já não estão lá,
Naquele imenso céu de cal
Ouço-me!
Ouço-me dentro de ti
Como um búzio a espalhar oceanos
No gume lunar dos sentidos,
E as pupilas entregam-se à solidão das glicínias
Aquecem o frio da adaga
Onde a minha ausência repousa

Conceição Bernardino - "in - semente de cal"

Carpe Diem
 
Céu de Cal

Dissertação sobre o estado da nação visto de dentro para fora

 
Trago pensos nos bolsos e um frasco de betadine na mão direita, na esquerda um saco de algodão em rama e um espelho de aumento, já revirei o pensamento embrulhei-o em jornal, das tripas faço coração sem enteróclise, limito-me à audição fugindo do imbróglio da carolice, arrumo o estômago dou um sorriso ao fígado e penteio a vesícula.
Amanhã trato do umbigo e quem sabe troque o betadine por álcool etílico, faço alergias ao látex e a pírula faz-me cócegas no esófago.

- Desculpe, tem pomada para as hemorróidas? Não? Então embrulhe-me um saco de almofadas.

Conceição Bernardino
 
Dissertação sobre o estado da nação visto de dentro para fora

Recolho-me no leito estreito das tuas mãos

 
Pululam-me os seios no céu imenso,
que colhes na boca, e no corpo semeias
flores e pânico, dentro deste mar imenso
onde nenhum corpo faz sentido
ou se desvenda no tempo.

Recolho-me no leito estreito das tuas mãos,
enquanto procuro o voo arrojado da tua boca
a lamber-me os medos, e o sal dos meus olhos.

Os teus dedos sopram-me areias quentes, vindas
de arquipélagos cortados a meio, e deslizam
trémulos como duas folhas de malmequer, suaves,
sobre o meu ventre.

Sorrio envolta do sonho, olhei pela vidraça,
e lá estavas tu, dentro da imaginação, no bater
das ondas.

Conceição Bernardino
 
Recolho-me no leito estreito das tuas mãos

Casulo de fogo

 
Procuro a tua primitiva intensidade,
Desfolho-me pétala a pétala
Dentro do ranger das borboletas
Que repousam no teu corpo amplo

Nas videiras as uvas sangram;
O mel adocicado que provo da tua boca
E ardo em dementes lírios,
No clamor de diamante onde o vinho
Se derrama no galopar dos nossos corpos.

Mordo a polpa, e seus regatos de açúcar
Adornam-me os seios num fértil sossego
Abrindo o universo dentro dos teus braços
Amo a luz das nossas pupilas a reflectir-se
No culminar da noite que há-de vir.

Conceição Bernardino
 
Casulo de fogo

Uma carta com remetente

 
Porto, 30 de novembro de 2016

Minha querida mãe,
Hoje decidi escrever-te esta carta. sei que nunca a irás ler, não tiveste a oportunidade que me deste de poder estudar. Ler-te-ei de coração aberto todas as sílabas, mesmo as que não se podem transformar em papel. O amor não se escreve mãe, não é objecto estruturado nem redondilhas com rimas soltas. É algo que se sente e dói, dói tanto, que nem a própria dor se explica. Hoje já te disse que te amo, digo-te todos os dias, assim o farei para sempre, mesmo que o sempre não exista. Inconformada ou não passei de filha a mãe, isto para muitos não terá grande lógica, mas a nossa vida nunca foi feita de lógicas ou estatísticas e sim de degraus; cada um com aprendizado que jamais seria possível se não estivesses a meu lado. Sei que esta carta parece só mais uma, como as que te lia, vindas de outros familiares queridos. Não mãe, não é só uma carta, é um pouco do nosso cordão umbilical que jamais será cortado, mesmo sendo eu a dar-te banho, mesmo sendo eu os teus olhos, a mudar-te a fralda, independentemente de todas as circunstancias da vida.
É triste, mas é verdade mãe, a maioria dos filhos abandonam os pais, nos lares, nos hospitais ou simplesmente por aí, a velhice é o bicho papão das sociedades modernas, do avanço tecnológico, do futuro promissor de políticos provetas, das leis chulas que criam para tapar o sol com a peneira. Usa-se e abusa-se da palavra dignidade, que dignidade existe num rosto enrugado só, completamente só. Estamos a chegar ao natal mãe, o menino é sempre o mesmo, continua despido e ao frio, acendem-se as lareiras, mas as mentalidades continuam geladas, ansiosas que os duendes as compensem e que a missa do galo as perdoem.
Sabes mãe, sou uma filha com tanta sorte, com tanto amor, só por te ter ao meu lado.


Conceição Bernardino
 
Uma carta com remetente

Estremecerei árvore a árvore até que os pássaros acordem

 
Estou cansada
De escrever poemas na privada
Como eu queria não pensar em nada,
Deambular pela vida, nem querer
possuir mais que a frugal condição de estar viva

Estou cansada apenas
Sem pena nenhuma de estar

Não deixarei morrer em vão o nome dos meus avós
Nem a paisagem invernosa, na serenidade
Estremecerei árvore a árvore até que os pássaros acordem
E voem, voem até à última pena

Não deixarei o dia morrer silencioso dentro de mim
Farei da saliva chama e da palavra o punho
Até que os algozes engulam a luz intensa do meio-dia
E as cinzas porosas neoliberais

Estou cansada apenas
Sem pena nenhuma de estar

Conceição Bernardino
 
Estremecerei árvore a árvore até que os pássaros acordem

Anda

 
Na exaustão calo o meu cansaço
Penduro os sapatos na berma da noite
Num sorriso digo adeus à minha sombra,
deito-me na insónia que embalo
Com cantigas de silêncio.
Já não sei onde começo e me acabo
Se o tempo já não tem tempo para mim
Faço cálculos inócuos
E só me resta números primos
E dízimas infinitas periódicas de solidão
Talvez as raízes que não plantei
Abracem a incógnita deste ser que sou
E tragam euforia ao relógio
Que trago parado no meu peito.
Anda, sabes se a minha sombra já acordou?

Conceição Bernardino

In - memórias
 
Anda

Dispo-me

 
Guardo a lua nos olhos e dou-me aos gestos da noite
como uma simples alma que adormece
inquieta por querer beijá-la.

Avanço sob o peso da tempestade
e colho finos cordéis de terra
onde a nudez dos lírios me arranca orgasmos
que deslizam sobre as ondas revoltas do meu corpo,
o mar penetra-me num vaivém de sémen destilado
e as minhas mãos enchem-se de gemidos,
à procura de uma boca sedenta entre os seios da lua.

Quero-te assim, selvagem
Quero-te impudica

Olha-me nos olhos, e deita-te comigo
nesta terra húmida onde os sexos se mordem

Conceição Bernardino in "viagens"
 
Dispo-me

Insanidade perfeita

 
Sinto-me cansada
Já me faltam as palavras!
As que saboreio entre dissabores
Da minha própria loucura
Já não sinto o meu corpo
As vogais consomem-no
Adormece em brandas consoantes
Ficam tantas frases por dizer
Aquelas,
Que já não consigo escrever,
Falta-me a força
A caneta começa a tremer
Soluça.
O meu olhar constrói
O que meu pensamento rejeita
Esta sou, eu
A doce mulher
A insana, poeta...

Conceição Bernardino
 
Insanidade perfeita

paroxismo

 
paroxismo
 
só saberei amar-te uma vez,
e esta cópula que trago na pele será o teu altar
onde te deitas,
onde pernoitas
como a chuva que me lambe o rosto
e a vela que ainda não ardeu.

saberei abraçar-te no momento certo
se a (in) certeza assim deixar
serei a pudica mais obscena
nesta lama de oceanos
onde os corpos se dividem em cores
e os rios se (re) partem
adocicando os seios que saboreias
no ventre dos (dis) sabores

só saberei amar-te uma vez,
se alguma vez me souberes amar

Conceição Bernardino
 
paroxismo

Já não te sinto o colo

 
Fecho a boca, mastigo as migalhas que restam,
Desta insatisfação, desta overdose de verbos
Incompletos,
Sempre as maiúsculas a'rrasarem os filhos incógnitos
De uma santa mãe,
De uma qualquer mãe que "estais no céu", que ora por nós
E pelos que partiram na in(certeza)
Se algum dia voltarão,
Já tive fome, medo, mas vida não...

...outros, talvez outros, saibam dela,
Entre os bordados de linho, teares que cantam desalinhados
O bater do coração, e as mãos pendentes do abrigo sagrado
Deste canto chão, a ceifa já não dá pão
Nem pasto, o cheiro intenso resiste,
Alguém pede boleia, quer alcançar o mar, sonha,
Investe o que não tem
Recebe o que lhe dão, ilusão...

...os filhos estão a morrer, incógnitos ou não,
Embala o menino,
A noite ainda não chegou, o copo já está vazio,
Mãe, o abrigo está frio, já não te sinto
o colo...
 
Já não te sinto o colo

Monólogo

 
Deixa-me que te pergunte.
Onde fica o vazio?
Já sei, mesmo aqui dentro das minha mãos, do caos que nunca vivi,
Dos mortos que caem ao meu lado nesta guerra alucinada.
Que fiz eu?
Limpo as lágrimas, guardo-as num saco descartável, à espera de serem recicladas até
ao próximo luto,
e depois voltarei a subir ao céu à procura dos meus restos.
Deixa-me que te pergunte?
A que horas parte a dor?

Conceição Bernardino
 
Monólogo

paroxismo

 
só saberei amar-te uma vez,
e esta cópula que trago na pele será o teu altar
onde te deitas,
onde pernoitas
como a chuva que me lambe o rosto
e a vela que ainda não ardeu.

saberei abraçar-te no momento certo
se a (in) certeza assim deixar
serei a pudica mais obscena
nesta lama de oceanos
onde os corpos se dividem em cores
e os rios se (re) partem
adocicando os seios que saboreias
no ventre dos (dis) sabores

só saberei amar-te uma vez,
se alguma vez me souberes amar

Conceição Bernardino
 
paroxismo

Participação no Jornal Destak

 
Venho partilhar com todos este poema que foi publicado no Destak hoje, e já postado aqui.

http://www.destak.pt/docs/1785/porto.pdf

leia a página 28
 
Participação no Jornal Destak

a fome bateu-lhe à porta ruidosamente

 
a morte saiu à rua vestida de branco
nas asas de um albatroz de bico silente
amputado pelas guelras da meia-lua,
a fome bateu-lhe à porta ruidosamente
desceu os degraus e calara-o na rua.

subiu a calçada com a mulher prenha
e um punhado crispado de nada,
tudo parece novo dentro da sentença.
quanto mais andava mais a fome mastigava
o estômago na boca, o urdir da crença,
sem casa, sem cama, sem mesa, sem…

os anúncios luzentes feriam-lhe os olhos
- Soluções de crédito à sua medida –
- TAEG 17,6 por cento, TAN 14 por cento –
- Venda o seu ouro por um preço justo –

(Paga e não bufes filho da puta!)

largou a mão à mulher prenha
subiu ao último andar do prédio devoluto
deixou-se cair sobre o anúncio do nojo
que rege as gorduras da devassidão.
ao cair, ainda assim, berrou:

- Alimenta a mulher e o meu filho, cabrão!

Conceição Bernardino
 
a fome bateu-lhe à porta ruidosamente

onde eu já não moro

 
Estou só,
Somente só
nesta imensidão de palavras
turbas, ébrias como as pontes
que se abatem sobre nós

nós,
que a tinta derramamos
em eclipses nostálgicos
e depois,
ah, depois vergamo-nos
à procura das sobras que restam
do tempo que não vivemos

eu estou só, completamente só,
fujo de mim com medo de me encontrar
e ser o que nunca fui,
e o que fui voltar a ser
ou então não querer nem uma coisa nem outra,
ser e mais nada;

qualquer pedaço de chão me servirá
e a loucura que calo nestas mãos vazias,
nestas mãos cheias de nós, que sangram
como lapiseiras à procura do traço
onde possa repousar a cabeça
ou então ampara-la simplesmente,
e sossegar este desassossego
que teima em lembrar-me o tempo
onde eu já não moro

Conceição Bernardino

Carpe Diem
 
onde eu já não moro

A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.
Aristóteles

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