Rogativa
ROGATIVA
Oh! Pai, criador do criminoso e do justo...
Fazei dessa terra, esfera incandescente
Sob os influxos do amor, eternamente
Morada da paz, aconchegante arbusto;
Teu é o ilimitado poder, eterno, augusto
Esmeraldina estrela de luz clemente,
Dissipando os negrumes, inda pungente,
Dos corações que buscam o mal vetusto!
Porquanto, confiante, aqui me vejo abrindo
Meu coração, das agruras emergindo,
Em meio à prece fervorosa e compassiva
Pelo lar terreno, pelos bilhões de irmãos...
Entregarei, humildemente, em vossas mãos
As espinhosas flores dessa rogativa.
Álvaro Silva
Orgulho e Vaidade
Orgulho e Vaidade
Recua ante o orgulho que te exalta o lume,
Cessa a vaidade tola neste mundo
Onde as mazelas de ser infecundo
Já corroeram-te o inexpressivo cume.
Deserta das fileiras – e te assume,
Deste lôbrego ócio tão profundo...
Volta, Mas abandona o lodo imundo
Que te serve por vagas de perfume.
O tempo não te espera desta alcova
E exige imperativo que se mova
À humilde condição de ser homem,
Outro César que a vida retempera!
E grita na lápide, vocifera...
Qual relegado aos vermes que lhe comem.
Álvaro Silva
A Jenário
A Jenário
Desde origem informe de embrionário
Quando foste cerebralmente torto
- Livre da culminância vil do aborto,
Quiseste ser homem, poeta e Jenário.
Como poucos, formou-se o maquinário,
Avantajado no efeito do absorto,
Enche de vida qualquer verso morto
Se alvo de seu fértil imaginário.
A Jenário que não creio seja gente
Mas a forma poética dos arrebóis
Que sempre toca e toca intimamente...
Que bom neste mundo estejais entre nós...
De grande alegria gozam teus docentes,
Infinitamente felizes teus lençóis!
Álvaro Silva. ©
Este singelo soneto já o fiz a algum tempo em homenagem a um grande poeta do qual sou admirador: Jenário de Fátima.
Amada Sara
Amada Sara
Sei que muito te amaria se pudesse
Quão ansioso nos teus braços me poria
E quando breve o fim chegasse de um dia
Sem fim seria o doce beijo que a desse.
Sem você a noite escura mais parece
E tudo em mim é confusão, é anarquia...
Que faço agora sem a tua companhia,
Se teu afago e teu jeitinho não se esquece?
Te desejei amor, e de tal forma eu a quis,
Que tanta dor a nada se compara
Dado o aceno amarfanhado que te fiz.
Perdi então a quem eu sei que mais amara
Foi tão profundo, tão intenso, e sem raiz.
Amei somente, e só a ti, amada Sara!
Álvaro Silva
Este soneto é ímpar para mim. Curiosamente o fiz, à época, julgando ter perdido o grande amor da minha vida, o qual sou casado com ele hoje: Sara. Graças a Deus o mundo dá muitas voltas.
A Lua
A Lua
Há na lua um arco-íris sem as cores
A tez monocromática das eras
O feitiço nos olhos das panteras
Um sutil hipnotismo dos horrores.
Há na lua a contrição dos desertores
À luz minguante cuja noite gera
A certeza da morte que te espera
Há na lua dos mistérios, dos temores...
Outra há, por luzeiro mais afeita,
Recanto das paixões e dos amantes
Dessas noites que a vida a tudo enfeita,
Inumada no céu como se fora
Eterna testemunha dos instantes
E visão inalcansável das masmorras.
Álvaro Silva©
Amor Alimento
Amor Alimento
Aquela dor, a maior que há na vida,
Entranhada no peito fortemente
Alimentou de cinza a minha mente
Feito restinho de brasa esmaecida.
Sendo intensa, trágica, imerecida...
A Perguntei, talvez, inutilmente:
“O que te fiz, ó dor, tão gravemente,
Que me destróis, assim, enraivecida?”
E, Me respondeu a dor como se fora
Aniquilar-me à luz abrasadora
Mostrando todo seu contentamento:
“A fome induz o caçador à caçada,
O choro atrai minha sutil emboscada...
Enlevo-te o amor, e enfim, me alimento.”
Álvaro Silva
Nunca o Perdi
Nunca o Perdi
Em tenra idade a orfandade paternal
Rompeu a porta sem divisar a tramela.
Foi coisa cruel ter a companhia dela
Que me levou o herói, meu poema lirial.
Quem dera sua presença mais durasse!
Vê-lo velhinho, de cuidados precisando
Vendo seu braço no meu se apoiando
“Filho querido!”, fosse assim que exclamasse...
A verdade é que o amor transcende a morte.
Das cinzas foscas almejei o meu suporte
E em prantos, jubiloso, o recebi:
Pai zeloso, nos meus sonhos me visita,
Está tão belo! Uma beleza indescrita,
A prova cabal que eu nunca o perdi.
Álvaro Silva
Singela homenagem ao meu pai!
Enganos
ENGANOS
Fui completa ruína dos seres que amam
Enorme alegria destes mesmos seres,
Fui ainda daqueles que se muito enganam
Dos que se enganam tive seus prazeres.
Tola paixão é dardo comburente
E em meu corpo ateei fogo sem sabê-lo.
Mas se outrora fui larva incandescente,
Hoje um ‘‘iceberg’’ em célere degelo...
As vezes me deprime este fantasma
E questiono: quantas vezes hei de errar,
Se fundo estou, e envolto neste plasma?
Quando entrevejo na resposta o limiar:
É que o amor não faz as vezes de miasma,
E coração foi feito mesmo p’ra amar.
Álvaro Silva
Conduzindo Desalentos
CONDUZINDO DESALENTOS
Dizem, os corações ainda empedernidos,
Certo serei ao esquecimento destinado
Pelo prisioneiro extremo dos sentidos;
Pelo vulto insanamente emocionado
Que sou! De espírito e corpo estremecidos
Perto dos arcanos celestes alçado
Se acorrer ao cérebro assim, espargidos
O ressoar das rimas num coro poetado...
Ah! Vós, malsinadas línguas tão falantes,
Sorvereis o fel das ditas infamantes...
Leve parecerão os féretros nojentos,
Serventes à morte das palavras vossas,
Enterradas, jamais ressuscitem nossas,
Como zumbis conduzindo desalentos.
Álvaro Silva