No inicio do fim
Olha-me nos olhos
sente o meu cheiro
faz-me uma marca profunda
... no coração
lembra-te de mim
que os restos de nossas vidas
não são, tão suficientes assim
... recorda-me
nos tempos que passamos
nas alegrias que vivemos
nas tristezas que partilhamos
marca-me mais
reconhece-me ...
quando por mim cruzares
em qualquer parte
de toda a Terra
no alto da serra
ou num dos sete mares
Reconhece-me... depois...
Depois de nossa morte
quando nos inverter-mos
e distorcer-mos
na desordem
dos tempos
re-nasceremos
amamentados
no seio da entropia
leito materno do universo
aquecido na entalpia
do amor distribuído
pelo biberão de Deus
Depois ...
procura-me
recorda-me
volta...
...a amar-me
e se nada te disser
....
beija-me
beija-me
beija-me
....
que eu reconhecerei
a alma... que sempre amei
Salpicos de letras
Código de letras mexidas para viver
restos de seres pisados pelo querer
som da felicidade amordaçada em letras
atiram setas disparadas das canetas.
Viver estranho que entre folhas
desesperas um grito enquanto sonhas
escrita mordida pelos pensamentos
sorte da passagem a outros tormentos
Pedaços de seres escritos em folhas
testemunhos etéreos de branco infinito
saudades e escritos de amor bonito
surprende a alma a cada dedo que molhas
Sucedem-se páginas vestidas de branco
salpicadas de perto por punhados de letras
manchas de tinta com carga nas veias
cor infinita manchada pelo pranto.
Pelos meus dedos
Escorre entre os meus dedos
O tempo, e os medos
De te perder
...
Quanta areia leva
Passar de amar
A sofrer
...
Até que escorra
Toda a vida
Pelos meus dedos
Até que passe
Todo o medo
De te perder
Quantos segredos
Trancam o teu coração
....
Liberta-o
Destranca a emoção
Não e possível ter amor
Sem amar
Permite-o
...
O amor
...
Ele perde a razão
Entre o coração
E a paixão
Vive sem medo da dor ...
Vive todo o teu amor...
Fotograma
A sombra é a película impressa do que vem da luz, destila-se assim de um tipo de amor, em que se movimentam os corpos lentamente na água, a revelação ténue é pendurada nua, fica a enxugar num estendal, na varanda de um estúdio de umas quaisquer águas furtadas.
Os poemas também se revelam, molham-se tímidos, afinam-se em dó, subidas de meio-tom em fôlegos sustenidos acompanhados à guitarra, pelas cordas vocais de um poeta.O corpo é uma barragem e as palavras o fio de água que se esgueira e derruba os paramentos abrindo o peito que liberta a inundante angústia de um sentimento libertador.
Bebemos dois lábios
Bebemos dois lábios
Alimentamos o amor
Cuspimos a dor
Bebemos dos dois
Falamos em surdina
Trocamos olhares de retina
Toco, sinto a mão
Embalo-te o coração
Falas, da maneira como amavas
Embalo tudo, mesmo assim
Em socorro das palavras
Anuo, digo que sim
É triste ser feliz
Gostar de alguém
Que mesmo sem
Dizer, faz o que diz
Pontas do véu
Bebo a alquimia
Mistura das tuas palavras
Que giram num amor profundo
Levantadas em aragem fresca
Sopram os cabelos
Acordando para que lute
Preparando para que recomece
A magia do momento
Do atraso pelo tempo
Esquecendo a escuridão
Onde apalpam os corpos
Afastados da proximidade
Agora içamos
Em duas pontas o véu
Fazendo vela no sopro
Da alquimia das palavras
Transformando as nossas almas
Dois sentidos
Exploro-te a pele
Observo todos os sinais
Leio a carta do amor
Bússola do desejo
Sexo nascente
Dois olhos em poente
Apareces como se rompe a noite
Orientado pelas estrelas do teu olhar
A minha respiração é volúpia em pele
Arrepia cada pelo, estremecido pelo desejo
Ganhas volume, crescente ardente pelo ventre
Despido mergulho em ti
Envolves o meu desejo
Abraço desmedido
Que se funde por dentro
Entrelaça na raiz
Fechamos dois sopros juntos
Para abrir, jazidas sementes
Giradas por dois sentidos
Formado em vendaval despido, que nu tão só
A saudade parte sem se despedir
Lembro os teus olhos
Um arco-íris de cores
Nus pêndulos de flores
Presos nas gotas que espelham
Suaves balanços de intimidade
Sentimos os lábios
Envolvidos na serenidade
Das ondas que arrepiam as águas
Remexidas em lentas pás no tempo
Onde a saudade parte sem se despedir
As vezes
Ás vezes tento lembrar
Recordar a vida
O mais espinhoso esconde-se
Sempre atrás da alegria
A saudade faz recordar o que antes existia
Mas sempre a alegria
Os espinhos não aparecem na fotografia
Amor ardente
Estás quente, o desejo ardente consome em ti. Não te apercebes, inerte ardes no desejo. Desvendas distraída pedaços expostos de pele, mostras a mortalha sedutora inconsciente que envolve o desejo em ti. Se nada fizeres ardes, mas deixas arder, preferes a vida quente. Labaredas aparecem, lambem-te, desenvolvem-se da raiz, sente-se o calor, irradiado pela alma, fascinante beleza lambida pela sedução. Aquece o coração, aproxima-se em demasia, acende o desejo e em espanto cresce. Hipnotizados pela cor atraente, reluz vermelho apaixonado. Parece crescer, cresce o desejo, doce dor aparente que queima sem se sentir. Arde o que não dói, fugaz sensação deste descontrolo transformado em café, quente, excitante, moído no hálito do lamber sedativo. Imune à dor as labaredas lançam-se em ti, protejo o olhar e vejo arder. As lambidelas crescem, veem-se ao longe irradiam tudo em redor, animais observam com medo as labaredas, parecem incomodados com o desejo consciente, fogo pelo fogo, dá-se tudo, abastece-se o calor, arde consome-se o amor em nós, preferimos não o apagar, juntamo-nos ainda mais, até que tudo esteja queimado. Estranhamos a inadvertência, consumimos até ao fim, mas a chama diminui, olhamos à volta. Em espanto observamos o resultado final, pequenos, fogos espalhados pelo bosque, animais correm apavorados, a lua não surpreende. Estranha sensação da dor dormente, o pó das cinzas paira no ar, cheira a almas chamuscadas. A espera, faz-se esperar, pela brisa lânguida das madrugadas que aparece depois de uma noite de segredos. A lua tudo enfeitiçou, doce anestesia que passou agora espera-se no vazio do desejo. Que tudo retome, que volte a crescer, que outro luar traga a ignição mágica do desejo de lamber.