Poemas, frases e mensagens de jomasipe

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de jomasipe

Faltas-me

 
 
Faltas-me

Fala a severa, arrancada em mim,
da ceifa florida abandonada,
esquecido o véu, o vento, salivo-me de fogo,
calo-me perante a alvorada.

Sento-me, silencioso, dentro de mim,
calejadas mãos que me pariram na eternidade,
mundo incerto que não me queres,
diz-me, porque não me matas, nem a pedido?

Temo o conselho, fujo de mim e do que passa rápido,
correm-me pelos dedos os teus fios de cabelo,
amanso as aves de rapina, os céus abraçam-me,
tocas-me na pele, pelos sulcos do tempo.

Sou velha, mansa, clara paz,
sujeita nos trapos de uma vida pobre,
sou doce, criança, amado e pedinte,
dá-me um amor que não se esgote,
que eu possa guardar em mim.
 
Faltas-me

Prenúncio de um uivo

 
 
Prenúncio de um uivo

Anda, vem comigo, transcende-me no caminho,
a água dos regatos já se estagnou,
o sangue gélido penetrou-me os lábios negros.
Amedrontam-me as tempestades,
e o prenúncio delas.

Chuvas doentes caem sobre mim,
sacudo as lágrimas dos alguidares já sagrados,
busco águas límpidas nas fontes,
rio-me dos relâmpagos na sorte maldita do mar.
As areias beijam-me os pés,
lavam-mos com o perfume de rosas e de sal.

Louco, insano, imperador do vento mascarado,
infame néctar que me vendes-te.
Nas águas profundas oceânicas, nereidas gritam.
Nas águas pisadas, secas, queimadas.
Nas águas, no vento.
No ar que uiva, alto, que chama, na noite, por mim.
 
Prenúncio de um uivo

Paz

 
 
Há misturas com o vento,
que só apodrecem na penumbra.
Igrejas já apodrecidas,
caiadas de branco,
perante a folhagem negra, obscura.
Há cruzeiros…
e dimensões ocultas,
vigiadas na candura.
E imensidão, absurda, do pensamento.
Hoje trago a paz,
que ela chegue a ti.
 
Paz

Manhãs mortas

 
Há um arder melancólico no meu regaço,
no meu ventre rios fluem na maravilha amena,
respiro as águas caladas, silenciadas no desespero,
recuo perante a dor que se agudiza,
resguardo-me, protejo a pele da ânsia quebrada,
liberto a raiva indomável, penetro-a, a virgem casta.

Cansei-me das tuas canções desterradas,
dos maus agouros, da matança do carmim solar,
andei enganado nas sombras,
dormitei ao relento, o céu sabe o meu nome.

Comunguei no vestíbulo da morte,
adorei-te na sacristia e no claustro lúgubre,
atirei prazeres nas paredes amplas do negrume,
fiz-me imensidão, lugar perpétuo, oráculo de peregrinação,
relíquia venerada, ossadas devolutas, ardores de alecrim,
vesti-me de névoa nas manhãs suspeitas, tenras,
cruzei-me com espécies antigas,
dei-me a mim, devolvi-me ao vento e às marés.
 
Manhãs mortas

A palavra

 
Escolhe-me pela cor da minha Alma,
pela frescura que trarei aos teus campos secos, ávidos pela colheita,
escolhe-me pela tortura do prazer,
pela água límpida que derramarei na tua fronte.
Coloca-me no pedestal do teu altar,
venera-me,
acende-me candeias, velas e lamparinas sagradas,
incendeia-me com incensos dos rituais,
Vela-me,
não me adormeças em ti,
não deixes que me adormeça,
pois meu sono é eterno e dele não faz parte a lembrança.
Acorda-me,
adormece-te em mim, pois tenho um aconchego que não acaba,
um lampejo de sentimentos que não deseja, nem esmorece.
Acorda,
dorme esta noite a meu lado,
vela-me, acorda-me, penetra-me com sons estranhos,
diz-me a palavra, que tanto anseio escutar.
 
A palavra

Saudade

 
Encharcam-se-me os sótãos abandonados nos ossos,
labirintos de ideias, quebrados na solidão,
abruptas falésias, desfiladeiros da morte,
canções esquecidas, apagadas na bruma.

Segredo-me códigos translúcidos, na luz crepuscular,
abafam-se-me as palavras inúteis, que olvidei,
os meus ouvidos escutam-te, segreda-lhes o teu amor,
palavras escorridas nos peneiros do tempo.

Há muito que queria ouvir, sons tardios no sangue,
os perfumes que me trouxeste chegaram ao fim,
vem, inebria-me uma vez mais, cheira-me o odor,
cansa-me com a melodia triste das tuas costas rasas.

Os roseiras secaram, as flores partiram com os pássaros,
as madrugadas já não trazem mais cores de azul,
o sol já não nasce como dantes,
faltam-se-me contas no rosário que desfio sem fim.
Saudade.
 
Saudade

Não me leiam mais

 
Tentei dormir, meus olhos não fecham,
Tentei adormecer, meus braços não deixam, meus lábios não se acalmam, minha boca não se fecha, meu pensamento não me larga, foge vadio pelas ruas que desconheço, onde mora o prazer que procuro, onde se sujam de pecado as almas dos que não vivem mais.
Tentei o descanso, mas meu coração não se acalma, a tempestade não passa, as chuvas não param de tombar sobre minha face molhada, encharco-me de suor, dou do meu corpo o meu espírito, fétido, na lembrança da mata ainda por descobrir na madrugada morna, morta e cansada.
Levanto-me molhado em odores que não quero, partilho leitos, corpos entrelaçados, odores de pensamentos voluptuosos. Não me queiram na santidade, nem nos vossos conventos apodrecidos, aconchegos leves nos claustros e das madrugadas violentas. Fechem-me na minha cela, dai-me pão do céu mergulhado no sangue do morto que depositais na cruz de madeira podre. Já não me visto mais com a farda do cordeiro, nem com o medalhão queimado, agora sem sentido, louco pelas visões alargadas, inebriado em ópios de ilusão. Estou cansado, não me leiam mais, teçam-me em segredos nos teares da vossa vida, inebriem-se em mim e no meu peito aberto.
 
Não me leiam mais

Mensagem 4

 
Mensagem 4
 
Mensagem 4

(Ano 2009, Painel em caneta de prata, ouro e cristais sobre cartolina preta, 70x50 cm, Colecção Particular)

Partilha-te, revê os sonhos que hoje viveste,
lembra-te de ti mesmo, recorda o que és.
Há uma Luz em ti que jamais se extingue,
uma vela acesa, de uma cera imortal.
Afasta o véu de veludo que encobre teus olhos,
vê, com o olhar dos linces, a tua mesma beleza e Luz.
As sombras nada serão,
perante a tranquilidade oculta do teu coração sereno.
 
Mensagem 4

Tenho suores frios pela falta que me fazes

 
Queimo no ar os restos da folhagem deixada no vento leve,
sorvo-te as lágrimas agudas, lavadas nas chuvas intensas,
abarco-me com o infinito, dou-me nos oceanos e clamores nocturnos.
Tenho suores frios pela falta que me fazes, procuro a tua presença,
transpiro já da pele as teias tecidas de leves sons, candeias acesas,
guio-me pela luz negra do luar, caio e levanto-me mil vezes,
nunca nenhum mortal poderá me abandonar.

Rio do destino voraz, que se fez rochedo num olhar meu inocente,
escarneço das rendas bordadas das vestes que me deram.
Soam trombetas e sons lúgubres, infernais, eviscerados, podres,
vozes distorcidas nas brisas adormecidas, confusas, incontáveis,
fantasmas etéreos do meu mundo singelo e intocável.
Quase não te oiço, grita mais alto, canta-me uma onomatopeia,
faz o meu céu colorir-se de estrelas magras, possuídas pela paixão.

Abraço-me sozinho nas noites, acordo comigo apenas nas manhãs,
o céu brilhante já se foi, as cores desvaneceram-se com o funesto sol,
resta-me a noite para purificar os meus dedos no toque manso,
para abandonar o meu cárcere nas costas dos naufrágios.
 
Tenho suores frios pela falta que me fazes

Lembranças

 
Suja-me a areia molhada, encharcada no manto cálido,
amedrontam-me as palavras ocas, repletas de sentido e razão,
assustam-me as primeiras neves e os frios do Inverno,
sofro com o fim do Outono e a morte das almas findas.

Já fui mais como os milhafres nos céus nublados,
como as ondas nos mares revoltos,
como os vendavais, nas roupas molhadas dos estendais.

Agora sou cansaço trocado, alma moribunda e carente,
deambulando pelos becos sem luminosidade,
canteiro sem flores, montanha sem neves geladas.
Sou mais como um campo sem milheirais,
carreiros onde ninguém caminha,
sepulcros onde se deixam flores e lembranças.
Sou mudo, calado, silenciado, surdo, triste,
lembrado apenas em dias funestos.
Sou caminhante nas estrelas do firmamento,
lembrado por ninguém, esquecido pela aurora não nascida,
lembrado por ti, na esperança ardida dos fogos aprisionados.
 
Lembranças

Perda

 
Dói-me a balada do piano,
há tanto que me fazes falta.
A música murmura-me ondas revoltas,
não há paz nesse mundo abafado.
Há uma nostalgia tocada,
uma asa minha quebrada ao nascer,
um corpo que já não quero,
um prazer que me desgosta,

Não sei se é da maldita lágrima,
que me falta na queda facial,
nem se é a cama vazia,
que me amedronta em cada noite diária,
nem se é a chuva cansada,
que abunda lá fora.

Não sei se são os recantos da pele,
que me cinzelam o olhar,
nem se é do sufoco nublado,
de não te ter aqui.
 
Perda

Flores perfumadas

 
Perfumo-me no encantamento doce da palavra,
uma cor de esperança desce sobre mim,
respiro um ar luminoso,
arde-se-me dentro o bater do coração.

Pulsam as neves lá fora,
os ventos, tempestades de ilusão,
chuvas de sonho, calma, paz encontrada,
ânsia abafada, uma noite pacífica.

Traz-me flores perfumadas,
beijos em alecrim florido nos montes,
giestas que cantam,
melodias esquecidas,
uma paixão por mim, quando te sinto.
 
Flores perfumadas

Mergulho na noite

 
 
Mergulho na noite

Uma jangada apagada,
abafada no nada,
um espelho de água,
movido pela brisa lenta.
Um mergulhar em silêncio,
numa noite quente,
uma água cálida, transparente na cor,
um cofre fechado, de pérolas preenchido.

Uma luz que se extingue,
um luar que me nasce,
um cordão umbilical,
cortado à nascença.
Um sangue melado, doce, infantil,
um mergulho nocturno,
numa floresta molhada,
num claustro profundo, silenciado.

Uma caravana que passa,
moribundos lá dentro,
uma mó de um moinho,
cansado, dormente.
Um mergulho nocturno,
infantil na passagem,
um milhafre soturno,
frases quebradas, uma miragem

Uma história perdida,
achada numa pele qualquer,
inscrições tatuadas,
num cabelo de mulher.
Um crescente que nasce,
que morre, que se perde,
uma ausência que passe,
uma dor que se leve.
 
Mergulho na noite

Oceano Divino

 
Oceano Divino
 
Oceano Divino

(Ano 2006, Acrílico sobre tela e tinta de prata, 100x80 cm, Colecção Particular)

Profundo e azul oceano de imagens e quimeras há muito esquecidas.
Por quem me tomas especial, se nada sou e ainda a tudo pertenço?
De longe avisto a distância que me separa do abismo dos céus.
De perto esqueço de que molde nasci e que pálpebras me contemplam.
Quero para mim o silêncio das escuras noites.
Quero para mim a frescura dos muitos nascimentos esquecidos.
De longe ou de perto, ainda contemplo a imensidão dos céus,
quando de Luz e sombras se carregam,
em dias de tempestade.
 
Oceano Divino

Não sou sombra

 
Dilacera-se-me a Alma, parece não haver esperança,
quando me vou para fora da Luz, a treva busca-me,
procuro incessante, a busca, pela constância,
o equilíbrio amansa-me, a confusão amedronta-me.

Ainda conheço pouco dos meus medos, são tantos,
alguns acompanham-me há muito, outros são recentes,
vadios, fastidiosos, cansados no oculto pensamento,
sobressaí de mim, um vulcão fumegante, torpe.

Sempre te busquei, luminosa, para que ardesses,
em mim, dentro, comungada na minha pele,
nunca desejei que saísses, que te ausentasses,
hoje vives em mim, desejava que para sempre.

Torna-se claro, uma dimensão escondida, fugidia,
mas logo te acompanho nas manhãs novas,
não mais me amedronto, sou eu, Luz, Amor,
chama-lhe o que quiseres, não sou sombra.
 
Não sou sombra

Fome materna

 
Mãe,
espreita-me o olhar
fecunda meu ventre incolor,
saceia a minha fome do toque,
acaricia a minha pele infantil,
beija-me as lágrimas antigas,
luta comigo nas noites por dormir,
fica a meu lado,
adormece-me em ti,
adorna-me com flores secas,
canta-me uma melodia,
embala-me,
sou sôfrego pela tua mão,
respira-me o ar que não encontro,
nos soluços da saudade,
da falta, da perda, da liberdade sã,

Mãe,
ama-me, fica em mim, dá-me cansaço,
há uma tortura em mim que não termina nem acaba.

(dedicado a minha irmã Egéria)
 
Fome materna

Esta madrugada os campos acordaram gelados

 
Parecia uma visão.
Era Inverno dentro de mim.
As chamas acesas há muito tinham deixado de arder.
Em mim agora gelaram as neves.
Uivei, oculto, pela dor que desapareceu.
Deixei que me levassem as aves de rapina.
Deitei-me nas entranhas da terra, acolhido pelas árvores mansas.
As águas haviam lançado seu feitiço sobre mim.
Adormeci para acordar. Acordei para voltar a adormecer.
Era de manhã e o dia clareava.
Esta madrugada os campos acordaram gelados.
 
Esta madrugada os campos acordaram gelados

Um beijo numa foice

 
 
Um beijo numa foice

Estrangeiro mar, quando me falha a voz,
recinto fechado, absurda calma lenta, atroz.
Revolto pensamento, obscuro num encontro,
uma porta vazia, um andar, coxo, meio tonto.

Um vento incómodo, uma luz que se deita,
uma chama inquieta, uma língua rarefeita.
Uma mó de café, trabalhada na noite,
um sabor de caramelo, um beijo numa foice.

Um fardo de ervas de cheiro, na maresia florida,
na folhagem murcha, acastanhada, uma tundra de gelosia.
Caminhos pelo sangue, veias andadas por peregrinos,
assobios no ar, um esvoaçar de tempos idos.

Horas que não passam, comboios que não chegam,
estações esquecidas, tão abandonadas que me cegam.
Olhares mortos, poisados em mim,
alvoradas que me tocam, em sons de cetim.
 
Um beijo numa foice

Canção de embalar I

 
Dou-me assim, sou um repente,
um vento passageiro, nos teus dedos aprisionado,
uma brisa voraz, frescura num rosto teu,
um seio de prazer, mantido em segredo,
um encontro alado e doce, numa noite apagada,
um calor que não arde, numa palavra dita em silêncio,
uma flor que não desabrocha, nascida numa rocha agreste,
uma candeia iluminada, numa chama acesa,
num carreiro sem peregrinos,
um casebre escuro e lúgubre,
um caule de uma flor recém-nascida,
uma raiz de uma árvore anciã,
uma travessia de um rio, navegado no adormecer,
uma cascata num ribeiro manso, numa corrente sem paragem,
uma lua cheia no céu estrelado,
uma nuvem passageira, numa aragem delicada,
uma chuva dourada,
molhada nos teus cabelos.
 
Canção de embalar I

Pastoreio de almas

 
O dia está cinza e não me apetece sonhar,
rasgo papéis da última noite,
lanço-os no fogo que arde,
sacudo o albornoz e a desdita que parte.

Ando curvado, seco e tresmalhado,
não há pasto que me saceie,
nem pastor que me guarde,
sou indomável, um coração ansioso, crescente,
uma lua em uma candeia, nova, cheia, antiga.

Navego céus de fogo, enciumados pela neve,
consumo-me nas neblinas densas,
nos pântanos noctívagos,
sou ave de caça furtiva, esguia na solidão.

Há um pastoreio de almas que em mim repousam,
que se abrigam das tempestades da colheita,
que me alugam para o prazer,
e me abandonam na satisfação consumada.
 
Pastoreio de almas